terça-feira, 29 de julho de 2014
sexta-feira, 25 de julho de 2014
sexta-feira, 18 de julho de 2014
quinta-feira, 17 de julho de 2014
A SEMPRE CONTROVERSA RELAÇÃO COM A CULTURA
Cultura
é uma palavra que não aparece na Bíblia. Basicamente, sua raiz indica o cultivo
de algo, o que ganhou uma conotação mais ampla – hoje abrangendo praticamente
as atividades humanas mais variadas, desde a produção de conhecimento e arte, a
hábitos de vida de uma sociedade.
Não
é tarefa simples avaliar a cultura por um prisma cristão. Para complicar,
vivemos uma cultura em transição, devido às mudanças com viés tecnológicas,
globalização, relativismo, entre outros fatores. Outro problema se levanta ao
constatarmos que, uma vez que a cultura afeta quem somos, ela afeta nossa
maneira de pensar e de entender as coisas. E se a cultura influencia nossa
interpretação, o que isso representa para o estudo da Bíblia?
Quando
se lida com a hermenêutica, definida aqui de maneira simples, como ciência que
trata da interpretação de textos, as implicações são mais profundas: podemos
interpretar a Bíblia objetivamente ou estaríamos condicionados pela cultura a
uma interpretação determinada, incapazes de entender o sentido original da
Bíblia, o qual sempre nos escapará? Afinal, a cultura é um ponto de partida ou
seremos, por assim dizer, reféns dela, limitados ao seu escopo?
Em
realidade, a cultura, longe de ser algo estanque, é o que fazemos dela. Logo, é
possível uma transformação da cultura, a partir da transformação de quem está
inserido nela. Isso é significativamente diferente de afirmar que componentes
culturais são imprescindíveis para a construção teológica, posição que os cristãos
liberais adotaram desde cedo, pela maneira como enxergam o fenômeno
revelação-inspiração: apenas como um contato místico, sem transmissão de
conteúdo objetivo. Logo, os próprios escritores bíblicos, na visão dos
liberais, são condicionados pela cultura – que dizer então dos intérpretes das
Escrituras! A conclusão: afirma-se que o evangelho muda a cada geração, porque
sua compreensão estaria sempre comprometida…
Sustentar
que a Bíblia não pode ser compreendida senão à luz da cultura é uma afirmação
que pressupõe um entendimento pós-moderno da hermenêutica. Antigamente, se cria
em neutralidade – alguns até defendiam que a Bíblia deveria ser seguida, sem
necessidade de qualquer interpretação. Não penso que isso seja possível;
afinal, toda leitura pressupõem uma interpretação. Ao mesmo tempo, a admissão
de que nossa compreensão é condicionada pela cultura pode levar a uma
relatividade do entendimento. Isso cairia na teologia liberal, sem dúvida.
O
que fazer? Muitos teólogos e filósofos falam de aproximação cultural. Isso se
dá pela compreensão da intentio operis
(intenção do texto, conceito proposto por Agostinho), que é soberana sobre a
intenção do intérprete. Todo intérprete não pode ultrapassar as ideias do
texto. Para compreendê-lo com clareza, deverá estudar o sentido que ele possuía
aos seus primeiros leitores, perfazendo um jogo de aproximação que libertará o
texto de mal entendidos. Na verdade, o intérprete pode mudar suas
pressuposições hermenêuticas em contato com a obra (segundo parte da teoria de Gadamer).
Como
isso se dá no estudo da Bíblia? Estudá-la acaba levando à assimilação de
princípios hermenêuticos da própria Bíblia. Dito de outra forma: a Palavra de
Deus nos transmite conceitos sobre como interpretá-la. Pensadores pós-modernos gostam de nos lembrar
que somos humanos, com conhecimento limitado. Mas isso não nos impede de
conhecer a verdade de modo essencial, embora não de modo onisciente. Deste modo,
não precisamos nos calar diante dos desafios que a cultura levanta na área da
hermenêutica.
Na
história do movimento adventista, têm havido muitas mentes brilhantes que não
souberam responder aos desafios da cultura. Originalmente, os adventistas
entenderam que foram chamados para ser o remanescente de Deus nos últimos dias.
