domingo, 28 de fevereiro de 2010

VIDA E MORTE DAQUELES QUE CONHECEM O DEUS VERDADEIRO

Noite de São Bartolomeu: como explicar a morte de cristãos fiéis?
Como pastor, já realizei algumas cerimônias fúnebres. Vi admiráveis coroas de flores. Faixas com elogios e honrarias. Despedidas comoventes. Entretanto, em muitos casos, as pessoas falecidas tiveram de esperar o velório para serem alvo de tamanha atenção e carinho! Como Jean-Baptiste Clamence, personagem de Albert Camus, refletiu: “[…] Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há obrigações.” [1]

Entretanto, vale acrescentar que Deus valoriza as pessoas quando estão vivas. Aliás, Deus Se importa com a nossa vida a ponto de Se comprometer conosco. De nossa parte, o Senhor também espera ver um compromisso com Ele. Mesmo quando um de Seus filhos fiéis morre, isso é mais precioso aos olhos de Deus do que a vida de quem está distante da fé bíblica. O capítulo 57 de Isaías faz essas e outras afirmações sobre vida e morte, mostrando que, enquanto respiramos, precisamos nos comprometer com o Deus verdadeiro. Passemos a refletir nas palavras de Isaías:

I – A morte do Justo: um comentarista diz que temos aqui “uma denúncia que acaba em promessa para o inocente” [2](cf.: Is 56:-12). Numa sociedade influenciada por paganismo, os homens de bens não são devidamente valorizados. Assim, não chega a estranhar que a morte do justo passe despercebida pelos homens (v. 1a) De fato, o profeta menciona em seu livro o desprezo de Israel à pessoa humana (Is 33:8).

Em contrapartida, o Senhor dá o diagnóstico: a morte do justo está relacionada com a injustiça (v. 1b). As traduções modernas e os comentaristas se dividem com respeito a essa relação; “[…] sem que ninguém veja que sob os golpes da maldade o justo é ceifado” (Is 57:1, Tradução Ecumênica Brasileira). Por esse prisma, o resultado da ação maléfica de um povo rebelde seria a morte dos justos [3]. Mas outras versões dizem que os justos são levados prematuramente à morte para não sofrerem o mal (Almeida Revista e Atualizada; Nova Versão Internacional) [4]. Seja como for, a maldade era a causa da morte dos fiéis.

Todavia, isso não dá razão ao desespero, porque a morte do justo antecipa sua recompensa dada por Deus (v.2). As escolhas que dignificam a Deus não se fazem em vão. Aqueles que se colocam ao lado de Deus nessa vida podem até descansar no sono do pó, entretanto, acordarão na luz da volta do Senhor Jesus.

II – A vida do injusto: morrer em Cristo é infinitamente mais louvável do que viver sem Ele. Para deixá-lo claro, Deus convoca os rebeldes (vv. 3-4). O povo zombava de pessoas que Deus considerava muito mais dignas do que eles (vv.1-2) [5]. Portanto, faz-se necessário que eles se vejam não aos seus próprios olhos, mas como Deus os vê.

Deus revisa os atos idólatras (vv. 5-10) “[…] O paganismo sempre esteve ligado ao animismo, isto é, com a crença que objetos ou lugares encarnavam a presença de espíritos.” [6] Assim, temos explicação para a menção de elementos como “terebintos”, “árvores frondosas”, “fendas de penhascos”, “pedras lisas”, entre outros.

Um teólogo afirmou: “[…] As diversificadas e imperfeitamente desenvolvidas ideias do supremo ser que prevalecem entre os homens são levadas em conta da melhor forma como falsas interpretações e percepções de uma convicção intuitiva comum a todos”, isto é, o conceito universal de que existe um Deus a ser adorado [7]. Faz sentido, portanto, que o homem, ser naturalmente religioso, quando se recusa a servir a Deus, precise adorar outra coisa em Seu lugar.

Fazendo desse modo, apesar da luz que possui,torna-se culpado diante de Deus. E Deus julga os atos pecaminosos (vv. 11-13). Os ídolos se mostrariam inúteis na hora do desespero. No caso de Israel, os deuses não impediriam que a nação fosse levada ao cativeiro na Babilônia. Hoje, se depositarmos nossas esperanças definitivas em qualquer coisa fora de Deus, sofremos decepção, revezes e fracasso.

III – A proposta de Deus para a nossa vida: Faz diferença adorar corretamente o Deus das Escrituras! No verso 14 “exorta-se com entusiasmo [Israel] ao regresso” [8]. Um Ser de amor, Criador e Regente do Universo, apela às suas criaturas para se voltarem a Ele.

Devemos reconhecer a singularidade divina (vv. 14-15). O pensador reformado Francis Schaeffer afirma que sempre houve deuses de dois tipos: infinitos (como no Oriente) ou pessoais (como no Ocidente). O Deus da Bíblia é Singular, sendo o Único que é Infinito-Pessoal [9]. O verso 15 é a demonstração precisa do que Schaeffer conceituou [10].

“Com efeito, a primeira coisa que ressalta na mensagem é a concepção de Javé como transcendente e sublime, mas que, por isso mesmo, é capaz de atender os daqui de baixo. […] no nível de ‘o alto’ se associam a eternidade e a sacralidade de Javé; no nível de ‘o baixo’, os triturados. O único verbo ativo neste v. 15 é o de ‘vivificar’, repetido duas vezes, que é precisamente a vontade desse Javé que habita tão alto.”[11]Essa condescendência divina é um verdadeiro milagre [12]!

Além de reconhecer a Deus, devemos buscar a misericórdia divina (vv.16-17). Apesar de permitir que Israel (e mesmo nós) colhesse os frutos de suas escolhas erradas, Deus não reteria deles Sua misericórdia para sempre. Grande é a compaixão de nosso Deus! Logo, devemos experimentar a restauração divina (vv. 18-19), que está ao nosso alcance. Deus prometeu dar a paz (shalom) para seu povo, o que envolve muito mais do que mera ausência de conflito: o Senhor quer devolver a nós a vida abençoada e harmoniosa que havia antes de o pecado trazer a ruptura entre os homens e Deus (Is 59:2).

Para tomarmos sabiamente a nossa decisão, devemos ter diante de nós as consequências da rejeição a Deus (vv. 20-21). Os perversos não possuem paz. Vivem agitados como o mar. Por mais que vivam e adquiram bens e possuam renome, não vivem satisfeitos, porque sua natureza incompleta reclama por aquilo que pode trazer vida à vida: a presença do Deus verdadeiro. Por Ele, importa viver e morrer, na certeza de que, em todo caso, a nossa vida está guardada em Cristo (Cl 3:3).

[1]Albert Camus, A queda (tradução de Valerie Rumjarek; Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, s/d), p. 28.
[2]L. Alonso Schökel e J.L. Sicre Diaz, Profetas I: Isaías-Jeremias (São Paulo, SP: Paulus, 1988), p. 362.
[3]J. Ridderbos, Isaías: Introdução e comentário (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2006), 2a impressão da 2a edição, p. 464.
[4] S.J. Schwantes, O profeta do Evangelho: comentário sobre o livro de Isaías (Engenheiro Coelho, SP: Gráfica da União Central Brasileira, 1999), p. 148.
[5]J. Ridderbos,idem, p. 465.
[6] S.J. Schwantes, Idém.
[7] Augustus Hopkins Strong, Teologia Sistemática (São Paulo, SP: Hagnos, 2003), vol I, p. 100.
[8] J. Severino Croatto, Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica, vol. III: 56-66: a utopia da nova criação (Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002), p. 71.
[9] Francis Schaeffer, A morte da razão (São Paulo, SP:Aliança Bíblica Universitária do Brasil; São José dos Campos, SP: Editora Fiel da Missão Evangélica, 1989), 5a ed., p. 24.
[10] Outro exemplo bíblico se acha em Dn. 2:28, que apresenta a Deus como estando dos Céus, mas nem por isso impossibilitado de se comunicar através da revelação. Os exemplos são de minha responsabilidade, uma vez que Schaeffer não alude a nenhum verso bíblico específico.
[11]Idem, p. 72-73.
[12]J. Ridderbos, opus citada, p. 469.

TOCANDO EM FRENTE

Sabe quando as pessoas têm vergonha de olhar para você? Sabe quando todos lhe devem em silêncio, e ficam com medo de reviver seus erros a cada vez que seus olhares encontram com o seu? As pessoas têm vergonha de olhar Dolores. Hoje é domingo e a vergonha do católico cresce ainda mais.

Esse domingo boceja luz. Dolores saiu vagarosamente pelo portão de ferro. Ligou o ipod. Maria Betânia lhe aconselhava a conhecer as manhas e as manhãs. Dona Lourde fitava de longe a menina em sua peregrinação à padaria.

Era 7:30 e o pãozinho cheirava a pronto. Seu Dimas, com toda a vergonha do mundo por vê-la, e ela sorrindo, num bom dia sem reservas. Ela esperava o troco, quando ele quis se desculpar; algo na atitude dela lhe dizia que não precisava, que ele fez o melhor para consolar o amigo, sem prever que o convite para uma cervejinha se tornaria causa de um acidente tão cruel. Dimas sorri, sem graça, e acompanha a moça, que sai com dificuldade. O que ele poderia dizer mais?

