segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

QUANDO OS FLINTSTONES ENCONTRAM OS JETSONS

Esses dias comentei com meu alunos alunos do Ensino Médio sobre o tuitaço com a tag #religiaoeciencia. Até onde acompanhara, a campanha via Twitter atingira o quinto lugar nos trending topics (lista que mede os assuntos mais comentados no microblog). Mas meus alunos me corrigiram: #religiaoeciencia chegou ao primeiro lugar!

Quantos de nós estamos preparados para alcançar uma geração que se comunica melhor pela internet e que tem assustadora familiaridade com a tecnologia? Não me refiro apenas à falta de entrosamento entre muitos líderes cristãos e as mídias sociais; falta mesmo é entender o modus operandi da chamada Geração Y – constituídas por pessoas nascidas a partir da década de 80 e que, segundo os estudiosos, viveram grande parte de sua vida em meio ao torvelinho do advento da era digital.

Em meio ao dinamismo da Geração Y, mais flexível em termos de valores, há um choque quase inevitável, já que seus hábitos conflitam com os das gerações anteriores (quem nunca brigou com um adolescente que houve música, enquanto resolve exercícios de Física, tuíta, fala ao celular e assiste TV, tudo ao mesmo tempo?!). Sob o signo pós-moderno, há de se ver cristãos mais bem preparados para responder às tendências e, sobretudo, aos desafios intelectuais suscitados pela época.

Na mais recente edição da revista Diálogo Universitário que recebi (a última lançada em 2010), li a respeito da intenção de formar-se uma sociedade filosófica adventista. O objetivo é auxiliar com apologética especializada o evangelismo da igreja. Evangélicos já fazem isso há décadas. Aqui no Brasil, essa abertura de mentalidade chegará com uns vinte anos de atraso (pelo menos, de forma oficial!...).

Infelizmente, aqui pelos trópicos, achamos que erguer as mãos enquanto se canta música pop evangélica é evangelizar a mente pós-moderna! Aqui, muitos administradores mantém a ideologia de que pastores têm de conhecer apenas a Bíblia. Sucesso, para muitos, é medido pelo quanto você batiza, mesmo que um número crescente de pessoas permaneçam inalcansáveis. O que estamos promovendo é um insólito encontro entre Flintstones e Jetsons, no qual os primeiros tentam evangelizar os últimos. Mas a intenção, assim como os referidos desenhos animados, não sai da ficção...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

MARCADOS PELO FUTURO - OPINIÃO DE QUEM JÁ FOI MARCADO

“Marcados pelo Futuro foi escrito tendo como base as cartas do apóstolo Pedro e tem como objetivos fortalecer nossa fé na segunda vinda e esclarecer como nos posicionar de maneira inteligente diante daqueles que são contrários à nossa fé."

Pr. Paulo Silva Godinho, Departamental de Ministerial Pessoal e Escola Sabatina da UEB, autor das séries de estudo bíblico Ouvindo a voz de Deus e Revelações do Santuário

“Douglas é naturalmente inquiridor e argumentativo. Seus artigos e o presente livro trafegam por temas complexos, mas nem por isto inteligíveis. Sua abordagem racional serve de excelente material para os jovens fortalecerem sua fé em meio ao ambiente acadêmico. Sua apresentação sobre as bases que constituem o homem pós-moderno nos faz pensar sobre quem somos, o que queremos e em que verdadeiramente devemos acreditamos. Vale a pena ler, grifar e pensar.”
Elmar Borges, líder de jovens da USB

“Como entender esta mente pós-moderna, que tem conquistado terreno em todo o mundo? Como viver uma religião segundo a vontade de Deus? A presente obra lida com tal problemática de forma clara e objetiva. Certamente, Marcados pelo futuro é uma obra indispensável para o ser humano que ainda ouve a voz de Deus ecoando em seu coração – para aqueles que se interessam por um Deus que se revela a cada dia, em cada segundo da existência humana.”
Marcelo Rodrigues Viana, Capelão e Pastor Auxiliar, Middle East University - Líbano