Sua função era transmitir as últimas verdades ao mundo no contexto do juízo
iminente. O conceito de remanescente surgiu do estudo das profecias e está
ligado à identidade adventista. Seria complexo e estranho haver teologia
adventista sem a noção de remanescente. Os últimos a proporem isso acabaram
levando a resultados no mínimo questionáveis.
Steve
Daily o fez e hoje é pastor de uma congregação que é uma espécie de adventismo
aberto a outros cristãos (seja lá isso o que for...), na qual até se fala em
línguas! Fritz Guy fez o mesmo e hoje sua teologia se tornou liberal em muitos
pontos (evolucionismo teísta, homossexualidade, etc). Fica claro que uma
interpretação bíblica que assimile aspectos liberais e admita que a cultura
deve nos ajudar na construção do pensamento teológico jamais poderá sustentar
que somos o povo remanescente. Aliás, não poderia haver um remanescente, porque
não existiriam verdades únicas a serem transmitidas. A cada geração, a verdade
muda, porque a interpretação muda – tal é a cilada da teologia liberal!
Gosto
do espírito de Gerard Hasel: ele “questionou” a tradição adventista não para
propor algo definitivamente novo, que alguns gostam de honrar como se todo
novidade acadêmica significasse intrepidez e discernimento. Hasel pesquisou
embasado na Bíblia, revisando pontos importantes da argumentação adventista.
Sua proposta significou um retorno radical à Bíblia. Obviamente, há outros
eminentes estudiosos adventistas, anteriores e posteriores a Hasel, comprometidos
com o espírito dos pioneiros. Eles contribuem em suas respectivas áreas. Além da
erudição especializada, cada adventista, obreiro ou membro, é desafiado a
crescer em suas compreensão bíblica, construindo sobre o alicerce dos
pioneiros. Na atualidade, esse talvez seja o maior desafio intelectual do
movimento adventista: reformar a cultura com a mensagem das Escrituras.
Infelizmente,
o que não desenvolvemos no pensamento teológico, copiamos de outros, que, por
sua vez, sustentavam sua teologia mais com base na filosofia do que na Bíblia.
Isso passou a ocorrer talvez a partir da década de 30 ou 40, continuando a
ocorrer até hoje. Assim se descaracterizou o adventismo, fazendo dele quase a
mesma colcha de retalhos que é o mundo evangélico.
Sei
que é difícil para adventistas que vivem em um contexto mais tradicional
enxergar esse fato e recebo muitas perguntas nesse sentido. Mas meus amigos na
Europa e nos Estados Unidos, fora a literatura especializada, conhecem a
probante dificuldade de um adventismo dividido pela cultura. Já é hora de
voltarmos ao projeto dos pioneiros.
Voltando
à ideia de remanescente, não só a Bíblia advoga o conceito, como nossos
pioneiros – praticamente todos eles – criam que fazíamos parte de um
remanescente com uma mensagem distintiva. Além disso, como afirmado antes,
todos os nossos pioneiros criam que o movimento adventista era o remanescente
da profecia - inclusive, Ellen G. White. Se houve um engano, teríamos um
problema mais sério: como um profeta pode ensinar algo (de forma consistente,
ao longo de décadas) que seja um erro?
Além
deste aspecto, do ponto de vista da efetividade, não vejo como poderíamos fazer
a diferença nos tornando apenas mais um grupo evangélico dentre outros! Afinal,
os dados mostram que o movimento adventista mais cresce nos lugares onde se
mantém a visão tradicional de um remanescente: onde quer que a teologia liberal
tenha se disseminado, a igreja estagna e tende ao ecumenismo. Vide Alemanha.
Claro
que apenas manter aspectos tradicionais sem nos posicionar em relação a
questões contemporâneas é insuficiente. Temos de alcançar uma geração com o
evangelho eterno, oferecendo as respostas bíblicas às perguntas atuais, não nos
acomodando com os velhos enfoques.