O caminhão de Jorge está encostado na garagem. O senhor de cabelos grisalhos e ombros rotundos estuda deixar a preguiça e jogar uma água na Scania. Quando ele se voltou para a rua, Dolores passava por ali. Jorge baixou os olhos, mas já era tarde. Não poderia fingir distração ou agredí-la com seu descaso. Olhou timidamente e balançou a cabeça, querendo parecer seguro.

Dolores estava graciosa e serena. Via-se uma alegria no seu cumprimento, sem que ela ousasse falar algo. Já passaram por isso antes, bem na época em que a família fez pressão para que Jorge se tratasse nos Alcoólicos Anônimos antes de voltar à estrada.
“Bom dia, Dona Lourdes”. Com essa sim Dolores falava sem prejuízo. “Oi, meu anjo. Como você está?” “Tocando em frente, sempre tocando em frente…” Lourdes não conseguia sequer sentir pena, tão digna a menina se portava.

“Sabe, você é especial, garota”, reencetava a dona-de-casa, com a voz que pigarreava para anunciar suas quase oito décadas de vida. “Não sei como consegue, verdade. Já tentei entender. Como olha para estas pessoas? Quer dizer, você não deixou de ir à padaria e sempre passa na frente da casa do bebum. Qualquer outro teria ódio, cuspiria neles, xingaria, sei lá. Mas você, você não faz nada disso. Até os cumprimenta, valha-me-Deus!”

Dolores sorriu, purinha e sem contrariedade. “E por que eu deveria odiá-los?”
“Ora, porque é natural. Eles fizeram isto com você; tinham que pagar sofrer. Não é justo que vivam normalmente.”

“Sabe, Dona Lourdes, se eu fechar a cara para eles, não muda nada. E, pelo que vejo, eles já sofrem o sufiente. Aliás, suspeito que eu seja a única dos três que pode dizer que possui uma vida normal.”

“Eu não compreendo…”

“Bem, preciso ir. Meu pai gosto do pão quente. Até outro dia.”
Dona Lourdes olhava estarrecida para Dolores, enquanto ela empurrava sua cadeira de rodas, sempre tocando em frente.

O BELO




Deus sorriu pela exatidão da obra que Sua Palavra trouxe à existência, não somente porque havia nela ordem, mas também em razão dela fornecer ao homem (criatura coma qual Deus Se relacionaria de forma especial) um padrão estético adequado. O adjetivo serve para diferenciar aquele padrão estético do que se vê hoje. Não apenas o pecado altera a beleza presente na Criação; mas intenta fazer a própria exploração da estética algo capaz de produzir satisfação e significado em si mesma, e isso gera a inadequação.

Ainda assim, aqueles que se relacionam com Deus não podem deixar de reconhecê-Lo em Suas obras: na singela pétala ao rosto de uma criança, Jeová é o Soberano da beleza, o autor das cores e cantos, o Perfumista e Escultor da vida. As almas sensíveis, em comunhão com Ele, apuram o senso estético, desenvolvendo uma apreciação pelo belo e uma criatividade capaz de honrar, através da beleza co-produzida, o Produtor da Beleza original.

SONHO QUE MUDA A CEGUEIRA DA REALIDADE




Um garoto pobre perdido em uma instituição cristã. Até que uma mulher, Leigh Anne Tuohy (Sandra Bullock) resolve acolhê-lo em sua casa. Esse é o enredo do filme Um sonho possível (USA, Warnwe Bros, 2009). Originalmente baseado na biografia de Michael Lewis, o título original da obra era The blind side e a princípio se cogitou chamá-lo por aqui de Lado cego. Uma tradução literal seria O ponto cego, título evitado talvez por já dar nome a outro filme.

Temos que considerar que o título em Inglês é mais significativo (além de menos água com açúcar) do que o nacional. O trabalho dos jogadores de futebol norteamericanos é proteger o companheiro que está com a bola. Big Mike (Quinton Aaron), o protegido de mrs. Tuohy possui um forte senso protetor. Isso, quando bem canalizado, tornar-se um poderoso recurso para sua grande atuação no esporte.

Simultaneamente, o próprio Mike está no ponto cego da maioria de seus colegas de classe e professores, por sua origem humilde e suas parcas habilidades acadêmicas. O amor que ele recebe de toda a família de Leigh abre-lhe as portas para um desolvimento integral.

O papel deu o Globo de Ouro à Sandra Bullock. Ela mesma sabe ser improvável ganhar o Oscar. Apesar dos méritos do filme, a atuação da atriz não constitui nenhum ponto alto. O roteiro em si é mais contundente e Sandra Bullock apenas não o prejudica. Ao mesmo tempo, tem sido atribuído à presença dela o sucesso de Um sonho possível nas bilheterias: mais de U$$ 200 milhões somente nos USA. O feito é inédito para um filme estrelado por uma estrela, sem a presença de um astro forte.

Seja como for, o filme é uma boa pedida para ressaltar como o acolhimento, o interesse pelo outro e a disposição de dialogar e entender aqueles que são diferentes têm o poder de transformar vidas.

A BATALHA É MUITO MAIS ANTIGA




Eu me encontrava em uma cidade do Rio Grande do Sul, realizando meu estágio em evangelismo. Naquele dia, um membro de igreja se ofereceu para me acompanhar na visitação aos simpatizantes de nossa denominação. Logo na primeira casa em que entramos, enfrentei uma situação que me pegou completamente despreparado!
Meu acompanhante, um senhor de meia-idade, tinha um relacionamento familiar complicado, com poucas oportunidades para falar e ser ouvido (como vim a descobrir posteriormente). Por este fator, não demorou muito para que ele começasse a falar incontrolavelmente por quase vinte minutos! Aquele homem bondoso, mas pouco estudado, certamente estava munido das melhores intenções.
O que realmente me chamou a atenção foi uma das “provas” usadas por ele para convencer a pessoa que estávamos visitando: o cumprimento de Daniel 8. Para o senhor adventista que estava comigo, Daniel oito se cumpriu quando um avião do grupo terrorista da Al Qaeda (o bode voador) quebrou as duas torres do World Trade Center (os dois chifres do carneiro). O ano era 2001 e o maior atentado da História tivera lugar a menos de dois meses!
Aquela interpretação curiosa da profecia foi muito difundida nos meios evangélicos; talvez por isso, alguns dos próprios membros adventistas, por falta de informação, a tenham adotado, embora não seja a forma adventista de ver o cumprimento de Daniel 8. E aqui é preciso dizer que uma interpretação só é válida quando faz com que se “encaixem” todos os detalhes encontrados em um determinado texto (esta regra simples pode ser aplicada a praticamente qualquer interpretação de qualquer livro). Este conceito está presente na velha máxima, segundo a qual “A Bíblia é sua própria intérprete”. Então, cabe a pergunta: como interpretar Daniel 8 à luz da própria Bíblia?
No capítulo 8, vemos imediatamente dois animais: um carneiro invencível, com dois chifres, sendo que um era maior do que o outro (Dn 8:3-4); o outro animal, um bode com um chifre notável, era tão rápido que nem sequer tocava no chão (Dn 8:5-7). Poderíamos “quebrar a cabeça”, na tentativa de adivinhar de que a profecia está tratando. A boa notícia, porém, é que o capítulo 8 se explica sozinho. O carneiro é identificado com o reino da Medo-Pérsia (Dn 8:20), que já estava em ascensão nesta época e viria a se tornar o próximo grande império, de acordo com a sequência que vimos nos capítulos 2 e 7. Babilônia, o primeiro destes impérios, não aparece representada por nenhum símbolo, provavelmente porque já se achava em declínio.
O segundo animal é o poder grego (Dn 8:21-22). Novamente a principal liderança grega, personificada por Alexandre, o Grande, dá lugar a uma liderança múltipla (o grande chifre cai, sendo substituído por quatro chifres – os quatro generais que sucederam Alexandre após sua morte, você se lembra?). Já deu para perceber que o conflito retratado no capítulo 8 de Daniel não envolve os EUA e os terroristas islâmicos; estamos diante de um conflito muito mais antigo…
Mas não é só isso. Surgiria ainda um terceiro poder. E, mais uma vez, temos de prestar atenção nos detalhes, para interpretar corretamente a Bíblia. Vamos ler os versículos 8 e 9 da profecia: “O bode [que já sabemos que se refere à Grécia] se engrandeceu sobremaneira; estando, porém, na sua maior força, aquele grande chifre foi quebrado [a morte de Alexandre, o grande], e surgiram no seu lugar quatro também notáveis [os quatro generais que dividiram o império grego entre si], para os quatro ventos do céu [isto é, para todas as regiões da Terra]. De um deles saiu um chifre pequeno, o qual cresceu muito para o sul, para o oriente e para a terra formosa.”
A pergunta é: de onde vem o chifre pequeno? O texto diz que o chifre pequeno sai “de um deles”. Do modo como a frase se acha em nossas Bíblias, temos duas possibilidades: 1) o pequeno chifre sai de um dos quatro chifres ou 2) O pequeno chifre sai de um dos quatro ventos. Antes de prosseguirmos, alguém poderia perguntar: saber de onde vem o chifre pequeno faz alguma diferença?
Faz, sim! Veja as consequências das duas interpretações: Se eu aceito que o pequeno chifre sai de um dos quatro chifres (interpretação número 1), tenho que admitir que o pequeno chifre é parte do império grego, já que os quatro chifres nada mais representam do que os quatro generais de Alexandre, ou seja, a continuidade do império Greco-Macedônico.
De fato, os evangélicos em geral aceitam esta interpretação. Quem seria então o chifre pequeno para muitos cristãos? Um rei medíocre da dinastia dos selêucidas (originária de Seleuco, um dos quatro generais de Alexandre) chamado Antíoco Epifânio. Ocorre, porém, que Epifânio não cumpre todas as exigências da profecia. A prosperidade por um longo tempo (Dn 8:12) não descreve seu reinado de altos e baixos. Outro argumento contrário a esta interpretação é que o próprio Jesus, reportando-se a esta profecia, alegou que a “abominação desoladora” ainda iria acontecer e Epifânio reinou de 175 a 164 a.C. Como Jesus poderia se enganar tanto em relação a interpretação de Daniel capítulo 8?
Resta pensarmos na segunda alternativa (interpretação número 2): o pequeno chifre sai de um dos quatro ventos. Mas seria esta interpretação adequada ou apenas “menos ruim” do que a primeira? Pare e pense: os quatro ventos simbolizam as quatro regiões da Terra. Assim, podemos concluir que o chifre pequeno surge de um dos quatro pontos cardeais. Logo, ele é um poder novo, distinto de Roma. Isto combina com o que já vimos em Daniel 2 e 7. A mesma sequência de impérios mundiais aparece em todos os capítulos estudados (com a omissão justificada de Babilônia). O poder romano (que se segue à Grécia, tanto em Daniel 2, 7, como no capítulo 8), em sua fase papal, corresponde às características que a profecia atribui ao chifre pequeno, o qual iria 1) engrandecer-se (Dn 8:10), 2) substituir o sacrifício de Cristo (v. 11, 25), 3) ter sucesso em sua oposição à Verdade (v.12, 24) e 4) perseguir o povo de Deus (v. 24).
Como endosso a esta segunda interpretação, há um dado importante: as línguas escritas apresentam a ideia básica de concordância de gêneros. Ninguém diz: “Minha tia é bonito”, por exemplo. Masculino concorda com masculino e feminino com feminino. Esta constatação óbvia nos ajuda a entender melhor o que Daniel escreveu. Em Português, tanto “chifres” como “ventos” são palavras masculinas, o que torna a expressão “de um deles” dúbia. Mas na língua original, a palavra correspondente a “chifres” é feminina, enquanto as demais são masculinas, o que não deixa dúvidas quanto ao fato de que o chifre pequeno surge de um dos quatro ventos (C. Mervin Maxwell, “Uma nova era segundo as profecias de Daniel”, p. 158).
À semelhança do que ocorre em Daniel 7, vemos que a ação de um pode maléfico desperta uma reação divina. E isto nos leva a um diálogo singular em Daniel 8. Dois anjos estão conversando. Um deles pergunta sobre a duração do sucesso de Roma papal em se opor a Deus e Seu povo. Até quando o mal prosperaria? “Até duas mil trezentas tardes e manhãs, e o santuário será purificado”, responde o segundo anjo.