“Encravadas no interior do Novo Testamento, como pedras preciosas, estão as epístolas universais de Pedro – cartas que ainda hoje falam à nossa sociedade pós-moderna. Como bom garimpeiro, o pastor Douglas soube extrair as gemas da verdade contidas nessas cartas e exibi-las diante de olhos que precisam desse brilho de esperança. A leitura deste livro vai lhe mostrar por que a Bíblia pode ser considerada uma carta de amor sempre atual.”
Michelson Borges, jornalista e editor da Casa Publicadora Brasileira

“A obra do Pr. Douglas Reis tem uma característica interessante. É capaz de nos conduzir em direção ao profundo ensinamento teológico de uma maneira agradável e prática. Considero que a reflexão a respeito do período pós-moderno da sociedade em relação aos ensinamentos bíblicos mais elementares é oportuna. Um jeito leve mas, ao mesmo tempo, com argumentação consistente e fruto de séria pesquisa, faz deste livro uma obra a ser realmente apreciada e divulgada.”
Felipe Lemos, Jornalista - Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

SEM PRECISAR SE DESCULPAR

"[...] apologética não é a arte de dizer a alguém que você sente por ser um cristão. Ao contrário, apologética vem da palavra grega apologia, que significa uma defesa, como em uma corte legal. Apologética cristã envolve aceitar o caso pela verdade da fé cristã."

William Lane Craig, On guard: defeding your faith with razon and precision (2010), p. 11.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ATÉ AXE CAIU (NO MEU CONCEITO)

Para espanto de transeuntes e com força tal capaz de parar o trânsito, mulheres aladas (!) caem surpreendemente do céu. As beldades na verdade foram atraídas pela irresistível fragrância de Axe.

O comercial intriga muitos cristãos pela referência a anjos caídos. Na verdade, trata-se de uma metáfora poética de gosto duvidável. É fato que pela influência grega, as mulheres eram associadas com ninfas e musas, criaturas mitológicas de esplendor memorável. Com a influência da cultura cristã medieval, anjos passaram a ser evocados para representar a beleza feminina.

Tendo em vista isso, uma leitura possível do comercial é: as mais belas mulheres não resistirão à atração (ação exagerada pela imagem polêmica de anjos debandando do céu) provocada pelo desodorante.

Claro que, conscientemente ou não, o conceito de anjos caídos evoca a queda de Lúcifer (Is 14; Ez 28; Ap 12). O entendimento de tentação como sedução, sensualidade provocativa, de certa maneira, já povoa o imaginário de muitos comerciais (vide campanhas da DuLoren, por exemplo). Não seria de se estranhar que o binômio tentação/sedução se encontrasse nas entrelinhas da peça publicitária da Axe.

Seja como for, o exagero do comercial somente conseguiu criar uma piada sem graça, longe do reforço de masculinidade (ou melhor, de machismo) que pretendeu.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O ADEUS (NADA FENOMENAL) DE RONALDO


Decisivo. Um adjetivo que todo camisa nove gosta de ouvir associado ao seu nome pelos narradores televisivos. Ronaldo, em seu melhor, foi mais do que simplesmente decisivo. A raposa de Minas que o diga: o Cruzeiro revelou ao mundo o atacante dentuço e magricela (dá para imaginar?). Mais tarde, sua chuteira fenomenal era unânime na terra da velha bota durante sua passagem pela Inter de Milão. Ele também encantou no país das touradas, com o uniforme azul-grená. Nem por isso, foi menos galático ao jogar pelo maior rival do Barcelona, o Real Madri. Ronaldo ainda integrou o elenco do Milan, na época dono de uma galeria de brazucas. Mas o fenômeno já estava eclipsado por contusões.

Sua volta ao Brasil se deu sobre circunstâncias polêmicas. Já não era o Ronaldo goleador e veloz, mas um gordo folclórico, substituto ideal para o falecido Bussunda em comerciais de cerveja. O Ronaldo que saiu na mesma noite carioca acompanhado por três travestis, um para título de melhor jogador do mundo que ele conquistara num tempo so far! Faro de gols que é bom, muito pouco. Roliço e pouco ágil, só lhe restavam chutes dinamíticos e lampejos de sua fenomenalidade pretérita. Num destes raros momentos, marcou um gol esplêndido contra o Santos, durante o Campeonato Paulista (2009), arrancando elogios homéricos e deixando no ar a dúvida se o zagueiro que deveria marcá-lo saberia dizer a cor da bola...