Aqui
vale repensar sobre o paradigma distorcido que importamos do mundo evangélico:
se o mundo mudou, temos que mudar para conseguir evangeliza-lo. Ora, o mundo ter mudado, não constitui
novidade em absoluto: ele sempre muda! A pergunta é: mudar junto com ele (mudar
quanto à essência) seria realmente necessário? Isso não nos levaria a
relativizar a fé? Como podemos representar a Deus para a cultura na qual nos
achamos inseridos se não temos uma identidade singular, e somos apenas mais um
grupo que vive em seu gueto confortável?
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quarta-feira, 9 de julho de 2014
COMPRE AGORA O SEU ADVENTISMO PASTEURIZADO, ESTÁ EM PROMOÇÃO - parte 2
Indubitavelmente, há espaço para diversas contribuições sobre as questões relativas à situação do adventismo. Em virtude de nosso espaço limitado, sugiro algumas linhas de ação para revitalizar o adventismo:
• Adoção
de uma hermenêutica biblicamente sadia como condição preliminar para
Reavivamento e Reforma (RR): A crise de identidade adventista possui
diversas causas, todavia sua causa mais elementar é de natureza espiritual.
Reconhecer a Deus como solução não é superficializar o problema, mas lançar mão
do poder acima das limitações e hesitações humanas. Por isso, não se deve considerar
RR um programa denominacional; trata-se de um chamado à vida, por meio de uma
ligação com a sua fonte, Deus e Sua Palavra (Jo 15:7). Tal ligação inicial
permitiu ao adventismo veicular sua base à Bíblia somente, adotando uma
perspectiva profética. Os pioneiros construíram progressivamente sua
hermenêutica, a qual dependia de forma radical do texto. Ao contrário do que se
defende popularmente, voltar à Bíblia não é algo a ser reduzido ao compromisso
de ler o Livro Santo todos os dias, porque existem modelos conflitantes de se
interpretar a Bíblia (toda forma de leitura pressupõe uma interpretação). Ao
longo dos últimos três séculos, surgiram modelos de interpretação
racionalistas, que partem do pressuposto de que a Bíblia é um livro
condicionado pela cultura humana, e que os profetas tiveram uma experiência
mística não racional com Deus, expressa em termos meramente humanos. Assim, não
há nada de realmente sobrenatural na Bíblia! Mais recentemente, surgiram outros
modelos, que adotam a postura de que o significado das coisas é cambiante,
mudando a cada época. Consequentemente, o foco está no leitor, pois é ele quem
define o significado do texto para si, sendo este o único significado que se
pode de fato alcançar. Ler a Bíblia a partir destas perspectivas limitadas não
conduzirá a qualquer reavivamento e muito menos a uma reforma! Infelizmente,
ideias erradas sobre revelação e inspiração afetam o entendimento das
Escrituras e dividem os círculos adventistas eruditos há décadas (por
influência dos evangélicos liberais e neo-ortodoxos). Tais ideias se acham
popularizadas e largamente aplicadas tanto à Bíblia como aos testemunhos de
Ellen G. White. Por isso, as discussões entre adventistas, que um dia se
resolviam com um simples “Assim diz o Senhor”, atualmente não se resolvem com a
mesma facilidade. Todos recorrem à Bíblia, porém para chegar a diferentes
posições sobre o assunto. Não que a Bíblia apresente um caráter dúbio; o
problema está com as pressuposições adotadas. Enquanto tais questões dividirem
os adventistas, ler a Bíblia será parte do problema, não a solução.
