sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

DANÇA, TRANSE E O QUADRO PROFÉTICO


Dançar compulsoriamente, até os pés sangrarem em carne viva ou – mais trágico – até morrer por exaustão. O que parece ser um absurdo à primeira vista, constitui-se em uma das mais enigmáticas epidemias da Europa Medieval . Em entrevista à revista Galileu[1], John Waller, historiador da Universidade Estadual do Michigan, comentou sobre sua pesquisa a respeito da epidemia de dança surgida em 1518 na França e que rendeu-lhe a publicação de um livro sobre o assunto[2]. A seguir, algumas observações relevantes sobre a matéria:

1. A acusação implícita de que a fé fomenta histeria: esta é uma tônica das revistas “científicas” brasileiras – a desqualificação da fé, retratada como um elemento da irracionalidade primitiva, totalmente impertinente dentro da mentalidade pós-industrial. A verdade é que há fés e fés. A fé cristã é originalmente racional (Rm. 12:1). Sua racionalidade, não obstante, difere do racionalismo grego, que foi resgatado no Humanismo e tornou-se anticlerical e ateísta como seguimento da revolução iluminista. A razão, na concepção cristã, tem seu lugar e, quando santificada, é útil para refrear as emoções corrompidas pelo pecado e investigar os dados providos pela Revelação divina dentro de limites humanos. O Deus da Bíblia fornece evidências para crermos – sejam evidências intrínsecas (relacionadas à crença em si) ou evidências relacionais (quando não podemos entender, e ainda assim somos convidados a crer porque Deus é confiável e merece que O sigamos).

Pelo fato de que não se fazer diferenciação entre os divergentes tipos de crença, a entrevista dá-se a entender que todo tipo de fé resulte em histeria, descontrole em massa e distúrbios relacionados. Note a declaração de Waller: “Os atingidos pela epidemia de 1518 ocupavam um ambiente de fé que aceitavam a ameaça da praga divina, posseção ou feitiço. Eles não tinham a intenção de entrar em estado de transe, mas suas crenças sobrenaturais tornaram isso possível.
[3] O historiador olvida que nem toda crença que aceite o sobrenatural produza as condições para que se repita o que viu na praga de 1518.
A religiosidade medieval fundiu elementos cristãos a um misticismo pagão, criando superstições infundadas (ridículas até!). Temos de que nos situar, no entanto, e perceber que, se o cristianismo católico-medieval assumia estes caracteres, já estamos vizinhos da Reforma. Não muito tempo depois do episódio da dança, chegaram a Wittenberg os profetas de Zwickau, fanáticos religiosos que professavam um cristianismo místico, com direito ao pacote “transe/visões/rejeição da Bíblia”. A influência deste movimento na comunidade forçou Lutero a voltar de seu refúgio para combater o fanatismo e reparar a ordem, mediante a apresentação da mensagem bíblica. O que aconteceu neste episódio nos ajuda a diferenciar não só posturas, mas as próprias bases de cristãos orientados pela Bíblia e de grupos místicos (sejam cristãos ou nãos).

2.O perigo de que o misticismo cristão volte a influir na experiência cúltica em círculos cristãos-adventistas: Observe este trecho da entrevista: “[…] os cultos modernos de possessão realmente lançam uma luz sobre o que aconteceu em 1518, já que estudos mostram que as pessoas estão mais propensas a experimentar um transe dissociativo se já acreditam em possessão espírita. As mentes podem ser preparadas, por meio do aprendizado ou exposição passiva, a transitar por estados alterados [de consciência].[4]” Que, de certa forma, o misticismo continue se imiscuindo com a espiritualidade moderna ninguém pode negar; que este processo afete um número crescente de cristãos, está claro; agora, que esta tendência incidirá sobre adventistas, é uma questão de tempo. [5] Mesmo agora, podemos ver o processo em andamento por alguns fatores: (1) Um número cada vez maior de adventistas faz uso da música evangélica (seja através de consumo de material fonográfico, DVDs ou de dowloads; pela frequência a shows gospels; pela utilização de músicas cristãs contemporâneas em cultos regulares, eventos em internatos e instituições, momentos de devoção familiar ou particular, etc.); consequentemente, (2) mais e mais passamos a conceber a música cristã como os evangélicos o fazem, ou seja, formada por letra religiosa e música popular. Se continuarmos a nos aproximar de outros grupos cristãos no que se reporta à adoração, experimentaremos os mesmos fenômenos de transe e possessão que há muito fazem parte da rotina cúltica de tais grupos. Será que no final, muitos adventistas também serão dançarinos compulsórios? Eis algo que deve nos preocupar.