Não se trata apenas de chifres, animais exóticos, anjos e perseguições; estamos diante do desdobramento do grande conflito. Verdades ignoradas por muito tempo seriam revitalizadas. Um Deus justo acionaria Seu julgamento para condenar o poder romano e reivindicar a causa de Seus seguidores fiéis. Daniel 8 revela a luta entre o bem e o mal. A batalha é muito mais antiga do que muitos podem entender em uma leitura superficial do texto. E o mais importante, dentro desta batalha, é que você escolha de que lado vai lutar.

FÉ E MERCADO

“Observando-se o fenômeno do crescimento estatístico dos evangélicos no Brasil, vamos encontrar um outro fenômeno, não menos importante, e que é o movimento constante das denominações neopentecostais, que usando deliberadamente as estratégias de mercado travam uma batalha nos meios de comunicação, disputando a atenção dos fiéis diante da fantástica oferta de conteúdos dos mais diversos. Até sua ação nas igrejas locais, vistas aqui como um ponto de venda/troca. Um local onde se fecha o círculo iniciado pelo clamor massivo inserido nos veículos de comunicação de massa e que termina nas igrejas locais que atendem de forma segmentada, semelhante à dinâmica de mercado que divulga as diversas marcas. No entanto, é no ponto de venda que os consumidores localizam, reconhecem, escolhem e colocam em seus carrinhos/mente o(s) produto(s) do sagrado(s).”

Daniel Galindo, O marketing da fé e a fé no marketing: a competitividade entre os evangélicos, em Sandra Duarte de Souza e Archibald Mulford Woudrauff (ed.) Estudos de Religião: Revista Remestral de Estudos e Pesquisas em Religião, vol. 23, no 36, Junho de 2009, pp. 15-16.

A TESTEMUNHA


Mártir e pedras são pouco e, o olhar tinto,
Ceva impetuosamente ódio e extermínio,
Até que o curva humilde o Céu fulmíneo;
E, cego, vê Jesus em seu recinto.

Prega, ao fim de uns três anos de escrutínio,
Na Antioquia, Trôade, Éfeso, Corinto...
Ágabo, em Cesareia, aponta a um cinto,
Predizendo do apóstolo o assassínio.

Do olhar de Nero foge o astro escarlate
E o outro, a lançar no azeche argêntea sêmea,
Em Roma prefigura a vida abstêmia.

É hora. Combateu o bom combate.
Deixa a frieza da masmorra sáxia
Para honrar a Deus sob toda Galáxia.

PAPA PEDE ORAÇÃO PELA ECONOMIA



De acordo com o site Zenit, o Papa Bento XVI dedicou o mês de Março para que os católicos em todos os continentes orassem para “que a economia mundial seja administrada segundo critérios de justiça e equidade, considerando as reais exigências dos povos, especialmente dos mais pobres”. Há aí uma alusão indireta à encíclica Caritas in Veritate, à qual já analisamos neste blog (leia esse material: parte 1 e 2).

O papa persiste em promover as ideias da encíclica, com vistas a exercer influência sobre a economia globalizada em nível mundial. De fato, o livro de Apocalipse já antecipava a ascensão do poder político-religioso de Roma (a primeira besta) após um longo período de ostracismo (Ap 13). Resta-nos acompanhar os eventos que desencadearão com o cumprimento completo das palavras proféticas.
Leia também:

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A SENSIBILIDADE




A manhã desperta amontoada de vozes. Mas, para a alma sensibilizada pelo Espírito de Deus, uma voz é ouvida antes e acima de qualquer ruído. O ato de estar ali, na atitude receptiva de Samuel e com a regularidade devocional de Daniel, é fonte de orientação positiva. Atender ao convite do Salvador e comungar nas primeiras horas do dia capacita o ouvinte a estar aberto à influência celeste nos demais momentos do dia.

Deus possui muitas formas de Se revelar. Entretanto, todas seriam inúteis sem que encontrassem o ouvido humano disponível à comunicação. Trata-se de um ato de decisão: abrir mão de Sua vontade para render-se ao controle do Senhor. À medida que isso acontece, mais o coração se torna receptivo, como a noiva à visita do amado.

Assim como João batista era avisado sobre quando seria tentado, e como o próprio Jesus recebia instrução do Pai durante as vigílias que realizava nas madrugadas, o verdadeiro cristão se mostrará resoluto em quedar-se de joelhos em face do Rei do Universo, para obter a compreensão do que Deus tem para Ele naquele novo dia.

A MOEDA DE TROCA EM UM MUNDO DE INCERTEZAS




“Assim como o dinheiro líquido disponível para investimentos de todo tipo, o ‘capital do medo’ pode ser transformado em qualquer tipo de lucro político ou comercial [ou mesmo religioso].”

Zigmunt Bauman, Confiança e medo na cidade (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor Ltda, 2009), p. 55. O capital do medo é derivado de um “perigo difuso, mas onipresente, visível ou invisível, manifesto ou pressentido, conhecido ou desconhecido”, p. 54.