Todavia, mais do que gols, Ronaldo aparecia na mídia relacionado a filhos, sendo Alexandre o último a ser reconhecido pelo atleta. Contundido, contou com a paciência da Fiel, que não costuma ser muito paciente com jogadores infiéis - à camisa do clube, para deixar claro. Nas últimas semanas, o corintiano sem libertadores (ué, não se acostumou ainda?!) e engasgado com a disputa do título brasileiro que voou das mãos do time no ano passado, passou a criticar Ronaldo. Muitos fizeram mais do que isso: escorraçaram, hostilizaram, odiaram o craque. Portanto, uma manifestação de raiva, digamos, fenomenal!

Além disso, houve o caso da troca de farpas internéticas entre Ronaldo e Neto, os dois gordinhos mais lembrados pelo torcedor do Parque São Jorge. No fim, parece que Neto decidiu a parada: o que ele pedia insistentemente, Ronaldo atendeu. Assim, terminou a carreira de um dos maiores jogadores dos últimos quinze anos. O que será do futebol sem Ronaldo? Bem, me arrisco a dizer que continuará como sempre. Dói afirmá-lo, mas Ronaldo já não fazia muito diferença dentro de campo. Ronald, um dos rebentos do jogador, percebeu isso e, na primeira oportunidade, usou a figura paterna para se aproximar do nome atual do jogo, o argentino Messi.

Se o futebol sem Ronaldo passará bem, obrigado, o que dizer de Ronaldo sem futebol? Diversos atletas seguem carreira como empresários, e parece que o inteligente fenômeno já tem feito isto, ligando-se a atletas como Neymar e Anderson Silva, outros dois artistas dos pés (cada qual a seu modo). Mas Ronaldo merecia o tratamento hostil de corinthianos e as piadas maldosas de jornalistas? Em sua despedida, ele mesmo revelou o hipotireoidismo, descoberto há quatro anos e responsável pela sua forma esférica, pouco atlética. Em meio a tudo isso, o jogador celebrado pela imprensa e homenageado por entidades e clubes do exterior pelos seus feitos, sai com um gosto amargamente francês (sim, a França não está entre as melhores lembranças do craque). Fica, sobretudo, a sensação de que Ronaldo poderia ter encerrado a carreira antes, conservando assim, na memória dos amantes da bola, aquela reverência que ele despertou um dia pelos sacrifícios que fez em nome do esporte e a admiração de todos, que lhe rendeu a justa alcunha de fenômeno.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

NÃO SERIA MAIS FÁCIL UMA PROFETISA COMPOSITORA?

Por estes dias, alguém fez um comentário à minha postagem Critérios para a Música Sacra. A pessoa, a qual desconheço, valeu-se de uma argumentação pífia, embora, talvez, bem intencionada. Eis a questão: se Ellen White recebeu luz sobre a música celestial, por que ela não nos deixou alguma composição? Ao fim, o comentário arrematava sugerindo que, na ausência de partituras de White, seria inútil discutir o que é adequado ou não em música sacra. Reservei algumas considerações sobre o tópico neste pequeno artigo, com a intenção de responder esta questão de forma um pouco mais abrangente, embora sinta já tê-la respondido de forma menos detida ao longo do tempo que mantenho o blog.

A questão em si é tola. Eu a correlaciono com a confusão generalizada entre princípios e aplicação, pontos distintos. Podemos discutir a música sacra dentro de uma grade composta por, pelo menos, três questões contingentes:

I. Há algum princípio que norteie a música sacra? De uma forma ou de outra, a maioria de nós que ainda carrega um cérebro admitiria que há algum tipo de princípio;

II. Que princípio ou princípios devem ser adotados? Este é um ponto que exige consideração e pesquisa e vêm suscitando debates intensos que, se mantida a verdadeira cortesia e amabilidade cristãs, serão de inestimável utilidade para a igreja;

III. Como adequar os princípios à realidade de uma igreja mundial? Outro ponto bem controverso, que exige maturidade , sensibilidade e oração, além de firme decisão em buscar as orientações reveladas por Deus em Sua Palavra.