Entrementes, a condição preliminar para o RR é assumir que a interpretação da
Bíblia só pode ser correta quando parte de pressupostos transmitidos pela
própria Bíblia. Dito de outra forma, depende-se de Deus até mesmo no auxílio
para interpretar Sua Palavra, por intermédio do Espírito Santo (Jo 16:13) e
seguindo o modelo presente na própria Palavra. O processo não é simples, pois
exige uma reordenação do que cremos, à medida que somos moldados pelas ideias
presentes no texto inspirado. Essa reordenação mental conduz à interpretação
correta, entendendo o que Deus disse não com a cabeça de quem vive no século
XXI, mas como Ele pretendeu que Suas palavras fossem interpretadas em qualquer
período da História. A verdade de Deus não muda em essência. Por conseguinte, é
necessário um compromisso que se traduza em obediência concreta a tudo quanto
Deus exige – o que é a verdadeira reforma. Nada menos do que santidade é
exigido de todos nós. Diante das batalhas pela interpretação correta, muitas
delas restritas aos bastidores e quase nunca enunciadas de modo esclarecedor,
torna-se inócuo ressaltar o estilo de vida adventista; ainda mais porque, sem
colocar a Bíblia no patamar que Deus pede, pouco se tem experimentado o
processo de RR que leva à obediência na prática. Crentes sem conexão com a
Palavra se sentem ofendidos pela pregação do estilo de vida, enquanto aqueles
que adotam leituras liberais da Bíblia procuram alternativas para se escusarem
de obedecer o que está incluso no mesmo estilo de vida. A melhor argumentação
bíblica não pode convencer uma geração acostumada a não pensar biblicamente,
mesmo quando lê a Bíblia. O reavivamento só ocorre quando aceitamos quem é Deus
e que Ele Se comunica pela Palavra, a qual possui preceitos normativos acima da
cultura humana, o que nos leva a reavaliar e descartar ideias herdadas das
diversas tradições humanas e mesmo o que a experiência nos ensina;
• Integração
da fé bíblica com a experiência de forma relevante em um contexto secular:
Há mais de meio século, o Ocidente vive um processo de secularização
responsável pelo enfraquecimento da religião como referência para as diversas
áreas da vida. Pessoas religiosas sofrem os efeitos disso; sempre se corre o
risco de compartimentalizar a experiência cristã, limitando-a ao mero
conhecimento bíblico dissociado do cotidiano ou simplesmente como algo místico,
capaz de proporcionar êxtase emocional. Entretanto, o adventismo surgiu como
uma espiritualidade prática, não desvinculada das demandas intelectuais ou
exigências práticas do mundo real. Por isso, o adventismo propôs um sistema
educacional diferenciado, adotou uma dieta saudável, incentivou evangelismo via
colportagem, preocupou-se com as relações familiares e se dispôs a enviar
missionários para o mundo. Nunca houve adventismo sem um estilo de vida
adventista. Entretanto, a onda de revisionismo pós-moderno deixou a sala de
reunião dos catedráticos para se manifestar em uma enxurrada de comentários em
fóruns pela internet, reivindicando
liberdade para construir sua própria experiência espiritual e ressignificar a
tradição religiosa. Quando isso aconteceu com cristãos tradicionais, foi
assustador; quando passou ao seio do movimento adventista, calamitoso! Que se
questione coisas básicas como criacionismo, a relevância da data de 1844 e a
importância destas coisas para o adventista hoje, é sinal de estarmos em maus
lençóis! Isso não representa um progresso no adventismo, no sentido de torna-lo
relevante ao mundo secular pós-moderno. Relevância implica em traduzir algo
para um contexto diferente, tornando-o compreensível, mas sem alterar sua
essência. A forma como relevância se tornou um paradigma para a evangelização
leva ao risco da assimilação. Assimilação é a adaptação de algo a conceitos
alheios à sua natureza, alterando a sua essência. Muitos ardorosos defensores
do evangelismo relevante se tornam, na prática, promotores do evangelho
assimilado pela cultura contemporânea. O adventismo não recebeu a incumbência
de pregar um evangelho assimilado pelo mundo, mas de pregar o evangelho eterno
(Ap 14:7) buscando fazer isso de forma relevante. A pregação ao mundo (Ap 14:6)
se torna pregação contra o mundo, no sentido de anunciar um juízo universal, de
consequências eternas contra os pecadores impenitentes (Ap 14:8-11), conquanto
seja, simultaneamente, a pregação da salvação, convidando à saída de Babilônia
(Ap 18:4). Nesse sentido, a compreensão adventista de que todos as demais
denominações cristãs faziam parte de Babilônia os conduziu, desde as primeiras
décadas do movimento, a buscar evangelizar mesmo aqueles que já eram cristãos
praticantes, comunicando a eles o evangelho eterno, em sua pureza bíblica. O
retorno à Bíblia, que tratamos no item anterior, assim como a experiência de
RR, levam a integração ideal entre ensinos bíblicos e vida prática, tornando o
povo de Deus a testemunha para esta época. Qual a relevância da mensagem
adventista em um mundo pós-cristão e secularizado, onde há muitas “verdades”?
