quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A VERDADE OU A VIDA - parte 2



A BÍBLIA: VERDADE UNIVERSAL?

Entretanto, a maior crítica à ideologia pós-Moderna não se deve a sua falha em prover um filtro de crenças coerentes, capaz de interpretar a realidade, embora este ponto seja preocupante. Quanto a isso, muitos cristãos são tomados pela influência do pós-modernismo, ainda que desconheçam o significado desse termo. A vida incoerente se reflete na síndrome de Michael, na qual se reduz a crença a uma “ficção útil”, sem relação com a totalidade da vida.
A falta de coerência é crítica, mas o fato de o pós-modernismo advogar a impossibilidade de qualquer meta-narrativa (visão de mundo) corresponder à realidade possui maior gravidade: as narrativas são todas acusadas de proporem uma reconstrução particular em lugar de conhecimento objetivo. Já que todos estamos comprometidos filosoficamente, não podemos justificar com visões particulares objetivamente, do que se segue que a objetividade é impossível.
Por exemplo: imagine alguém defendendo sua crença na Bíblia como Palavra de Deus, alegando que, na própria Bíblia, Deus nos manda confiar em Sua Palavra. Este tipo de defesa se processa utilizando um raciocínio circular (o que se chama em Filosofia de “petição de princípio”) [1].
Você certamente enxerga as implicações desta posição. Se a Bíblia vale apenas para os cristãos, sua mensagem perde seu caráter universal. A própria grande comissão (Mt. 28:18-20) decai em seu sentido, porque não haveria justificativa em se promover uma religião que seja tão boa e necessária quanto qualquer outra. E as afirmações factuais da Bíblia (sobre a Criação, a Queda, a Segunda Vinda) não passam de construções equivalentes a outras afirmações religiosas encontradas em outras crenças. Além disto, é possível interpretar ilimitadamente o texto bíblico de acordo com a opinião do leitor – quantas opiniões houverem, será o número de interpretações distintas. Analisemos estas duas abordagens de forma resumida.
A despeito da alegação de inverossimilhança nos relatos bíblicos, temos um motivo para crer neles: o apoio da Arqueologia, “uma das poucas disciplinas que tratam exclusivamente da realidade – artefatos, edifícios, cidades e terras – fatos tangíveis e tridimensionais que, embora cobertos pelas areias do tempo, dão testemunho de pessoas, lugares e eventos do passado”.
Com efeito, escreve Michael Haesel, especialista em Arqueologia: “Eruditos e historiadores bíblicos que agora enfrentam os desafios do pós-modernismo estão se voltando mais e mais para a arqueologia como fonte principal de informações acerca da história bíblica. Embora a disciplina ainda esteja em sua infância, a arqueologia está começando a preencher os detalhes da grande história bíblica desde seus primórdios. Nessa busca, as reivindicações revisionistas da erudição pós-moderna continuam a ser desafiadas pelos registros das pedras do Oriente Médio.” [2] Por se apoiar na História, o Cristianismo se torna verificável. Quantas religiões possuem suas narrativas corroboradas por fatos arqueológicos bem estudados ou apresentam documentos históricos tão respaldados como a fé cristã [3]?
Quanto à segunda objeção, basta considerarmos que o texto bíblico obedece às regras gerais de interpretação às quais toda Literatura se submete. “Em literatura, um fato só adquire sentido relacionado com o todo que o integra.” [4] Sobre os critérios para interpretar corretamente a Bíblia, o conhecido estudioso da linguagem e romancista Umberto Eco afirma que “Agostinho, em De Doctrina Christiana dizia que uma interpretação, caso pareça plausível em determinado ponto de um texto só poderá ser aceita se for reconfirmada – ou pelo menos se não for questionada – em outro ponto do mesmo texto. É isso que entendo por intentio operis [intenção do texto].” [5] Um estudo da Bíblia em seu contexto histórico, respeitando suas seções, e pautado por comparação sistemática de seus assuntos, levará à uma compreensão exata de suas verdades.
É seguro confiar na Bíblia. Podemos recorrer a ela para enxergar corretamente o mundo e responder as perguntas que temos, em diversas sentidos. Você se sente confuso e cético? Acredita que o lugar da Bíblia é na igreja, mas ainda assim enfrenta dilemas no trabalho, na faculdade, nos relacionamentos?
A solução? Estudando o que o apóstolo Pedro nos deixou, chegaremos à compreensão do que deve ser feito para se alcançar valores pessoais que compensem. Desta maneira, convido você a examinar comigo passagens bíblicas capazes de revolucionar sua vida. Prepare-se para obter as respostas que você julgou serem impossíveis de alcançar.

