A BÍBLIA: VERDADE UNIVERSAL?
Entretanto, a maior crítica à ideologia pós-Moderna não se deve a
sua falha em prover um filtro de crenças coerentes, capaz de interpretar a
realidade, embora este ponto seja preocupante. Quanto a isso, muitos cristãos
são tomados pela influência do pós-modernismo, ainda que desconheçam o
significado desse termo. A vida incoerente se reflete na síndrome de Michael,
na qual se reduz a crença a uma “ficção útil”, sem relação com a totalidade da
vida.
A falta de coerência é crítica, mas o fato de o pós-modernismo
advogar a impossibilidade de qualquer meta-narrativa (visão de mundo)
corresponder à realidade possui maior gravidade: as narrativas são todas
acusadas de proporem uma reconstrução particular em lugar de conhecimento
objetivo. Já que todos estamos comprometidos filosoficamente, não podemos
justificar com visões particulares objetivamente, do que se segue que a
objetividade é impossível.
Por exemplo: imagine alguém defendendo sua crença na Bíblia como
Palavra de Deus, alegando que, na própria Bíblia, Deus nos manda confiar em Sua
Palavra. Este tipo de defesa se processa utilizando um raciocínio circular (o
que se chama em Filosofia de “petição de princípio”) [1].
Você certamente enxerga as implicações desta posição. Se a Bíblia
vale apenas para os cristãos, sua mensagem perde seu caráter universal. A
própria grande comissão (Mt. 28:18-20) decai em seu sentido, porque não haveria
justificativa em se promover uma religião que seja tão boa e necessária quanto
qualquer outra. E as afirmações factuais da Bíblia (sobre a Criação, a Queda, a
Segunda Vinda) não passam de construções equivalentes a outras afirmações
religiosas encontradas em outras crenças. Além disto, é possível interpretar
ilimitadamente o texto bíblico de acordo com a opinião do leitor – quantas opiniões
houverem, será o número de interpretações distintas. Analisemos estas duas
abordagens de forma resumida.
A despeito da alegação de inverossimilhança nos relatos bíblicos,
temos um motivo para crer neles: o apoio da Arqueologia, “uma das poucas disciplinas
que tratam exclusivamente da realidade – artefatos, edifícios, cidades e terras
– fatos tangíveis e tridimensionais que, embora cobertos pelas areias do tempo,
dão testemunho de pessoas, lugares e eventos do passado”.
Com efeito, escreve Michael Haesel, especialista em Arqueologia:
“Eruditos e historiadores bíblicos que agora enfrentam os desafios do
pós-modernismo estão se voltando mais e mais para a arqueologia como fonte
principal de informações acerca da história bíblica. Embora a disciplina ainda
esteja em sua infância, a arqueologia está começando a preencher os detalhes da
grande história bíblica desde seus primórdios. Nessa busca, as reivindicações
revisionistas da erudição pós-moderna continuam a ser desafiadas pelos
registros das pedras do Oriente Médio.” [2] Por se apoiar na História, o
Cristianismo se torna verificável. Quantas religiões possuem suas narrativas
corroboradas por fatos arqueológicos bem estudados ou apresentam documentos
históricos tão respaldados como a fé cristã [3]?
Quanto à segunda objeção, basta considerarmos que o texto bíblico
obedece às regras gerais de interpretação às quais toda Literatura se submete.
“Em literatura, um fato só adquire sentido relacionado com o todo que o
integra.” [4] Sobre os critérios para interpretar corretamente a Bíblia, o
conhecido estudioso da linguagem e romancista Umberto Eco afirma que
“Agostinho, em De Doctrina Christiana dizia que uma interpretação, caso pareça
plausível em determinado ponto de um texto só poderá ser aceita se for reconfirmada
– ou pelo menos se não for questionada – em outro ponto do mesmo texto. É isso
que entendo por intentio operis [intenção do texto].” [5] Um estudo da Bíblia
em seu contexto histórico, respeitando suas seções, e pautado por comparação
sistemática de seus assuntos, levará à uma compreensão exata de suas verdades.
É seguro confiar na Bíblia. Podemos recorrer a ela para enxergar
corretamente o mundo e responder as perguntas que temos, em diversas sentidos.
Você se sente confuso e cético? Acredita que o lugar da Bíblia é na igreja, mas
ainda assim enfrenta dilemas no trabalho, na faculdade, nos relacionamentos?
A solução? Estudando o que o apóstolo Pedro nos deixou, chegaremos
à compreensão do que deve ser feito para se alcançar valores pessoais que compensem.
Desta maneira, convido você a examinar comigo passagens bíblicas capazes de
revolucionar sua vida. Prepare-se para obter as respostas que você julgou serem
impossíveis de alcançar.
EXPERIMENTANDO PESSOALMENTE A VERDADE
Ao passo que uma expectativa que não se ajuste à experiência seja
fatal para o cristão (o que em síntese, consiste a síndrome de Michael),
ninguém está condenado à perpétua incoerência. Deus oferece poder do alto para
alinharmos o proceder com a esperança, a mente humana com a promessa divina.