Como sempre, as pessoas precisam da salvação, quer cônscias disto ou não. E se
a salvação for oferecida por pessoas que a experimentam de forma substancial,
conquanto não sejam isenta de falhas, tanto maior será seu efeito sobre quem
tiver contato com a mensagem;
• Resgate
e desenvolvimento do pensamento dos pioneiros: o pensamento dos pioneiros
adventistas precisa ser redescoberto. Cada adventista deveria conhecer, à luz
da história do desapontamento, a construção teológica revolucionária que surgiu
após o evento. A partir das propostas iniciais dos primeiros adventistas, a
geração atual deveria prosseguir construindo, eliminando influências teológicas
evangélicas que são incoerentes com a mensagem do remanescente. Alguns parecem
ter urticárias à palavra “pioneiro”, temendo que, com isso, esteja implícito um
idealismo em relação a nossos primeiros teólogos. De fato, os pioneiros do
adventismo possuíam limitações e a história revela algumas delas. Se a
compreensão básica da fé adventista se formou até 1850, alguns pontos
controversos permaneceram por décadas, mostrando que, mesmo entre os pioneiros
do movimento, não havia total unidade de pensamento. Ocorre que muito do
revisionismo liberal que existe dentro do adventismo prefere focar as
divergências, tentando assim justificar que outras divergências mais profundas
na atualidade seriam saudáveis e mesmo necessárias ao adventismo como um todo.
A tese cai por terra quando somos levados a considerar que, ainda divergentes
em questões secundárias, os primeiros partícipes do movimento punham em patamar
indisputável o que consideram como os marcos do adventismo – justamente aquelas
doutrinas que, na atualidade, os liberais costumam questionar com frequência!
Ademais, a compreensão da verdade é sempre progressiva, o que se verifica no
desenvolvimento das doutrinas adventistas. Negar essas doutrinas hoje, sob a
alegação de que compreensão progressiva equivale a espírito progressista,
equivale a agir de má fé! Os progressivos avançam dentro de certas linhas de
trabalho, como no caso dos pioneiros adventistas; os progressistas retrocedem
porque ignoram as linhas de trabalho e as modificam constantemente, em muitos
casos, por orgulho acadêmico. O exemplo vivo disso está entre os mais reputados
estudiosos adventistas do livro de Apocalipse, muitos dos quais vêm abandonando
(sutilmente) o historicismo por outras interpretações mais aceitáveis
academicamente, o que lhes permite publicar em revistas de prestígio e receber
elogios do mundo erudito. Retornando à questão, quando se promove um retorno à
ênfase dos pioneiros, tem-se em mente que o que eles descobriram deve ser posto
como ponto de partida para novas descobertas bíblicas ou aprofundamentos
daquilo que já se aceitou. O ponto é: não podemos nos contentar com o que os
pioneiros disseram. Temos de seguir e avançar, com o mesmo espírito e
metodologia, sempre apaixonados pela verdade bíblica. Especialmente, muitas das
implicações da Verdade revelada precisam ser exploradas, complementando a
proposta teológica que o povo remanescente lançou em seu início;
• Ênfase
na mensagem distintiva do adventismo: não somos evangélicos, se entendermos
o termo da forma genérica como é aplicado no Brasil (ou no contexto
norte-americano, no qual mesmo os evangélicos tradicionais têm uma base mais
filosófica do que bíblica). De fato, os reformadores do século XVI agiram com
coragem ao se apartarem de Roma; contudo, eles não chegaram à uma compreensão
mais acurada, porque não era tarefa simples se libertar da influência
escolástica do romanismo. Os seguidores de Lutero e Calvino mantiveram muitos
de seus erros doutrinários: ainda concebiam Deus como um ser eterno e atemporal
(conceito da filosofia grega completamente estranho à Bíblia), a própria alma
era imortal (outra herança pagã) e a justificação pela fé não passava de um
decreto eterno da parte de Deus (ligada portanto com a predestinação, entendida