EXPERIMENTANDO PESSOALMENTE A VERDADE

Ao passo que uma expectativa que não se ajuste à experiência seja fatal para o cristão (o que em síntese, consiste a síndrome de Michael), ninguém está condenado à perpétua incoerência. Deus oferece poder do alto para alinharmos o proceder com a esperança, a mente humana com a promessa divina. Afinal, o “seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e à piedade” (2 Pe. 1:3)!
Apenas uma vida voltada para Deus é satisfatória. No capítulo anterior, vimos que o Cristianismo oferece as melhores respostas sobre o problema do mal, desde uma explicação plausível para seu surgimento, até um caminho para sua erradicação. Mas Cristianismo é muito mais do que vencer o pecado. A fé dos profetas e apóstolos fornece um alicerce para interagir em mundo que se corrompeu.
Para atuarmos decisivamente em prol da vida, precisamos nos submeter ao nosso Criador. E eu me refiro aqui a uma vida separada para Deus – ou, em outras palavras, uma vida de santidade. Somente dentro deste plano consegue-se conciliar a verdade com a vida. “[…] Em vez de agir como um termômetro, apenas refletindo o calor do ambiente, você pode atuar como um termostato, controlando a temperatura do ambiente”, escreve Marcos De Benedicto [6]. Pelo poder dos Céus, somos habilitados a agir eticamente num mundo que se encontra estagnado em um desespero mobilizador.
O Pai Celestial não poupou esforços para nos habilitar à santidade na vida. Seu desejo consiste em inserir cada homem verdadeiramente converso num programa de aperfeiçoamento. Consequentemente, cada cristão poderá participar da natureza divina (v.4), o que se entende como estar em comunhão com Deus e viver dentro de uma perspectiva espiritual. Para transpor a síndrome de Michael é bom começarmos com aquilo que Jon Paulien chama de “conscientização pessoal de nossa posição diante de Deus.” [7]
Por muito tempo, pregadores têm enfatizado o aspecto passivo da vida espiritual. E está correto afirmar que, longe de resultar de esforços ou boa intenção, a vida espiritual somente é possível pela Obra de Cristo. Somos justificados pela fé e nada mais. Entretanto, compete a nós buscar a maturidade espiritual, nos colocando sob a influência do Espírito Santo. A cada dia, eu preciso decidir reservar tempo para avaliar minha experiência cristã, bem como assumir novos graus de compromisso, que aprofundarão minha lealdade a Jesus.
Isto é diferente do legalismo religioso que tende a valorizar as ações humanas em detrimento da operação amorosa de Deus sobre aqueles que não a merecem. Fica claro que, conquanto eu tenha uma parte a desempenhar, isto não resulta na minha salvação, mas na decisão de me aproximar daquele que pode me salvar. É semelhante à criança que, não tendo condições de sair do berço para ir à geladeira e preparar um lanche, pode chorar e chamar a atenção da mãe, a fim de ela lhe dar o que comer. Você e eu podemos chorar para que o Pai celestial aja por nós.
Um livro recente mostra como a Graça de Deus se tornou um infindável “blá blá blá” religioso, ao invés de ser vista como o que é de fato – o favor impagável de um Deus que atende ao homem impotente. O autor compara a Graça a uma bola de futebol chutada de um lado para o outro do campo, dissecada por teólogos e estudiosos. “É um clássico debate em que ninguém ganha.” [8] Contudo, não precisa ser assim. Devemos depender da Graça, mas sem abusar dela. Se há uma parte que nos compete, é justamente recorrer a Graça, com o intuito de crescermos dentro dos propósitos de Deus para nós.
Pedro menciona componentes que devem ser agregadas ao caráter de todo cristão o quanto antes. Note como o apóstolo emprega termos como “diligência” (v.5) e “diligentemente” (v.15) com o objetivo de incutir na mente de seus leitores a urgência da mensagem. O enriquecimento e refinamento do caráter são alvos da visão cristã a serem perseguidos por todos que abraçam a cruz durante o transcurso de sua vida. Para viabilizar esse tipo de busca, se requer uma concepção de Deus como acessível a nós: “[…] Falar com confiança sobre Deus é estar aberto não ao que está acima de nós, e nos é inacessível, mas ao que podemos experimentar aqui e agora.” [9]
Quais os elementos ressaltados na segunda carta de Pedro? São estes:
1. Fé (2 Pe. 1:5): na Bíblia, fé expressa confiança, mas não em algo ilógico ou fantasioso. A fé abraça Deus e o que Ele revela, e tem um toque pessoal – através da fé, temos íntima ligação com Deus;
2. Virtude (v.5): com o sentido de excelência, tem que ver com o segundo passo que se dá depois da resposta de fé ao chamado divino. Somos chamados à semelhança com Cristo, eis o alvo mais elevado;
3. Conhecimento (v.5): o cristão tem que se conhecer para amadurecer na virtude. Ao mesmo tempo, tem de conhecer a Deus através de sua Palavra, o que levará ao conhecimento prático. Sobre o valor do conhecimento, Ellen White assegura que o “o homem iletrado que é consagrado a Deus e aspira a abençoar a outros, pode ser e é utilizado pelo Senhor em Seu serviço. Mas os que, com o mesmo espírito de consagração, tiveram o benefício de uma instrução completa, podem fazer obra muito mais extensa para Cristo. Estão em posição vantajosa.” [10];
4. Domínio próprio (v.6): num tempo em que cada qual segue seus instintos, Pedro nos instrui a exercer o auto-domínio, complemento adequado ao conhecimento. Jamais nos devemos render ao senhoril das paixões, mas nos cumpre dominar os impulsos;
5. Perseverança (v.6): se a luta pelo crescimento requer a dura batalha para nos controlarmos, que isso não dê ensejo ao desânimo – temos de ter fibra para perseverar até o fim;
6. Piedade (v.6): a perseverança se perderia no vazio sem estar entrelaçada com uma autêntica espiritualidade e é nisto que consiste a característica seguinte, a piedade: senso de dever cumprido diante de Deus;
7. Fraternidade (v.7): uma espiritualidade vertical pode descambar para um misticismo ufanista, que isole o crente da convivência com seu semelhante. Por essa razão, Pedro destaca a fraternidade, para nos lembrar que o cristão deve se relacionar bem com Deus, sem olvidar um relacionamento sadio com o próximo;
8. Amor (v.8): finalmente, a vida do cristão será marcada por um amor profundo, muito além do sentimentalismo incongruente a que se nomeia “amor” popularmente. Amor da mais nobre estirpe direcionará a vida do verdadeiro cristão.
Um compromisso pleno com a Verdade propiciará ao caráter agregar estes valores. Você não precisa se sentir um náufrago em um mundo inóspito. A verdade de Deus se encontra acessível àquele que reconhecê-la. Para superar a incerteza pós-moderna, basta apegar-se à proposta divina de uma vida em santidade.
Querido Pai, nosso coração se alegra diante da proposta que nos faze. Dá-nos sabedoria para aceitar a Tua verdade e permitir que desenvolvas nossa vida em santidade. Que o Espírito aprofunde nosso caráter, nos movendo a buscar Sua influência a cada dia. Rogamos-Te, agradecidos, através de Jesus, amém.