SANSÃO, A OUTRA HISTÓRIA




Sua sombra encobria um exército trêmulo. Durante dias, o desafio vindo das tropas inimigas ecoava nos pesadelos dos soldados israelitas. Naquela manhã, o murmúrio da chegada do campeão passou de fileira em fileira. O boato virou um alvoroço. As lanças, que até então estiveram no chão, foram alçadas, como bandeiras de vitória. Os inimigos demoraram, mas souberam. Depois viram. Os soldados de Israel cederam espaço ao recém-chegado. “Ele matou um leão com as mãos!”, comenta alguém. “Contaram que ele carregou o muro de uma cidade”, diz outro. “Soube que mil homens não foram páreo para ele”, acrescenta um filisteu, em tom de medo. Os filisteus logo viram a figura viril de Sansão aparecer do outro lado do ringue. Do lado pagão estava o desafiante. Para ele, o café da manhã consistia em mingau e soldados hebreus. Seus quase três metros de altura, herança genética de uma raça que habitara Canaã, impunham respeito. Seu nome era lendário: Golias. Faça sua aposta, a luta vai começar!
“Ei, espere um pouco!”, você protesta, “que história é essa de Sansão enfrentando Golias?” Tudo bem, eu sei. Esse fantástico confronto não está em nenhum lugar da Bíblia ou da História. Se fosse possível assisti-lo, eu estaria na primeira fila, com um saquinho de pipocas e um copo de suco. Mas esta grande luta não aconteceu, talvez, porque os dois possíveis adversários viveram em épocas diferentes. Durante o período em que Sansão julgou Israel, provavelmente nasceu o profeta Samuel. E, apenas em idade avançada, Samuel ungiu o jovem Davi para se tornar rei de Israel. Portanto, entre Sansão e Golias há um intervalo considerável de tempo.
Agora, leia o que realmente aconteceu. As lanças que, até então, estiveram no chão, continuaram no chão. Os inimigos demoraram, mas souberam. Depois viram e riram! Os soldados abriram espaço para o novato, que não parecia grande coisa. “Ele disse que matou um leão com o cajado de pastor!”, ironizou alguém. “Este pivete magricelas?”, espanta-se outro. “O futuro de nosso exército, nas mãos de um fracote?!”, mais um questiona com sarcasmo. Os filisteus logo viram o jovenzinho Davi aparecer do outro lado do ringue.
O contraste entre Golias e Sansão talvez não fosse tão grande. Dois guerreiros afamados. Máquinas de luta. Seus inimigos os temiam. Agora pense em Davi. Imagine seu rostinho sardento queimar diante dos músculos do gigante ofegante e furioso. Quem era o garoto perto de Golias? Davi e Sansão. Ambos enfrentaram os filisteus. Dois guerreiros com habilidades poéticas. Dois líderes em Israel. Também dois homens fracos diante de mulheres. Muitos pontos em comum. No entanto, Davi tem um diferencial: sua confiança em Deus. Sua integridade em servir. Davi, o homem segundo o coração de Deus. O rei mais amado de Israel não era extraordinariamente forte, mas liderou exércitos. Ele dominou os povos vizinhos de Israel, inclusive os filisteus. Quem diria que um garoto ruivinho chegaria tão longe!
Infelizmente, Sansão não chegou tão longe quanto poderia. Seu coração foi servo dos seus olhos (Jó 31:7). Ele teve a conduta ditada por paixões irrefletidas, apesar de ser o escolhido para representar a vontade do Senhor naquela época e lugar. Suas fraquezas nos dizem muito acerca de um Deus bondoso o suficiente para selecionar mesmo os imperfeitos para Seu serviço. Mas não apenas isso. O fato de Deus não ter impedido as más escolhas de Sansão, testemunha poderosamente sobre a liberdade que Ele nos dá. O supermercado em que eu e minha esposa costumamos fazer compras tem um slogan interessante: “O melhor presente é poder escolher”. Você pode estar certo de que recebeu o melhor presente do Pai.
É preciso acrescentar que o dom da escolha é maravilhoso em si, mas o seu uso irresponsável sempre acarreta riscos. Assim como Sansão, que resistiu à vontade de Deus e colheu os frutos amargos do descompromisso, nós, hoje, temos a liberdade para aceitar ou rejeitar o que o Senhor nos propõe. A bênção e a maldição, que estão diante de nós, são condicionais ao exercício do livre-arbítrio.
Aliás, compensa refletir também sobre a natureza de nossa vocação. Não fomos chamados para exercer o nazireado ou vencer exércitos estrangeiros com lanças ou espadas: “nossa luta não é contra o sangue e a carne” (Ef 6:12, ARA). Porém, em certo sentido, também somos chamados a libertar um povo. Nossos irmãos e irmãs sofrem escravizados não pelos filisteus, mas por correntes de pensamento contrárias às Escrituras. Muitos cristãos parecem não perceber que o cristianismo tem que influenciar o trabalho, os relacionamentos e a maneira de encarar a cultura. Vivem como os não cristãos. Nossa missão é influenciar a sociedade com uma mensagem de libertação. Para tanto, essa verdade precisa ser real para aqueles que pretendem compartilhá-la. Os ouvintes da mensagem desejam ver nossa integridade. Por isso, é inadmissível ter uma postura no fim de semana, quando estamos na igreja, e assumir outra na segunda-feira, quando voltamos à rotina semanal. Do campus ao templo, do sofá ao escritório, a verdade de Deus não muda. Desta forma, o desafio é viver coerentemente nossa vocação espiritual, sabendo dar a razão de nossa fé em toda situação e sob qualquer pressão.
O pensamento atual é cada vez mais hostil à religião cristã tradicional. Em grande parte, os questionamentos envolvem a aceitação de uma verdade universal, transcendente. Para a sociedade pós-moderna, verdade é algo individual: você faz a sua, eu faço a minha. Crenças religiosas são aceitas ou descartadas de acordo com a conveniência do indivíduo. Nessa linha, a aceitação da Bíblia como Palavra inspirada sofre muita resistência. Por isso, apresentar as verdades bíblicas hoje, não tem o mesmo impacto de décadas atrás. Um universitário de classe média, por exemplo, que já ouviu de seus professores sobre o evolucionismo, está familiarizado com as especulações filosóficas, e já experimentou de várias manifestações religiosas, terá dificuldade de aceitar o ensino bíblico como verdade absoluta (Jo 14:6; 17:17). Para alcançar esse público é preciso se aproximar amistosamente. Por meio de diálogos inteligentes, o cristão pode levar um secularizado a questionar seus pressupostos e manter sua mente aberta para uma apresentação racional do cristianismo. Vale lembrar que apesar de os princípios serem eternos, a mensagem deve ser contextualizada de forma relevante para alguém do século XXI.
Davi venceu os desafios de sua época. E como ele, a Bíblia registra comoventes relatos de pessoas que andaram na contramão de seu tempo. Em meio à crença em vários deuses, José testemunhou a respeito de apenas um Deus que tinha poder sobre o Egito. Ao continuar adorando Jeová na Babilônia, Daniel mostrou que o Deus do povo escravizado não era mais fraco do que as divindades pagãs. Num tempo em que muitos queriam que os pagãos conversos ao cristianismo fossem circuncidados, Paulo defendeu que a entrada do crente na igreja de Cristo se dá unicamente pelo batismo. São muitos os que, como Davi, José, Daniel e Paulo, compreenderam e viveram os princípios bíblicos em seu tempo.
Seria ridículo que alguém, sob o pretexto de viver conforme a Bíblia, andasse por aí vestido com roupas dos tempos bíblicos, deixasse a barba imensa e segurando um cajado fosse acompanhado por uma ovelha. Mas foi exatamente o que o jornalista A. J. Jacobs fez, quando por um ano se dispôs a praticar literalmente, segundo ele, as setecentas regras de conduta que a Bíblia possui. Em seu livro The Year of Living Biblically (O ano em que vivi biblicamente), Jacobs conta como foi comer gafanhotos, apedrejar adúlteros (com pedregulhos, por brincadeira), reprimir seus impulsos sexuais (concentrando o pensamento em sua mãe), escravizar seu secretário (não o remunerando em seu estágio), entre outras peripécias.
É óbvio que a intenção de Jacobs foi satirizar os cristãos. Deus não exigiu que adotemos o estilo de vida judaico do período do Antigo Testamento, nem mesmo os costumes dos cristãos do primeiro século. Viver conforme a Bíblia é extrair dos princípios bíblicos sua aplicação para hoje. A crítica de Jacobs aos fundamentalistas cristãos, que levam ao pé da letra alguns textos bíblicos fora de seu contexto, mostra que é preciso conhecer o mínimo de interpretação bíblica e buscar a orientação do Espírito Santo, para não escorregar para o fanatismo ou esquisitices [1].
A negligência em passar tempo de qualidade com Deus para desenvolver uma visão correta sobre o que significa viver o cristianismo em nosso tempo, pode nos levar, tardiamente, como Sansão, a ver que rejeitamos maior revelação do Senhor para viver à luz da nossa velinha. O resultado, a história do nosso herói já mostrou: rebeldia é sinônimo de vida atormentada (Is 50:10, 11).
Mas, para mim e você, ainda existe tempo de ajustar o foco de nossa visão. Já escrevi em outro lugar sobre o texto de Romanos 12:2, que nos ensina três importantes passos para esse processo: (1) rejeitar as visões distorcidas deste mundo, que são contrárias à verdade bíblica; (2) renovar a mente por meio da assimilação da mensagem bíblica; e (3) experimentar e comprovar os benefícios de seguir a vontade de Deus nas situações cotidianas.
Depois de revisar o texto de Romanos em sua Bíblia, procure enxergar esses mesmos três ensinamentos no trecho abaixo: “Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade” (Ef 4:22-24). A cada dia, diversas pressões assediarão nosso poder de escolha. A dependência de Deus fará de cada decisão uma honra para Ele, quer em assuntos grandes ou pequenos. Basta desenvolver o que lamentavelmente faltou para Sansão: a visão correta.