Pelo que considerei acima, não creio que ter uma voz profética dotada de habilitação musical pudesse evitar conflitos de entendimento (ou de interesse!) entre cristãos que debatem questões ligadas à música sacra. Mesmo que Ellen White fosse uma musicista profissional (o que de fato não era), e tivesse legado partituras ou trabalhos técnicos sobre o assunto, possivelmente teríamos basicamente dois problemas: (a) alguns idolatrariam suas composições, tornando-as normativas a tal ponto de serem consideradas as únicas aceitáveis; (b) consequentemente, isso deturparia sua intenção de que os princípios contidos em suas hipotéticas peças musicais se adequassem a outros contextos culturais, dada a rigidez da aplicação de tais princípios.

Teço estes comentários meramente conjecturais baseado em conflitos de interpretação a respeito de suas declarações, nos quais Ellen White teve de intervir para esclarecer o que de fato tencionava (como no caso de quando ela declarou que os pais deveriam ser os únicos professores de seus filhos até que eles atingissem a idade de oito ou dez anos, por exemplo).

Temos de ressaltar um dado relevante: Ellen White escreveu sobre educação, mas jamais deixou um plano de aula para ser imitado pelos professores. Também encontramos entre seus escritos firmes declarações a respeito da reforma de saúde – conquanto ela jamais deixasse um cardápio sugestivo! Em todos estes casos, a falta de um modelo sugestivo mais específico para se aplicar a orientação profética não invalida a orientação em si. Os próprios profetas bíblicos exigiam reformas sociais sem elaborar planos político-sociais; clamavam por justiça, sem se dedicarem a tratados de jurisprudência. A revelação divina, por vezes, trata de princípios gerais, que ficam no aguardo da inteligência humana, guiada pela santificadora ação do Santo Espírito, para adequá-los nos mais diversos contextos.
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UM COM UM NOME

Um, o projetista que traçava sistemas sustentáveis.
Um, o construtor que erigia moradias seguras.
Um, o artesão que moldava formas atrativas.
Um, o músico que compunha sinfonias heróicas.
Um, o agrônomo que produzia safras abundantes.
Um, o alfaiate que cortava peças elegantes.
Um, o pai que educa filhos responsáveis.
Pelo nome de Iahweh se conhece esse Um-em-Si-Mesmo.
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PÓS-MODERNO: A RESSACA



“A embriaguez moderna abateu o homem contemporâneo na condição de ressaca pós-moderna.” Miguel Rubio, O contexto da modernidade e da pós-modernidade, in Marciano Vidal (org.), Ética Teológica: conceitos fundamentais (Trad. Jaime A. Clasen, Ephraim F. Alves; Petrópolis, RJ: Vozes, 1999), p. 127.