[1] J.P. Moreland e William Lane Craig, Filosofia e cosmovisão cristã (São Paulo, SP: Vida Nova, 2005), p. 187. 
[2] Michael Hasel, Os críticos pós-modernos da Bíblia e a arqueologia atual, (2006). Diálogo Universitário, 2006, vol. 18, nº 2, pp. 14-16, 35, disponível em http://dialogue.adventist.org.
[3] O renomado erudito Craig L. Blomberg, em entrevista a Lee Strobel fornece alguns impressionantes dados sobre o Novo Testamento (NT): existem 306 manuscritos unciais (grafados com letras maiúsculas), alguns dos quais remontam ao 3º séc. de nossa época, além de 2856 manuscritos em minúsculas do NT em Grego, além de 8 a 10 mil manuscritos da Vulgata (tradução latina feita por Jerônimo), mais de 8 mil manuscritos em etíope, eslavo antigo e armênio, totalizando cerca de 24 mil manuscritos. Nenhum livro antigo possui um número de cópias tão elevado, alguns bem próximos da data da composição. As variações são de importância secundária: temos 99,5% de prova da confiabilidade do texto. Lee Strobel, Em defesa de Cristo: um jornalista ex-ateu investiga as provas da existência de Cristo (São Paulo, SP: Editora Vida, 2001), pp.80-81, 85.
[4] Donald Schüler, A construção da Ilíada: uma análise de sua elaboração (Porto Alegre:2004, RS: L&M editores), p. 11. O professor Schüler, corajoso tradutor de Finnegans Wake, faz esta declaração no contexto de sua disputa contra Denys Page relacionada à autoria de Homero no Canto IX do poema Ilíada.
[5] Umberto Eco, Os limites da Interpretação (São Paulo, SP: Editora Perspectiva, 1999), 1ª ed., p. 3. Cf.: “Como provar uma conjectura sobre a intentio operis? A única forma é checá-la com o texto enquanto um todo coerente. Essa idéia também é antiga e vem de Agostinho (De Doctrina Christiana): qualquer interpretação feita de uma certa parte de um texto poderá ser aceita se for confirmada por outra parte do mesmo texto, e deverá ser rejeitada se a contradisser. Neste sentido, a coerência interna do texto domina os impulsos do leitor, de outro modo incontroláveis.” Umberto Eco, Interpretação e Superinterpretação (São Paulo, SP: Martins fontes, 1997), p. 76.
[6] Marcos De Benedicto, O brilho da Vida: experimente o poder de Deus em seu dia-a-dia (Tatuí, SP:Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 77.
[7] Jon Paulien, Deus no mundo real: segredos para viver o cristianismo na sociedade moderna (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 67.
[8] Charles R. Swindoll, O despertar da Graça (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2009), p. 18.
[9] James Houston, Meu legado espiritual, p. 71.
[10] Ellen White, Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 10ª ed., p.333.


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