Afinal, o “seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e à piedade”
(2 Pe. 1:3)!
Apenas uma vida voltada para Deus é satisfatória. No capítulo
anterior, vimos que o Cristianismo oferece as melhores respostas sobre o
problema do mal, desde uma explicação plausível para seu surgimento, até um
caminho para sua erradicação. Mas Cristianismo é muito mais do que vencer o
pecado. A fé dos profetas e apóstolos fornece um alicerce para interagir em
mundo que se corrompeu.
Para atuarmos decisivamente em prol da vida, precisamos nos
submeter ao nosso Criador. E eu me refiro aqui a uma vida separada para Deus –
ou, em outras palavras, uma vida de santidade. Somente dentro deste plano
consegue-se conciliar a verdade com a vida. “[…] Em vez de agir como um
termômetro, apenas refletindo o calor do ambiente, você pode atuar como um
termostato, controlando a temperatura do ambiente”, escreve Marcos De Benedicto
[6]. Pelo poder dos Céus, somos habilitados a agir eticamente num mundo que se
encontra estagnado em um desespero mobilizador.
O Pai Celestial não poupou esforços para nos habilitar à santidade
na vida. Seu desejo consiste em inserir cada homem verdadeiramente converso num
programa de aperfeiçoamento. Consequentemente, cada cristão poderá participar da
natureza divina (v.4), o que se entende como estar em comunhão com Deus e viver
dentro de uma perspectiva espiritual. Para transpor a síndrome de Michael é bom
começarmos com aquilo que Jon Paulien chama de “conscientização pessoal de
nossa posição diante de Deus.” [7]
Por muito tempo, pregadores têm enfatizado o aspecto passivo da
vida espiritual. E está correto afirmar que, longe de resultar de esforços ou
boa intenção, a vida espiritual somente é possível pela Obra de Cristo. Somos
justificados pela fé e nada mais. Entretanto, compete a nós buscar a maturidade
espiritual, nos colocando sob a influência do Espírito Santo. A cada dia, eu
preciso decidir reservar tempo para avaliar minha experiência cristã, bem como
assumir novos graus de compromisso, que aprofundarão minha lealdade a Jesus.
Isto é diferente do legalismo religioso que tende a valorizar as
ações humanas em detrimento da operação amorosa de Deus sobre aqueles que não a
merecem. Fica claro que, conquanto eu tenha uma parte a desempenhar, isto não
resulta na minha salvação, mas na decisão de me aproximar daquele que pode me
salvar. É semelhante à criança que, não tendo condições de sair do berço para
ir à geladeira e preparar um lanche, pode chorar e chamar a atenção da mãe, a
fim de ela lhe dar o que comer. Você e eu podemos chorar para que o Pai
celestial aja por nós.
Um livro recente mostra como a Graça de Deus se tornou um
infindável “blá blá blá” religioso, ao invés de ser vista como o que é de fato
– o favor impagável de um Deus que atende ao homem impotente. O autor compara a
Graça a uma bola de futebol chutada de um lado para o outro do campo, dissecada
por teólogos e estudiosos. “É um clássico debate em que ninguém ganha.” [8]
Contudo, não precisa ser assim. Devemos depender da Graça, mas sem abusar dela.
Se há uma parte que nos compete, é justamente recorrer a Graça, com o intuito
de crescermos dentro dos propósitos de Deus para nós.
Pedro menciona componentes que devem ser agregadas ao caráter de
todo cristão o quanto antes. Note como o apóstolo emprega termos como
“diligência” (v.5) e “diligentemente” (v.15) com o objetivo de incutir na mente
de seus leitores a urgência da mensagem. O enriquecimento e refinamento do
caráter são alvos da visão cristã a serem perseguidos por todos que abraçam a
cruz durante o transcurso de sua vida. Para viabilizar esse tipo de busca, se
requer uma concepção de Deus como acessível a nós: “[…] Falar com confiança
sobre Deus é estar aberto não ao que está acima de nós, e nos é inacessível,
mas ao que podemos experimentar aqui e agora.” [9]
Quais os elementos ressaltados na segunda carta de Pedro? São
estes:
1. Fé (2 Pe. 1:5): na Bíblia, fé expressa confiança, mas não em algo ilógico ou
fantasioso. A fé abraça Deus e o que Ele revela, e tem um toque pessoal – através
da fé, temos íntima ligação com Deus;
2. Virtude (v.5): com o sentido de excelência, tem que ver com o segundo passo que
se dá depois da resposta de fé ao chamado divino. Somos chamados à semelhança
com Cristo, eis o alvo mais elevado;
3. Conhecimento (v.5): o cristão tem que se conhecer para amadurecer na virtude. Ao mesmo
tempo, tem de conhecer a Deus através de sua Palavra, o que levará ao
conhecimento prático. Sobre o valor do conhecimento, Ellen White assegura que o
“o homem iletrado que é consagrado a Deus e aspira a abençoar a outros, pode
ser e é utilizado pelo Senhor em Seu serviço. Mas os que, com o mesmo espírito
de consagração, tiveram o benefício de uma instrução completa, podem fazer obra
muito mais extensa para Cristo. Estão em posição vantajosa.” [10];
4. Domínio próprio (v.6): num tempo em que cada qual segue seus instintos, Pedro nos instrui
a exercer o auto-domínio, complemento adequado ao conhecimento. Jamais nos
devemos render ao senhoril das paixões, mas nos cumpre dominar os impulsos;
5. Perseverança (v.6): se a luta pelo crescimento requer a dura batalha para nos
controlarmos, que isso não dê ensejo ao desânimo – temos de ter fibra para
perseverar até o fim;
6. Piedade (v.6): a perseverança se perderia no vazio sem estar entrelaçada com uma
autêntica espiritualidade e é nisto que consiste a característica seguinte, a
piedade: senso de dever cumprido diante de Deus;
7. Fraternidade (v.7): uma espiritualidade vertical pode descambar para um misticismo
ufanista, que isole o crente da convivência com seu semelhante. Por essa razão,
Pedro destaca a fraternidade, para nos lembrar que o cristão deve se relacionar
bem com Deus, sem olvidar um relacionamento sadio com o próximo;
8. Amor (v.8): finalmente, a vida do cristão
será marcada por um amor profundo, muito além do sentimentalismo incongruente a
que se nomeia “amor” popularmente. Amor da mais nobre estirpe direcionará a
vida do verdadeiro cristão.