Retirado do livro Paixão Cega. Para adquirir o volume no site da CPB, clique aqui.

[1] No Brasil, as ideias de Jacobs tiveram repercussão, através de duas matérias publicadas em revistas que, rotineiramente, questionam a historicidade da Bíblia e a relevância de sua mensagem. Veja Marcos Nogueira, “A Bíblia como ela é”, Superinteressante, novembro de 2007, p. 96-99, e Cláudio Julio Tognolli, “Dá para viver segundo a Bíblia hoje?”, Galileu, janeiro de 2008. Ambas as matérias foram respondidas, respectivamente, por Douglas Reis, “Como viver biblicamente de verdade?”, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com, e por Michelson Borges, “Festival de baboseiras na Galileu”, disponível em www.criacionismo.com.br.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

CINCO COISAS ADMIRÁVEIS EM BILL GAITHER




Um amigo me escreveu por e-mail sobre a postagem Os vendilhões voltaram para o templo, pois, segundo ele, fui muito duro com Bill Gaither, um dos maiores compositores e produtores musicais do Gospel na atualidade.

Famoso por seus Homecomings e pelo quarteto pop-country Gaither Vocal Band (GVB), o músico norteamericao influencia boa parte da produção musical adventista no Brasil e nos EUA – costumo brincar que Max Mace, do Heritage, é gerente de uma filial da Gaither Music.

Quando ouvi Give It Away (faixa-título do ábum do GVB lançado em 2006) pela primeira vez, brinquei com minha esposa: “Daqui a uns dez anos o Heritage regravará isso.” Qual não foi minha surpresa quando vi Give It Away no CD Be Free (2009) do Heritage!…

No Brasil, os Arautos superaram a fase Gaither, embora ainda se influenciem por seu estilo: no novo CD Vale a pena esperar, a música mais conhecida, É só um pouco mais é um exemplo inteligente de como emular algumas lições úteis do GVB, enquanto a faixa Daniel recria o que há de mais pegajoso do quarteto americano. Já o Cânticos Vocal é um caso à parte: nem se pode falar de influência, mas temos quase um cover do repetório mais conhecido de Gaither, sem contar no cover de David Phelps…

Com respeito ao meu amigo que mencionei acima: ponderei com ele que também vejo coisas positivas em Bill Gaither, embora outros aspectos me pareçam questionáveis. Penso que a Souther Gospel music não traduza adequadamente os conceitos de adoração bíblicos e critico igualmente a adoração equiparada a um mero show. Ademais, acho irritante algumas gagues do GVB: quando a música termina, o trecho final é repetido à exaustão, e isso a cada música!

Ainda assim, passo a mencionar o que de mais instrutivo, positivo e digno vi nos DVDs e no exemplo do próprio Bill Gaither. Faço isso no consagrado formato Corrente (aqueles e-mails bobinhos que pretendem transmitir grande lição de vida, ao passo que apenas repisam o que todos já sabem):

1- Valorize o talento alheio: Bill expandiu seu sucesso recrutando e compondo para cantores talentosos que ele ajudou a revelar. Sandi Patty, Steve Green, Larnelle Harris, Guy Penrod, David Phelps, entre outros, que hoje são reconhecidos como grandes artistas do Gospel, começaram cantando ao lado de Bill;

2- Reconheça a contribuição dos pioneiros: ok, ninguém vibrava muito quando Bill Gaither convidava Jake Hess para o palco (o cara parecia uma ameixa saída de um cabaré). Mas a verdade é que Gaither sempre deu espaço para os velhos cowboys de Nashville. E ele os amava: Bill parecia um menino quando estava diante de seus velhos heróis, como J. D. Sumner e “Rosie” Rosell (tão agudo era seu timbre que não à toa esse primeiro tenor recebeu o apelido de Rosie);

3- Cative as pessoas: quando se dirige a plateias, Bill costuma sacar elogios para agradar seu público. Seu carisma torna-o uma figura simpática e muito apreciada, seja no Canadá, Austrália, África ou no Oeste americano;

4- Envolva sua família nos seus projetos: Gloria, esposa de Bill, é sua eterna parceira. O casal divide a autoria de hinos como Porque Ele vive e O Rei vem vindo, admirados pelos evangélicos em todo o mundo. Além disso, Benjamin e Suzanne Gaither, filhos do casal, já produziram ou compuseram músicas com os pais;

5- Reinvente suas melhores ideias: Bill Gaither realizou inúmeros concertos ao redor do mundo, com um time bem eclético de cantores. Posteriormente, gravações desses concertos tornaram-se DVDs bem populares. A cada nova apresentação, uma produção maior e mais cara é realizada. Contudo, todo DVD, seja um Homecoming (com vários artistas) ou um trabalho do GVB, não passa de uma variação do mesmo tema e os fãs esperam um pouco mais do mesmo.
Leia também:

domingo, 21 de fevereiro de 2010

TERMINA NA BANDEIRADA



Os fãs do automobilismo por todo o Brasil anteviam seu triunfo com certa nostalgia, vendo no jovem de vinte e sete anos a esperança de um novo período de conquistas sobre quatro rodas, uma era como fora a de Ayrton Senna, que emocionara o país. E já tendo cruzado a linha de chegada com sua potente Ferrari, Felipe Massa aguardava o fim da prova que o consagraria campeão mundial da Fórumla 1 – e justamente em Interlagos, durante o Grande Prêmio do Brasil. Seria um presente inesquecível para a torcida verde e amarela.

Seria. Em pleno 2 de Novembro de 2008, dia de Finados, foram as esperanças de Massa que acabaram sepultados no autódromo. Para sagrar-se campeão, o piloto brasileiro tinha a obrigação de vencer a prova e torcer que seu rival, o inglês Lewis Hamilton chegasse em 6º lugar. Entretanto, na última volta Hamilton ultrapassou o carro de Timo Glock, piloto da equipe Toyota, chegando assim em 5º lugar e marcando um ponto a mais que Felipe Massa. Naquele domingo, Lewis Hamilton competentemente tirou das mãos de Massa uma vitória que mesmo o mais amargurado pessimista daria como certa!

Apesar de perder o título na última volta, Felipe Massa, minutos após o término da corrida, falou que aquele fora um “dia sensacional”, completando em seguida: “Lógico que as coisas mudassem na última curva era um pouco…não era esperado; Acho que mostra que a corrida acaba na bandeirada […]”

Agora, se você me permite, vamos aproveitar essa valiosa lição vinda da Fórmula 1 para refletirmos em algo mais sério.

Pare e pense a respeito das condições do mundo no qual nos encontramos: a corrupção na política que é deixada impune, a violência nos lares ganhando espaço nos tele-jornais, a imoralidade oferecida como um produto pelos grandes portais na internet; se existe um conflito entre o bem e o mal, quem parece estar ganhando? Sim, eu sei. Tudo nos leva a crer que a vitória do mal está assegurada. Mas, por favor, espere mais um pouco – espere até chegarmos à última bandeirada. Porque, à semelhança da temporada de 2008 da Fórmula 1, o triunfo do Bem (que foi definitivamente alcançado na cruz do Calvário) será visível para todos na última prova, na última bandeirada.

Daniel 7 é uma confirmação disso. Para que eu e você tivéssemos a certeza de que Deus está no controle absoluto da História, o Espírito Santo nos deixou esta profecia. Muito do que você já viu em Daniel capítulo 2 se repete agora. Isto nos dá a oportunidade de rever o que já aprendemos e expandir ainda mais a nossa compreensão.

No capítulo 2, Daniel ora para compreender o sonho que o rei Nabucodonosor tivera. O profeta se intera, então, tanto do sonho como de seu significado. Na presença do rei de Babilônia, Daniel apresenta o “pacote completo”: sonho mais interpretação. O rei visualizara uma estátua, sendo que cada parte representava um império mundial: a cabeça de ouro (Babilônia), o peito de prata (Medo-Pérsia), o quadril de bronze (Grécia), as pernas de ferro (Roma) e os pés formados pela mistura heterogênea entre ferro e barro (Europa Ocidental). Por fim, uma pedra sobre-naturalmente lançada destrói a estátua. A pedra cresce e se torna um monte, que enche toda a Terra. A pedra simboliza o fim da História e a consequente concretização do Reino de Deus.

No capítulo 7, é Daniel quem tem um sonho. Ao invés de uma estátua, surge um desfile de estranhos animais. Cada animal corresponde a uma parte da estátua, representando os mesmos reinos conhecidos desde o segundo capítulo do livro de Daniel.