O RODA-RODOPIO



Todos saem da cama aos pulos, fazem fila para lavar o rosto em uma tina larga e se assentam à mesa, enquanto a mãe tira do forno os pãezinhos de batata, levemente impregnados com cheiro de fumaça, algo que provoca o interesse dos agitados garotos, que, entre risos, cochichos, se banham à luz sorrateira e crescente vinda da janela.
Josenoíno pisca para Joseantônio, em confirmação do pacto. No momento em que oram pelo pão, Joseantônio tem de conter seu riso traquinas. Aquelas ideias do primogênito sempre lhe rendiam alguns momentos de deleite imaginativo, daqueles que acometem as crianças antes de aprontarem. Josemaria, ao lado de Josenantônio ficou cutucando o irmão, rindo com ele. Às vezes, Josenoíno censurava os dois cúmplices, olhando-os do outro canto da mesa, para que o plano alcançasse êxito. Ao lado do mentor do grupo, Mariacândida aproveitou o fim da oração para comer seu pão coberto de manteiga produzida em uma fazenda vizinha. Ela era a segunda mais velha da casa, mas pouca ascendência possuía sobre os meninos. Seu gênio brando contrastava com a índole enérgica da mãe, cujas palavras saíam severas, como as das demais mães de outrora, quase sempre a sobrepor disciplina à candura.
Ao lado da mãe, Mariazeferina pensava na trama dos irmãos. Queria tanto ser amiga deles, mas, nas horas em que brincavam pelo campo, a mãe exigia que ela ajudasse carregando a bacia com roupas para o rio. Mariazeferina já estava na idade em que sua inteligenciazinha percebia que a mãe a treinava para ser moça responsável apenas porque ela não era tão bonita quanto Mariacândida. A evidência? A mais velha realizava sempre as tarefas mais leves. Anos mais tarde, Mariacândida formou-se em direito e chegou a se tornar uma famosa advogada – aliás, a única entre todos os irmãos que chegou a graduar-se em nível superior. Nunca se casou.
Na outra ponta, entre desconsertado e alienado, estava Joãojerônimo, que vinha depois de Mariacândida. Os vizinhos diziam que ele deveria ter algum probleminha, embora o assunto jamais chegasse a ser comentado muito próximo da fazenda em que o garoto morava com a família. Tabu de outros tempos. Joãojerônimo sai logo após o desjejum com os irmãos, fato inédito. Foram para uma colina, na extremidade das terras do pai. As árvores eram sisudas, o rio lá embaixo translucidamente enrugado pelo vento. Os meninos piscavam entre si, rindo tão desenfreadamente que Joãojerônimo ria com eles, sem saber que ele era o motivo da graça toda. E tudo tinha que ver com um pneu, ali perto, não casualmente depositado na véspera sob o comando de Josegenoíno. Bastava um sinal…
Trouxeram o pneu, um baita exemplar de um caminhão Ford. Estava coberto por limo recente e cheirava borracha queimada. Os irmãos ouviam empolgados Josegenoíno contar da brincadeira que inventara – chama-a “roda-rodopio”. Perguntou se havia alguém dos irmãos que teria coragem de entrar na roda com ele. Seguiu-se um silêncio ensaiado. Inocentemente, Joãojerônimo levantou a mão, extasiado. Todos os irmãos o aplaudiram, com malícia e galhofa (não que ele percebesse). Todos se ofereceram para ajudá-lo a se acomodar no interior do pneu. Josegenoíno, este mal continha o riso.
Em poucos instantes, as crianças empurraram o pneu ladeira abaixo. Todos viram seu irmão descendo vertiginosamente. Era algo muito gozado ouvir os gritos de Joãojerônimo, que somente agora percebia estar só no pneu. No fim da ladeira havia uma curva acentuada à direita, a qual era interrompida por uma árvore enorme. As crianças esperavam ver o pneu fazer a curva e trombar com o tronco da árvore. Seria cômico, daquelas coisas que faz a gente rir por muitos anos. Mas algo deu errado…
Ninguém combinou com o pneu que ele teria de acompanhar a curva. Como descia embalado, ele continuou em linha reta, atravessando um cercado, e indo finalmente parar em um lago. Nesta hora, os risos se tornaram gritos de desespero. Os meninos desceram desesperados a ladeira, e chegaram no lago, a ponto de ver o pneu boiando. Joãojerônimo conseguira sair e estava longe do “roda-rodopio” dos irmãos. Poderia nadar até o pneu e boiar com ele. Poderia, se soubesse nadar. Seus gritos passaram a exprimir um pânico gigantesco.
Ninguém sabia o que fazer direito. Alguns tentavam incentivar Joãojerônimo a nadar para a margem, mas seus gritos mais o faziam desesperar-se! Josegenoíno estava quase aos prantos, pensando no que aconteceria com ele quando a mãe soubesse de quem partira a ideia do “roda-rodopio”. Naquele momento, Josemaria tirou a camiseta e se lançou às águas. Com braçadas firmes de menino de sítio, logo alcançou o irmão, que, desde a entrada súbita no lago, bebera água por um mês inteiro!
Os outros irmãos conseguiram um galho seco. Estenderam-no a Joãojerônimo e seu salva-vidas quando os viram mais próximos da margem. Ao passar o susto, voltaram para casa. Ninguém dava um pio.