Leia também



[1] John Waller, “Erupções de histeria em massa continuam a acontecer”, em entrevista cedida à revista Galileu, nº 211, Fevereiro de 2009, pp. 16 e 17. De agora em diante, Erupções.
[2] John Waller, “A time to dance, a time to die: The Extraordinary Story of the Dancing Plague of 1518”, (Cambridge: Icon Books, 2008).
[3] John Waller, “Erupções”, p. 17.
[4] John Waller, “Erupções”, idem. Waller fala especialmente no caso de religiões afro, mas a inclusão de certos ramos do Pentecostalismo nesta descrição me soa evidente.
[5] Ver o que Ellen White fala sobre o movimento da “Carne Santa” e como isto iria se repetir entre os adventistas do sétimo dia no futuro em Mensagens Escolhidas, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1986), 2º ed, vol. 2, pp.35-39.

2 comentários:

Anônimo disse...

Música propicia estado de êxtase e
transe em Igrejas Pentecostais.
Texto de: Juliana Kiyomura
Moreno

Os mais variados estilos de música passam a ser usados pelas Igrejas numa tentativa de conquistar novos fiéis e aproximar a fé de conservadores a roqueiros


O uso da música como meio para chegar a um estado de êxtase e transe religioso vêm se tornando comum em igrejas de diversas religiões em todo o mundo. A partir dessa constatação, uma pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP analisou essa prática em algumas Igrejas Pentecostais da cidade de São Paulo. A dissertação Manifestações espirituais nas Igrejas Pentecostais: um estudo psicossocial do êxtase e do transe através da música como mobilizadora de emoções desenvolvida por Valdevino Rodrigues dos Santos mostra que a utilização da música nestas igrejas ajuda a aumentar o número de fiéis.

De acordo com o pesquisador, que apresentou sua pesquisa em agosto desse ano, "as Igrejas Pentecostais são as que mais crescem no mundo inteiro e esse tipo de recurso (o uso de ritmos musicais contemporâneos) só tende a aumentar".

Santos analisou as igrejas pentecostais desde a primeira Assembléia de Deus, trazida ao Brasil pelos suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg em 1910. Ele também estudou "Igreja do Evangelho Quadrangular", instalada em 1950, e a "Renascer" na década de 1980.

Dentre elas, a Igreja Renascer é a mais liberal. Para se aproximar de seu público-alvo utiliza rock, samba, rap e até heavy metal. Pastores vestidos de metaleiros pregam para jovens utilizando uma linguagem semelhante a desse grupo. "Jovens são atraídos pela atmosfera a que estão acostumados. Este tipo de recurso une a pregação da fé com uma filosofia de vida que muitas vezes não seria bem aceita em outras religiões", explica Santos.

A dança do samba, por exemplo, é admitida por estarem "sambando para Deus". "Se Deus criou a arte por que não utilizá-la para louvá-lo?", esta é uma das justificativas dada pela igreja para o uso da dança e uso tipos musicais registrados na tese.

Mais proximidade
As Igrejas Pentecostais têm como característica principal a crença no "batismo do Espírito Santo", que teria acontecido pela primeira vez durante a "Festa de Pentecostes", simbolizando a descida do Espírito Santo sobre as pessoas que rezavam e comungavam após a morte de Cristo. Neste momento, pessoas de origens étnicas e idiomas diferentes começaram a falar a mesma língua e a se entender. Esse ato recebeu o nome de "glossolalia", que seria este "falar línguas estranhas", e é um dos momentos mais importantes do culto atual nessas Igrejas Pentecostais. Seria um "retorno às origens e a verdadeira fé", de acordo com o estudioso.

Segundo esta característica de busca pelo Espírito Santo, o uso de ritmos musicais diferentes durante o culto propiciariam uma aproximação entre o pastor, a palavra pregada e a recepção e compreensão por parte dos fiéis. " No decorrer do culto há uma gradação sonora e musical até o seu ápice que é quando alguns fiéis são agraciados pelo recebimento do Espírito Santo", declara Valdevino Rodrigues dos Santos.

No momento de êxtase e transe a música tem por função ambientar toda essa erupção de sentimentos por parte dos fiéis. "O transe que o indivíduo possa ter no "contato solitário com o divino" é compartilhado nessas assembléias religiosas e isto vêm aumentando e tomando uma importância para a antropologia mundial", conclui Santos.

Lídia disse...

Tem selo pra você lá no Blog!

http://coisasdestavida.wordpress.com/2009/02/05/selos/

Coloquei o link pra ficar mais fácil.