como uma escolha soberana de Deus independente da vontade humana). Se muitos
adventistas tradicionais elogiam a pregação dos reformadores é porque
desconhecem o quão pouco bíblica ela era! Evidentemente, os reformadores se
ergueram para defender uma volta às Escrituras, redescobrindo verdades
obliteradas por séculos. Dentro da luz que alcançaram, revelaram fidelidade ao
chamado divino. Aqueles que lhes sucederam não deram continuidade em examinar a
Bíblia. Por outro lado, a chamada reforma radical, de menonitas e anabatistas,
seguiu com mais coerência a mensagem de um retorno às Escrituras, originando o
espírito que depois levaria à formação do movimento mileritas e, por
conseguinte, ao movimento adventista sabatista. A mensagem adventista é tanto o
fruto dessa outra tradição, que detém o melhor dos reformadores, quanto o
resultado de contribuições de outros fiéis das épocas posteriores, como
metodistas e batistas do sétimo dia. Deus despertou indivíduos e grupos ao
longo da História para, finalmente, estabelecer o remanescente dos últimos
dias. A restauração da Verdade não aconteceu de maneira mágica; o processo
exigiu o esforço e a colaboração de homens santos de diversas épocas. O
movimento adventista não possui méritos isolados, porém é grande devedor de
reformadores, puritanos, metodistas, batistas, conexistas, mileritas e muitos
outros. Manter a identidade adventista não significa rejeição a priori de
contribuições de estudiosos evangélicos. Contudo, deveríamos ser seletivos
quanto à teologia e cultura (estilo de culto, gêneros musicais, shows, etc)
evangélicos, julgando-os a partir de nossa compreensão bíblica. Acima de tudo,
já é tempo quando as grandes verdades descobertas e suscitadas pelo estudo dos
cristãos fiéis que constituíram o adventismo devem ser transmitidas ao mundo
com urgência e propriedade. Os adventistas não foram levantados para apresentar
uma versão genérica do evangelho, nem se conformar com o presente século (Rm
12:2). Somos servos do mundo, os seres que mais precisam sentir o peso da
responsabilidade de pregar a Verdade presente (Rm 10:14);
• Participação
integral na missão: são notórios e bem vindos os diversos incentivos à
participação na obra missionária. A promoção dessas atividades, bem como sua
diversidade, são marcas tipicamente adventistas, ainda que estejam
desaparecendo em algumas geografias (especialmente na Europa). Há maravilhosas
oportunidades para quem se sente vocacionado a servir como voluntário, ajudando
em programas sociais e evangelísticos. Entretanto, redescobrir a missão envolve
(a) incorporar conscientemente a missão, (b) refletir biblicamente sobre a
missão e seus métodos e (c) verdadeiro amor pelos pecadores.
Certamente,
se poderiam apresentar medidas complementares para impedir que a adventismo
continue se diluindo. Aliás, o assunto mereceria um livro à parte. A despeito
de nossas limitações de espaço e consequente necessidade de concisão, acredito
que as medidas citadas ajudarão a impedir que nos tornemos esse tipo de sopa
rala que se vê no seio do movimento evangélico. Afinal, Deus despertou um povo
para ser Seu remanescente e não uma denominação cristã qualquer, anunciando
pobremente a salvação em uma esquina.
Leia também:
sábado, 5 de julho de 2014
COMPRE AGORA O SEU ADVENTISMO PASTEURIZADO, ESTÁ EM PROMOÇÃO - parte 1
As
igrejas cristãs são todas, sem exceção, parte da Babilônia mística (Ap 18). Os
pioneiros adventistas esposavam essa convicção controversa. Ao surgir o
movimento adventista sabatista, os conceitos mileritas serviram como ponto de
partida. E os mileritas criam que a rejeição do anúncio do retorno de Jesus
tornava a cristandade parte de Babilônia (Ap 14:8). Os adventistas sabatistas
mantiveram a ideia, mesmo quando, alguns anos após o desapontamento, a
principal corrente de ex-mileritas projetava o cumprimento dos três anjos (Ap
14) para o passado ou futuro.