No zênite, Mariazeferina veio correndo, avisar Joãojerônimo que o almoço estava servido. Ele se acorara perto do pasto, achando paz na contemplação dos bovinos. “Você já soube?”, ele quis saber. “Já”. Depois de alguns instantes, Mariazeferina sentou-se ao lado do irmão, ainda encharcado. “Não liga, não. Agora, você faz parte do grupo deles. Quem me dera me jogassem no lago…”

domingo, 6 de fevereiro de 2011

CRISTÃOS ORAM COM MUÇULMANOS NO EGITO: ETHOS COOPERATIVO



Muçulmanos e cristãos egípcios rezaram juntos neste domingo (6) na emblemática Praça Tahrir, no centro do Cairo. O local virou a fortaleza dos manifestantes que, durante 13 dias, exigiram a renúncia imediata do contestado presidente Hosni Mubarak.

Os muçulmanos realizaram primeiro sua prece diária do meio-dia, ajoelharam-se em direção a Meca, numa praça onde se produziu uma batalha campal na quarta-feira passada, quando milhares de partidários do presidente entraram em Tahrir para desalojar os opositores.

Depois, um grupo evangélico entoou duas canções, uma delas pedindo a paz, enquanto milhares de pessoas agitavam a bandeira egípcia fazendo um V da vitória com as mãos. Em seguida, um religioso cristão, Ihab Jarrat, leu através de alto falantes alguns salmos, concluídos com um "amém" geral.

Egípcio ora prostrado sobre bandeira do país na Praça Tahrir, neste domingo (6); em seus óculos escuros, o crescente, símbolo do Islã, e a cruz, símbolo do cristianismo. Milhares de manifestantes aproveitaram a oportunidade para lançar a mensagem de que as duas religiões estavam unidas contra Mubarak.

"Os muçulmanos e os cristãos do Egito, a Crescente Vermelha e a Cruz, dizem vá embora, presidente", declarou Jarrat, filho do escritor egípcio Edward Jarrat.

Imediatamente, a multidão entoou o lema habitual: "Mubarak, vá agora".

Os cristãos representam entre 6 e 10% dos 80 milhões de egípcios. A maioria é formada por coptas ortodoxos, cujo patriarca Shenuda III pediu aos fiéis que não participassem das manifestações. Os protestos já deixaram mais de 300 mortos desde 25 de janeiro, segundo as Nações Unidas.

Nota: Mubarak, o teimoso da vez, tem a seu favor o alto índice de influência ecumênica: conseguiu unir cristãos e muçulmanos, feito que fóruns, ativistas e anos de diálogo interreligioso não lograram atingir! Analisando o ocorrido, parece-me justo que cristãos cooperem com adeptos de outras religiões a fim de promover paz, justiça e o bem-estar comunitário, desde que tenham a liberdade de manter íntegras suas perspectivas peculiares sobre o assunto em pauta. Isso não envolve perda de identidade (posta em risco pela faceta mais radical do ecumenismo), mas empatia diante de necessidades comuns. E a crise no Egito, sem dúvida, tornou-se involuntariamente o exemplo de uma sitz in lieben que exige um ethos cooperativo da parte dos cristãos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O PORQUÊ KAREN ARMSTRONG NÃO CONSEGUE DEFENDER A RELIGIÃO


A revista Veja desta semana (edição 2202, ano 44, no 5) comenta a chegada do livro Em defesa de Deus, da ex-freira Karen Armstrong. A matéria intitula-se O paraíso perdido da fé (p. 106-107) e é assinada por Jerônimo Teixeira. Há mais de um ano, nosso blog comentou a tentativa frustrada (e frustrante) de Armstrong em defender a fé cristã, de uma perspectiva diversa daquela presente no texto da Veja. A chegada da tradução em Português do livro apenas oportuniza que o leitor confira por si próprio a tese da autora.