Em Daniel 7, vemos o primeiro dos animais, um leão com duas asas, representar o reino da Babilônia, assim como a cabeça de ouro; em seguida, surge um urso manco, que, da mesma forma que o peito de prata, simboliza a Medo-Pérsia, império que sucederia a Babilônia; o terceiro reino é a Grécia, que em Daniel 2 aparece como o quadril de bronze, enquanto no capítulo 7 é prefigurado por um leopardo com sete asas e quatro cabeças (as asas indicam a velocidade da conquista de Alexandre, o Grande e as quatro cabeças a divisão do império após a morte de Alexandre entre seus quatro generais: Lisímaco, Cassandro, Ptolomeu e Seleuco); finalmente, temos Roma, antes sob o símbolo das pernas de ferro (Daniel 2) e agora presente na forma do animal terrível e espantoso (Daniel 7).

O foco de Daniel 7 se torna a perseguição contra o povo de Deus ocorrida durante as duas fases do último reino (Roma). Diversos imperadores romanos ordenaram que os seguidores de Jesus fossem perseguidos, torturados e, caso se recusassem a abrir mão de sua fé, que fossem mortos de forma humilhante (em muitos casos, através da crucificação). Geralmente, a perseguição aos cristãos ocorrida durante o império de Diocleciano (entre os anos de 303 a 313 d.C.) é citada como uma das mais drásticas.

Mas o poder romano apresentaria uma segunda fase. Por isso, o quarto animal, terrível e espantoso, se sub-divide em dez reinos (chifres), representando a divisão que se seguiu no território romano com a invasão dos povos bárbaros (o que ocasionou a origem da moderna Europa Ocidental). Por esta época, surgiria um novo poder, reunindo a mesma autoridade política do império romano, com o acréscimo de autoridade religiosa.

O novo poder, caracterizado como uma ponta pequena, iria (A) Falar contra Deus (isto é, blasfemar), (B) Perseguiria os cristãos fiéis aos princípios da fé evangélica, (C) mudar o único mandamento que trata de um tempo específico (isto é, o quarto, que manda separar o dia de sábado para adorarmos ao Criador) e (D) perseguir o povo cristão por um período de 1260 anos (veja o quadro). Com uma descrição tão exata da atuação da ponta pequena (veja Dn. 7:25), e entendendo que seu surgimento ocorreria no contexto europeu (v. 24), fica fácil entender qual entidade ela representa: a ponta pequena é um símbolo da Igreja Católica Romana, herdeira da autoridade do império romano, bem como de seu ódio pelos cristãos que tinham apenas na Bíblia sua fonte de autoridade espiritual.

Aparentemente, o Mal triunfou. Durante 1260 anos, a Igreja Romana perseguiu cristãos, mandou e desmandou em reis e ditou as regras no Ocidente. Mas, lembre-se, ninguém vence até ser dada a bandeirada! Deus deu um basta nos abusos satânicos. Para refrear o mal e garantir a recompensa dos filhos do Reino, foi instalado um tribunal – um tribunal celestial (Dn. 7:9-10, 26-27). O tribunal é o meio divino para alcançar a vitória.

Não precisamos nos desesperar em face de violência, imoralidade, impunidade, guerras e demais problemas modernos. O nosso Senhor Jesus, que se assentou em Seu tribunal, diante de Seu Pai, completará o julgamento e virá nos resgatar. Ele tem nos reservado um reino eterno. Ali, o mal será menos do que uma lembrança de um competidor vencido na última volta.

PEGADAS DE OVELHA



Caminhamos, os pés nus, chão e pés no enlace
Da rota tão antiga quanto o próprio passo.
Enquanto andamos, com o retrovisor baço,
A copa do pinheiro acena a alguém que passe.

O insuflar de Eólios nos instiga a jovem face...
Mas continuo andando como sempre faço.
Folhas secas, bailando ébrias por todo o espaço,
Não poderiam impedir que eu me apressasse.

Quem sabe a estrada chegue ao término esperado
Por determinação da fé, que sempre atua
Em direção oposta ao rumo do pecado.

Basta a constância para a esse fim me dispor.
Guia essa ovelha que é cega, ovelha que é Tua,
Ovelha que optou por ser de Cristo, o Pastor.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A CARTA DE UMA SUICIDA NAS PÁGINAS DA RA



A Revista Adventista do mês de Fevereiro publicou meu texto A lição olvidada pela professora Leila, que analisa trechos da carta de suicídio da ex-atriz. A matéria saiu no espaço jovem, com algumas modificações. A original está disponível aqui.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

QUE VIDA É ESSA?

“[…]Nela, a mola do dia a dia é trair. Amar é trair. O certo é trair.”

“[…]Na novela, trair e ser traído é o ato mais normal do mundo e ela pressupõe que a sociedade adote o adultério como padrão regular de comportamento. Com certeza, 'Viver a Vida' traiu a si mesma: os índices do Ibope despencam. É a pior audiência do horário nos últimos dez anos (média de 34,7 pontos na Grande São Paulo). A professora de dramaturgia da Universidade de São Paulo Renata Pallottini acredita que o excesso de relações extraconjugais afaste mesmo o público: 'Pode ser que uma boa parte da audiência esteja reagindo a essas manifestações de leviandade.' Manoel Carlos garante que 'esse tipo de comportamento é bem mais comum do que pode parecer'. Estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostra que 60% dos homens e 47% das mulheres se confessam infiéis. A julgar pela inconstância dos personagens de Maneco, no entanto, ele deve crer que esses índices são bem maiores: em pouco mais de 120 capítulos, o novelista pôs na tela 13 casos de infidelidade. Para a psicóloga carioca Ana Maria Fonseca Zampieri, a novela está 'descortinando a questão da infidelidade e mexendo com a família porque traição é um tema tabu'. Ela adverte, no entanto, para o risco das generalizações: 'Muitos homens e mulheres morrem fiéis.'"

Adultério é algo tão comum em novela que quando a imprensa publica algo sobre o assunto, é porque a coisa já extrapolou o habitual. Não é nenhum segredo que os novelistas tem tido trabalho para sustentar os picos extratosféricos de audiência. Pena que para cumprir o fito recorram não a dramartugia séria e questionamento social consciente; é mais fácil apelar a uma sensualidade despudorada, que só mcontribui mesmo para debilitar ainda mais a moralidade das famílias… Pena que a "vida" que estão divulgando por aí, não mereça ser vivida, de tão ordinária e indigna que se revela.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

HERÓIS ANTI-CATACLISMÁTICOS E O FIM INEVITÁVEL




Em meados de Janeiro, em uma das minhas costumeiras visitas à Livraria Curitibas, tive acesso ao lançamento The Umbrella Academy: Suíte do Apocalipse. Li toda a obra, com curiosidade, por saber de sua fama ainda antes de ser publicada por estas bandas. Trata-se de uma premiada HQ, com roteiros do estreante Gerard Way e arte do brasileiro Gabriel Bá.
Apesar de não ser um nome desconhecido, tanto no mercado nacional quanto no exterior, Bá não está no seu terreno costumeiro, pois costuma desenhar história de outros gêneros. Ele próprio admitiu que essa sua primeira incursão pelo gênero Super-Herói se deve às características peculiares de Umbrella. Na verdade, o enredo toma como premissa o relacionamento familiar nada saudável de sete garotos que nasceram com poderes especiais, adotados por um inventor inescrupuloso. Na prática, como o tema de relacionamentos entra na pauta entre uma cena e outra de ação despropositadamente violenta, Bá achou conveniente aceitar participar da série.
Apesar das expectativas de que o tratamento psicológico se aprofunde com o tempo, confesso que o roteiro me decepcionou em muitos pontos. Além das concordar com algumas resenhas que apontavam paralelos de Umbrella com X-men e Heroes, senti falta de uma ação mais amarrada e menos óbvia. Os diálogos me pareceram tão profundos como os que costumam povoar obras de ficção pop – e todos sabemos que nem George Lucas, nem James Cameron ficaram famosos por sua habilidade de botar frases na boca de personagens!
A arte de Bá é um caso à parte. O desenhista foge do lugar-comum de homens musculosos e mulheres curvilíneas. Seu traço está mais para o de artistas europeus, daí causar alguma surpresa em quem está habituado aos enfants terribles do porte de Jim Lee e Frank Miller (antes dele “rabiscar” aquela baboseira chamada Cavaleiro das Trevas 2).
Por outro lado, é interessante como o tema do fim do mundo é explorado pela cultura pop. Em Suíte do Apocalipse, um membro da academia (que depois se torna a Violino Branco), descobre seus poderes e resolve se vingar de seus irmãos, além de destruir o mundo através de uma peça musical tenebrosa (está bem, vamos admitir que a ideia é completamente ridícula mesmo…). Para variar, os mocinhos são capazes de impedir a tragédia (de forma contrária ao código dos heróis tradicionais).
Na cultura de massa, sempre o fim do mundo é algo que pode ser evitado pelos esforços dos mais habilidosos, ou pelo menos, o fim nunca é total e sempre sobra um grupo para preservar a humanidade e reconstruir o mundo. De certa forma, essa perspectiva serve de contraponto à mensagem bíblica, a qual se caracteriza pelo anúncio de um Juízo inevitável (Ap 14:6). Deus será o próprio Juiz, que destruirá o mundo para poder criar novos céus e nova Terra (Ap 21:1-4), sem a participação de seres humanos.