Resumo
da ópera: o adventismo já nasceu em um contexto polêmico. Por alguns anos, os
pioneiros creram que o convite da graça se estendia não a todos, porém somente
aos mileritas (a teoria da porta fechada). Por esse motivo, os sabatistas
dirigiam sua pregação aos mileritas somente.
Por
outro lado, isso não significa que ele se isolaram em uma espécie de bolha
teológica. Os adventistas não ignoravam completamente autores e teologias
cristãs; eles faziam teologia em constante diálogo com tais fontes, em muitos
casos, usando uma abordagem polêmica (termo usado quando um corrente cristã
reivindica suas doutrinas reagindo contra uma ou mais correntes). A teologia do
nascente movimento adventista era sólida e solidamente inserida na tradição do
século XIX, ou seja, pertencia a uma bem arraigada tradição protestante.
Os
hinos cantados por eles consistiam em coletâneas de hinos evangélicos
populares, com acréscimos de hinos mileritas, muitos dos quais soariam atualmente
como parte de um culto das igrejas pentecostais. Aliás, houve muito empenho,
especialmente por parte do casal White, para conter manifestações fanáticas nas
primeiras décadas do adventismo. Demoraria até se estabelecer um conceito de
adoração mais ou menos homogêneo, embora persistisse a reminiscência de
manifestações carismáticas (como na década de 1960, 1980 e a partir do meio da
década de 1990). Isso não significou total desprezo por hinos tradicionais
cristãos, quando eles não divergissem da fé adventista.
Porém,
em suas linhas mestras, o clima do adventismo das décadas iniciais pode ser
descrito com a palavra desconstrução: às vezes é preciso destruir as paredes
para reformar uma casa. Logo, doutrinas como a trindade, por exemplo, sofriam
questionamento de autores adventistas, especialmente devido à compreensão
tradicional equivocada do assunto. De fato, os adventistas chegaram a crer na
trindade fazendo um caminho inverso, que os levou aos fundamentos bíblicos, a
partir dos quais atingiram nova compreensão sobre o assunto. Eles não eram
bisonhos como os anti-trinitarianos atuais, os quais alegam não poderem crer na
doutrina por não haver a palavra “trindade” em si nas Escrituras; ignoram que
teologia de fato não leva em conta somente as palavras, mas as ideias contidas.
A chave utilizada pelos adventistas sabatistas para crer ou rejeitar algo, ou
chegar a uma compreensão diferente sobre determinado tema era a investigação
bíblica.
Nem
tudo são flores, porém. O que aconteceu para o adventismo hoje possuir uma
acentuada dessemelhança em relação à perspectiva de seus pioneiros? Certamente,
as mudanças não vieram de uma vez, nem foram causadas por um fator isolado.
Talvez seja mais apropriado apresentar uma série de causas para as mutações dos
genes do adventismo, sem que isso implique chegar a uma conclusão dramática de
que tudo esteja irremediavelmente perdido. Afinal, se Deus suscitou essa obra,
é certo que Ele continua à frente dela.
Alguns
fatores, como a negligencia em áreas teológicas em detrimento do cumprimento da
missão (até hoje não temos uma eclesiologia adventista bem definida, por exemplo),
além da busca por parte de ministros e obreiros por formação teológica em nível
de pós-graduação em seminários evangélicos contribuíram para que se abandonasse
a ênfase em doutrinas distintivas. O processo se tornou mais evidente a partir
da década de 1950. Naquele contexto, o adventismo se esforçava para ser aceito
no seio do evangelicalismo, o que se percebe com o lançamento do livro Question on Doctrines (QD).
Fruto
do diálogo entre representantes do movimento adventista e líderes evangélicos,
o trabalho procurava conciliar as doutrinas adventistas com a tradicional
versão norte-americana do cristianismo. A contribuição positiva de QD foi quebrar
o preconceito em relação ao adventismo, fazendo com que ele perdesse a pecha de
seita, além de esclarecer as doutrinas adventistas em face de equívocos e
distorções. A contribuição negativa se deu com uma significativa mudança de
ênfase nos aspectos distintivos da mensagem adventista, levando quase à
conclusão que ele não pretendia nada de revolucionário ou novo, mas que, no
fundo, era mais uma igreja protestante norte-americana, com uma ou outra
doutrina sui generis.