Um compromisso pleno com a Verdade propiciará ao caráter agregar
estes valores. Você não precisa se sentir um náufrago em um mundo inóspito. A
verdade de Deus se encontra acessível àquele que reconhecê-la. Para superar a
incerteza pós-moderna, basta apegar-se à proposta divina de uma vida em santidade.
Querido Pai, nosso coração se alegra diante da proposta que nos
faze. Dá-nos sabedoria para aceitar a Tua verdade e permitir que desenvolvas
nossa vida em santidade. Que o Espírito aprofunde nosso caráter, nos movendo a
buscar Sua influência a cada dia. Rogamos-Te, agradecidos, através de Jesus,
amém.
[1] J.P. Moreland e William Lane Craig,
Filosofia e cosmovisão cristã (São Paulo, SP: Vida Nova, 2005), p. 187.
[2] Michael Hasel, Os críticos pós-modernos da
Bíblia e a arqueologia atual, (2006). Diálogo Universitário, 2006, vol. 18, nº
2, pp. 14-16, 35, disponível em http://dialogue.adventist.org.
[3] O renomado erudito Craig L. Blomberg, em
entrevista a Lee Strobel fornece alguns impressionantes dados sobre o Novo
Testamento (NT): existem 306 manuscritos unciais (grafados com letras
maiúsculas), alguns dos quais remontam ao 3º séc. de nossa época, além de 2856
manuscritos em minúsculas do NT em Grego, além de 8 a 10 mil manuscritos da
Vulgata (tradução latina feita por Jerônimo), mais de 8 mil manuscritos em
etíope, eslavo antigo e armênio, totalizando cerca de 24 mil manuscritos.
Nenhum livro antigo possui um número de cópias tão elevado, alguns bem próximos
da data da composição. As variações são de importância secundária: temos 99,5%
de prova da confiabilidade do texto. Lee Strobel, Em defesa de Cristo: um
jornalista ex-ateu investiga as provas da existência de Cristo (São Paulo, SP:
Editora Vida, 2001), pp.80-81, 85.
[4] Donald Schüler, A construção da Ilíada: uma
análise de sua elaboração (Porto Alegre:2004, RS: L&M editores), p. 11.
O professor Schüler, corajoso tradutor de Finnegans Wake, faz esta declaração
no contexto de sua disputa contra Denys Page relacionada à autoria de Homero no
Canto IX do poema Ilíada.
[5] Umberto Eco, Os limites da Interpretação
(São Paulo, SP: Editora Perspectiva, 1999), 1ª ed., p. 3. Cf.: “Como provar uma
conjectura sobre a intentio operis? A única forma é checá-la com o texto
enquanto um todo coerente. Essa idéia também é antiga e vem de Agostinho (De
Doctrina Christiana): qualquer interpretação feita de uma certa parte de um
texto poderá ser aceita se for confirmada por outra parte do mesmo texto, e
deverá ser rejeitada se a contradisser. Neste sentido, a coerência interna do
texto domina os impulsos do leitor, de outro modo incontroláveis.” Umberto Eco,
Interpretação e Superinterpretação (São Paulo, SP: Martins fontes, 1997), p.
76.
[6] Marcos De Benedicto, O brilho da Vida:
experimente o poder de Deus em seu dia-a-dia (Tatuí, SP:Casa Publicadora
Brasileira, 2008), p. 77.
[7] Jon Paulien, Deus no mundo real: segredos
para viver o cristianismo na sociedade moderna (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2008), p. 67.
[8] Charles R. Swindoll, O despertar da Graça
(São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2009), p. 18.
[9] James Houston, Meu legado espiritual, p.
71.
[10] Ellen White, Parábolas de Jesus (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 10ª ed., p.333.
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