Sendo assim, os verdadeiros heróis são aqueles que anunciam o fim e não os que o evitam. De qualquer forma, nossa geração continuará sendo bombardeada por nossos heróis anti-cataclismáticos, os quais, ironicamente, vivendo um cataclisma interior, como os torturados personagens de Umbrella.


NegritoLeia ainda:

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

DEFINIÇÃO DE MAL




“[…] O mal é uma palavra que usamos para descrever a ausência de Deus, assim como usamos a palavra escuridão para descrever a ausência de luz, ou morte para descrever a ausência de vida. Tanto o mal quanto a escuridão só podem ser entendidos em relação à luz e ao bem.”
William P. Young, A Cabana (Rio de Janeiro, RJ: Sextante, 2008), p. 123-124.
Leia também:
Placebos, genéricos e o remédio: partes 1, 2 e 3

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

EM RAZÃO



Matizes de intolerância,
Cenhos obcecados;
Sanha e ânsia,
Obtidas pelos pecados
– No jardim surge a senha: fragrância.

Há rastros de um Homem que anda
Com dificuldade.
Dor nefanda
(Restringe-Lhe a adversidade);
E o inimigo se ufana e ciranda.

Ao espectro de palidez
Impacta o castigo
– Murcha a tez,
Ele marcha a sós Consigo
(Cada amigo dorme uma outra vez).

Latejar de mãos feridas;
Erige-se o lenho
– Cenas lidas,
O muito-em-breve em desenho,
E Seu bravo empenho pelas vidas.

Esbraveja um som receoso,
Reverbera rouco:
“Quão custoso!
Vibras por quem vale pouco!
Deixa-o, volve ao local de alto gozo.

“Deixa, entregue à sorte o ingrato:
Sofra ele o juízo,
Teu justo ato,
Safra do que olvida o aviso,
Que opta por jazer num desacato.

“E vieste bater-lhe à porta!
És rachurelado,
Forma morta,
Que ao olhar não tem cativado;
O homem, Rei-Deus – não vês? –, não se importa!”

Agarra a terra a mão branca…
Do cálix, fel bebe!
O ar arranca
O balbuciar da plebe,
Vindo ao encontro da sombra manca.

Prendem-no aos sopapos – sai
Empapado do horto.
Quem o trai
Vê no olhar o de alguém morto,
E assim mesmo, o olhar é o de um pai.

Entre o Céu e a Terra exposto,
Por épocas busca
Só o gosto,
De ter Se gasto em dor brusca
Para ver entre os salvos teu rosto.



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

EVANGELISMO CONTEMPORÂNEO (OU: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÁRVORE DE ZAQUEU)



O texto abaixo se trata de uma alegoria. A alegoria aqui não é empregada como método interpretativo da Bíblia, mas como ponto de partida para a reflexão.

Zaqueu estava esbaforido. O velho publicano, grisalho e bem adornado, chegou para ver Jesus. Como os sicômoros são demorados para crescer, o evangelista contemporâneo deu um jeito: construiu um exemplar artificial desse tipo de figueira – afinal, Zaqueu precisa de uma árvore para subir.
E Zaqueu percebeu que a árvore era menor e menos sólida do que seria necessário. O publicano até poderia subir nela mais facilmente; mas o problema é que ela não o levaria muito longe e nem próximo o suficiente de Jesus.
Na verdade, a tal árvore artificial lhe parecia invertida, pois ao invés de apontar em direção ao céu, estava voltada para o solo, como um chorão. O sicômoro fabricado pelo evangelista para ser atraente, era uma paródia do original. Jamais poderia cumprir seu propósito de acolher Zaqueu.
Zaqueu percebeu que ali as crianças armavam seus balanços e os namorados entalhavam corações ali. A árvore era puro entretenimento. Embora sua sombra não fosse acolhedora e sua copa se mostrasse pouco basta.
Mesmo assim, Zaqueu experimentou subir no sicômoro falso. A árvore tremia toda, o que dava vertigens a ele. Nenhum aspecto dela tinha naturalidade ou características legítimas. Suas sementes poderiam ser novas, mas, certamente, eram de qualidade duvidável, porque geraram uma planta estranha ao reino vegetal…
E Jesus passou. A árvore trepidava, Zaqueu se esforçava; porém, só ouviu Jesus, discreto e bondoso: “Filho, eu sei que você é sincero; então, procure uma árvore melhor, já que essa cairá em breve, porque não foi meu Pai quem a plantou.” E Zaqueu, adiantando-se, procurou um sicômoro autêntico na próxima esquina, para ver Jesus com segurança.



Leia também:

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

SÁBADO: DIA DE CONTATO COM A RAZÃO DA ESPERANÇA VERDADEIRA




Na Modernidade, o Cristianismo estava ameaçado de extinção. Se o homem era capaz de alcançar realização através do conhecimento, a religião se tornava dispensável. Aliás, como confiar naquilo que parecia um conjunto de fábulas pertencentes a uma era pré-científica? O racionalismo desbancou a fé. Entretanto, a Modernidade falhou. O clima otimista inaugurado pela Modernidade perdeu seu ímpeto depois da I e II Guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945, respectivamente). A busca por um conhecimento integrado passou a ser vista com desconfiança. A própria credibilidade da Ciência ficou abalada. Em contraponto à era Moderna, surgiu outra mentalidade, conhecida como Pós-Modernidade.

Em comum com a Modernidade, entende-se que vivemos em um mundo físico sem possibilidade de qualquer intervenção sobrenatural; mas ao contrário da confiança irrestrita na Ciência, a mente pós-moderna assume a impossibilidade de conhecermos algo de forma absoluta, seja por meios científicos ou através de alguma outra atividade humana. O conhecimento é encarado como mera convenção, usada por estruturas dominantes da sociedade ou como uma ficção útil, na esfera da comunidade. Logo, a verdade é apenas a que sirva à comunidade, sem se levar em conta se ela é lógica, ou corresponde à realidade. Em outras palavras: a verdade não precisa ser verdadeira!

É claro que a Pós-Modernidade possui inúmeras contradições internas, sendo uma delas o nivelamento de todos os sistemas religiosos, como se fossem equivalentes. A História (que os pós-modernos rejeitam como forma de conhecimento objetiva) já provou que mentalidades diferentes produzem experiências humanas diferentes (isso, ninguém pode contestar). Muitas das conquistas do Ocidente se devem à mentalidade cristã, que, entre outras coisas, produziu profunda valorização do ser humano, como alguém feito à imagem e semelhança de Deus. No centro da perspectiva moral cristã, se acham os dez mandamentos.

No século XXI, o maior desafio para quem queira seguir os 10 mandamentos (Ex 20) é colocá-los na perspectiva que a própria Bíblia lhes dá – eles não são verdadeiros tanto quanto qualquer código moral que se ache em outras literaturas religiosas, como o Livro dos Vedas, o Corão ou os escritos do Dalai Lama. A Bíblia é um livro exclusivista. Deus é, em Pessoa, a Verdade (Ex 34:6; Jr 10:10). Jesus Se declarou como sendo “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14:6). E os Seus mandamentos também são a verdade (Sl 119:142).

Ao pensarmos no sábado, o quarto mandamento da Lei de Deus (Ex 20:8-11), temos de encará-lo não como um dia de serviço religioso. Ele é mais do que isso. É o tempo real ordenado por um Deus que existe e Se comunica conosco dentro desse tempo.

O Pós-modernismo, com suas contradições e incertezas, falha em dar base para as esperanças humanas. Nesse ponto, se torna ainda mais necessária a obediência ao quarto mandamento, que estabelece um vínculo entre a realidade humana, temporal, com o Deus eterno, autor da Esperança (1 Pe 1:3). A cada sábado, estamos em contato com Deus de forma especial, usufruindo dAquele que é a Verdade – e a Verdade Verdadeira.