Nas
décadas seguintes, o adventismo se aproximou ainda mais dos círculos
evangélicos, acarretando a crise sobre justificação pela fé, envolvendo Robert
Brinsmead, Desmond Ford e outros. Finalmente, as implicações desta crise
inicial geraram outra ainda mais severa, quando Ford atacou a doutrina da
purificação do santuário celestial. Claramente, alguns círculos adventistas
desenvolveram tamanha afinidade com o pensamento evangélico que uma revisão
doutrinária parecia iminente. Embora a denominação se fortalecesse com a
publicação de importantes obras reivindicando a posição adventista em assuntos
como santuário celestial e interpretação profética (publicados por uma comissão
especial, cuja sigla em inglês é DARCOM), dissensões e divisão de pensamento se
agravaram entre os adventistas.
Entre
os motivos que acirraram os novos conflitos no seio do adventismo, podemos
mencionar:
• Crescimento
evangelístico desacompanhado de discipulado bíblico: os adventistas
nasceram com uma missão. Organizaram-se em função de sua identidade,
estabelecida a partir de um chamado profético (Ap 14:6-12). Entretanto, ao
assimilar influências evangélicas, o evangelismo adventista foi deixando a
compreensão profética para adotar uma versão popular de existencialismo cristão
(até quando trata das profecias!). Essa pregação existencialista propõe uma
visão reduzida da salvação, excluindo o estilo de vida, fator que sempre marcou
a compreensão adventista. Aliado a isso, a falta de instrução bíblica acometeu
o adventismo. Mesmo a produção de livros e revistas denominais (que na América
do Sul é rigorosamente selecionada e apresenta uma qualidade superior em
relação a outras realidades) passa longe de atingir um povo que não foi instruído
a pensar biblicamente. Resultado: a denominação cresce exponencialmente em
número de membros, todavia possui cada vez menos pessoas comprometidas com a
missão e com os valores do estilo de vida adventista, o qual permanece
questionado e relativizado;
• Falta
de posicionamento claro em questões referentes à identidade adventista: professores
adventistas de teologia com acentuadas tendências liberais continuam lecionando
em seminários adventistas de referência, quer na Europa, quer nos EUA. Eles
gozam de total liberdade, influenciando jovens ministros e, por meio deles,
congregações ao redor do mundo. Livros de tendência progressista são publicados
por editoras adventistas e embora representam apenas a opinião de seus autores,
ganham aura de legitimidade, como se possuíssem um selo de aprovação
denominacional (não à toa, vivencia-se hoje uma crise editorial nas editoras
adventistas da América do Norte). Assim, o adventismo tem se multifacetado, se
dividindo e se tornado lento no cumprimento da missão profética para a qual foi
levantado;
•
A aculturação em face do mundo contemporâneo: o desafio de evangelizar os
centros urbanos, nos quais a esmagadora maioria da população mundial se
concentra, vem levando pensadores e líderes adventistas a adotar métodos que
aproximem o estilo de culto a padrões similares ao da cultura popular
contemporânea. Além disso, a influência da quase onipresente mídia social molda
os padrões de pensamento dos adventistas dentro de uma perspectiva secular, a
qual não é combatida por modelos racionais bíblicos (Rm 12:1-2).
Diante
deste quadro, ainda que brevemente esboçado, pode-se perceber os prementes
desafios com os quais o adventismo se depara. O movimento que nasceu em meados
do século XIX com tantas características peculiares, atravessa seu terceiro
século de existência repleto de embates internos e bastante influenciado pela
cultura ao redor, quer religiosa, quer secular. O que poderia resgatar dentro
do adventismo seus propósitos originais? Obviamente o assunto preocupa líderes
e pensadores do movimento. Cada adventista sério se preocupa com a diluição do
movimento. O que fazer?
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