De minha parte, reitero: a apologia de Armstrong à religiosidade, independente de quanta erudição ela possua (o que chega a ser impressionante), se dá sob falsas premissas. Para ela, a religião não tem de ser verdadeira, autêntica, ao contrário: trata-se somente da expressão inexata de um sentimento relacionado à espiritualidade latente no homem. Parafraseando a autora, Jerônimo Teixeira escreve que a “religião constitui um patrimônio simbólico”, o que não quer dizer que fosse entendido pelos autores bíblicos como algo objetivamente factual. Se for realmente assim, quais seriam as consequências?

Se a fé judaico-cristã se resume à história espiritual de um povo, os neoateus estariam cobertos de razão em descartá-la como fonte de conhecimento real, orientação moral e essencialmente significativa para a experiência humana atemporal. Não nos esqueçamos de que mesmo Dawkins atribui às Escrituras valor estético e literário – embora não duvide de que tudo, no final, se reduza a um mito. Mas, para além das resultantes lógicas do pensamento de Armstrong, como poderíamos analisar seu arrazoado per si? Sustento que a principal falha de Armstrong transpareça na metodologia empregada.

Armstrong adota a base crítico-racionalista, que impõe limitações ao texto bíblico, negando a existência do sobrenatural e envolvendo o processo de composição da Bíblia (que, para os cristãos, é fruto da Revelação) num desenvolvimento histórico totalmente dependente da cultura da época, a ponto de ter seu conteúdo determinado pelos fatores sócio-culturais. Mas, ao contrário do que afirma a estudiosa, descobertas arqueológicas reiteram o que a Bíblia afirmou, em termos de localização de cidades, costumes da época e situações específicas.

Tome-se como exemplo do Êxodo. Os eruditos que estudam o texto bíblico têm-se curvado diante das evidências (e mesmo muitos dos estudiosos liberais). Assim, a data para a composição do livro de Êxodo fica, a contragosto dos teólogos racionalistas, recuada, uma vez que, ao que tudo indica, não poderia ser um relato pseudo-histórico composto no período babilônico (como advogavam aqueles teólogos). Sabe-se que narrador do Êxodo tinha familiaridade com a língua, costumes e geografia do Egito do período posterior à expulsão dos hicsos. Isso quer dizer que o autor bem poderia ser o próprio Moisés, a quem a Ortodoxia atribuíra a escrita do Pentateuco, posição questionada apenas com o advento da Alta-crítica racionalista. E aqui consideramos um de muitos outros exemplos que poderiam ser mencionados.

A fé cristã depende da confiabilidade das assertivas bíblicas. Os melhores estudos vêm confirmando um alto grau de credibilidade histórica destes textos. Em anos recentes, partidários do liberalismo teológico se viram obrigados a rever seus pareceres dogmáticos. Quando Karen Armstrong faz afirmações altamente liberais sobre o texto, passa por cima os estudos mais recentes de crítica textual. Teixeira percebe isso. Ele comenta, ironicamente, sobre as afirmações taxativas da autora sobre datação (recente, segundo os liberais) e mentalidade dos textos bíblicos: “Não fica claro como Karen obteve acesso privilegiado à mente dos redatores do Antigo Testamento” (p. 107).
A tentativa de justificar o Cristianismo protagonizada pela autora de Em defesa de Deus acaba tendo uso contrário do pretenso na mão daqueles que querem atacar à fé.

Felizmente, os argumentos dela são tão irrazoáveis que, se não servem para defender a fé, dada sua inconsistência, se usados para o fim inverso, acabam sendo facilmente rebatidos por quem se encontra bem informado. Acima de tudo, não há indícios de que Deus precise de defensores, ou mesmo de nossa submissão a Seus propósitos – afinal, mesmo “o que de Deus se pode conhecer, […] Deus [nos] manifestou” (Rm 1:19). E a revelação de Deus, embora esteja além de nossa razão, é substancialmente cognoscível e racional. Basta que o homem a investigue com isenção de ânimos.