Leia também:

Dúvida: benefício pós-Moderno
Pós-Modernidade à Luz de 2 Pedro 3
A verdade ou a vida - parte 1 e 2

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

NOSSO LAR NÃO É AQUI




 “Nosso lar não é aqui”. Ouvimos isso constantemente no meio cristão. O sentido é óbvio: temos uma esperança para além desse mundo. Ao mesmo tempo, essa espécie de jargão religioso acaba confundindo. Não me refiro à reação de não-cristãos (alguém diria, em tom de gracejo, que os seguidores de Jesus são ETs assumidos!); a confusão maior parece se dar com os próprios adeptos da cruz.
Embora o mundo se apresente manchado pelo mal, e tragédias apontem para um fim próximo do mundo físico como o conhecemos, temos que ter cautela. Ao assumir que não pertencemos definitivamente a esse mundo, não podemos nos olvidar que temporariamente estamos no mundo. E enquanto estivermos, temos de viver de forma qualitativamente superior em comparação com aqueles que se pautam por outras perspectivas, quer religiosas, quer filosóficas.
A recusa em pertencer a esse mundo jamais deve expressar certo niilismo sutil, em virtude de decepções pessoais ou de perdas, em qualquer âmbito; afinal, o que nos move a ser cristãos? Apenas o fato de não termos um emprego melhor, uma casa maior ou um carro mais novo?
São coisas como as citadas que provocam o sentimento de não estar à vontade no mundo? É uma inferiorização de nossa pessoa ou valores que nos força a resistir à ideia de viver apenas a vida presente? Se for o caso, Nietzsche estaria correto ao atrelar aos seguidores de Cristo a chamada “moral de escravo” – uma frustração que forçaria um nivelamento por baixo da Humanidade.
Acredito que a razão maior para desejar outro lar é a identificação com Cristo: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim.” (Jo 15:18). A perseguição contra os membros da família de Deus se explica como sendo um reflexo da perseguição contra o próprio Jesus (v. 20); no entanto, felizes os que se identificassem com Jesus e os profetas do passado, suportando idêntica oposição (Mt 5:10-12).
No aspecto positivo, a identificação com Jesus nos leva a buscar a herança prometida, e os que desejam a herança são identificados por Deus como seus filhos (Hb 11:13-16). Logo, fecha-se um ciclo: nós nos identificamos com Deus, desejamos a herança (a pátria superior) e Deus, em Pessoa, se identifica conosco.
Defendo que essa perspectiva, longe de levar à alienação ou ufanismo, constitui uma vigorosa visão, capaz de nortear a atuação de cristãos no mundo, de forma distintiva – seja nas Artes Plásticas, na Literatura, nas Ciências, na Medicina, na Música, na Política, etc. Mesmo que nosso lar não seja aqui, isso não implica em recusa para viver de forma digna a vida atual, até como forma de aliviar o sofrimento alheio, melhorar os serviços sociais, elevar os padrões morais, representando por meio de todas essas maneiras a vontade divina, enquanto nos preparamos para a existência futura – a qual será definitiva


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

“O TETO QUE SE FECHA SOBRE NÓS” (OU POR QUE O EVANGELHO PERDEU SUA RELEVÂNCIA NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO?)



Os apelos do papa Bento XVI em favor do entendimento entre ciência e fé vem tornando-se cada vez mais veementes. No último Janeiro, a mensagem do Vaticano era: “‘Por todos os cientistas e os homens de cultura, para que, por meio da sincera pesquisa da verdade, possam chegar a conhecer o único verdadeiro Deus’” [1].

De fato, não há incompatibilidade inerente entre o Cristianismo e a pesquisa científica; entretanto, a proposta de Roma admite uma dicotomia entre fato/valor, também chamada de natureza/graça [2], identificando que o Cristianismo se refira a uma esfera de verdade que tangencia outra esfera, regida pela ciência, a qual é braço direito de uma razão autônoma. Portanto, o Cristianismo se torna insuficiente para abranger toda a Verdade, e suas afirmações não poderiam pretender a isso.

O que isso significa? Que quando os Evangelhos, por exemplo, apresentam a ressurreição de Jesus, não se referem a um fato real, comprovável; apenas aludem simplesmente a uma verdade da ótica da fé, e nada mais [3]. As verdades da fé serviriam para constituir valores, servindo de referenciais no campo da ética. Um cientista jamais poderia comprovar a ressurreição, porque ela não seria mensurável em termos de evidências; logo, estaria fora do escopo da razão. Tal a perspectiva de Roma, assim como a de muitos cristão liberais.

Não obstante, o que começou como um ataque acadêmico à ortodoxia cristã se constitui hoje uma opinião crescente na mídia e na literatura popular. Em um livro de bolso audaciosamente intitulado “Explicando Deus numa corrida de táxi”, encontramos a mesma perspectiva retratada acima. Deus é apresentado não como uma verdade objetiva, mas uma nescessidade imaginativa: “Quando precisamos da ajuda que nossos amigos não podem oferecer, buscamos consolo numa ideia, e o nome que damos a essa ideia é Deus”.

E o que dizer da revelação divina através da Bíblia? “A história de Jesus foi contada e recontada tantas vezes que é difícil separar a realidade da ficção.” Os eventos da narrativa podem até ter ocorrido objetivamente dentro da História, mas talvez “simplemente não tenham ocorrido da forma como a Bíblia nos conta”, afinal, é “a Bíblia da Igreja, não de Deus.” Logo, não chega a admirar que o autor endosse os milagres como mera ilusão que depende de uma fé incapaz de sustentar-se pelas evidências, porque se “pudesse provar, não se trataria de fé.” [4]

O pensamento arguto de Schaeffer observou a ascendência do Naturalismo sobre o Cristianismo: “Nossa geração é opressivamente naturalista. Há uma dedicação quase completa ao conceito da uniformidade de causas naturais em um sistema fechado. É sua caraterística distinitiva. Se não tivermos cuidado, mesmo dizendo que somos cristãos bíblicos e sobrenaturalistas, deixaremos que entre em nós o naturalismo de nossa geração. Talvez penetre em nosso modo de pensar sem que o reconheçamos, como neblina ou fumaça que se infiltra por uma janela entreaberta. Logo que isso acontece, o cristão começa a perder o senso de realidade de sua vida cristã […] muito frequentemente a realidade se perde porque o ‘teto’está muito baixo sobre nossas cabeças. Está baixo demais. E o ‘teto’ que se fecha sobre nós está no modo de pensar naturalista.” Schaeffer ainda via a relação da espiritualidade “com a unidade da visão da Bíblia sobre o universo.” [5]

Se não recuperarmos a visão unificada presente na Bíblia, continuaremos aceitando a divisão fato/valor, restringindo nossa fé a um consolo ou conforto, sem identificação com a realidade palpável. Somente devolvendo ao Cristianismo o seu lugar como uma cosmovisão poderosa e unificada, o casamento entre fé e ciência se tornará possível. Ao mesmo tempo, teremos nas mãos as armas para combater a ideologia pós-moderna, profundamente dependente dos pressupostos naturalistas [6].

Muitos líderes cristãos imaginam que lidar com a mentalidade pós-moderna se restrinja ao uso do “evangelismo da amizade” e à criação de uma comunidade cristã acolhedora. Obviamente, esses aspectos são relevantes e precisam ser enfatizados. Mas a tarefa é muito mais ampla. Afinal, a igreja local pode atrair e conquistar os pós-modernos, sem modificar a crença básica deles. Eles acabariam aceitando o Cristianismo não porque lhes forneça a Verdade Absoluta (conceito contrário ao pensamento pós-moderno), mas como uma das verdades úteis, e passíveis de interpretações pessoais. Nesse caso, qual seria a vantagem de converter pós-modernos em pós-modernos cristãos?

Enquanto demoramos para agir, o teto tem se fechado sobre nossas cabeças…
Leia mais
O boom da espiritualidade pós-moderna
Inocência ou esclarecimento - parte 1 e 2

[1]Papa pede oração para superar fratura entre ciência e fé, disponível em http://www.zenit.org/article-23964?l=portuguese .
[2] Ver Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, O dualismo natureza graça e a influência do humanismo secular no pensamento social cristão, em Cláudio Cardoso Leite, Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, Maurício José Silva Cunha (org.), Cosmovisão cristã e transformação: espiritualidade, razão e ordem social (Viçosa, MG: Ultimato, 2006), especialmente pp. 133-143. “Esse é o problema principal do dualismo moderno. Para afirmar sua liberdade absoluta, o homem moderno excluiu Deus. Para controlar a natureza em seu benefício, explicou a natureza como um mecanismo impessoal. Entretanto, o próprio homem é parte da natureza! Assim, o homem também passa a ser explicado a partir de leis naturais, como um produto do mecanismo evolucionário, negando-se, com isso a sua liberdade e dignidade. E o ideal da ciência, nascido do ideal da personalidade, torna-se a sua principal ameaça.”, p.130.
[3]Aqui vale citar o poeta e escritor Manoel de Abreu, que no ensaio A luta contra o universo (São Paulo, SP: Livraria José Olympio Editora, 1946) expressou-se sobre os milagres expostos em Marcos: “O fato dos referidos milagres terem sido apenas ilusão e sugestão, não importa, o que importa é terem existido como se fossem verdadeiros: foram pois admiráveis expressões de vida, em que o homem viveu e continua vivendo, plena e vitoriosamente.” p.36, grifos supridos.
[4]Paul Arden, Explicando Deus numa corrida de táxi (Rio de Janeiro, RJ: Intrínseca, 2009), pp. 16, 27-28, 30, 32, 36.
[5]Francis A. Schaeffer, Verdadeira espiritualidade: uma vida cheia de belezas, que edifica e inspira (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2008), p.89-90.
[6]Para uma análise entre Pós-Modernidade e Naturalismo Filosófico, consultar Douglas Reis, Pós-Modernidade à luz de 2 Pedro 3, em http://outraleitura.com.br/web/artigo.php?artigo=30:Pos-modernidade_a_luz_de_2_Pedro_3 .