terça-feira, 27 de julho de 2010

A ÚLTIMA PARADA

O local da tragédia: torre de babel hodierna

O que seria uma festa tornou-se tragédia. Durante a Love Parade, a maior festa de música eletrônica do mundo, um tumulto coletivo causou a morte de pelo menos 20 pessoas e feriu mais de 500 outras. O festival aconteceu na cidade alemã de Duisburg, no último sábado.

O portal R7 informou ter ocorrido um “surto coletivo” próximo ao palco principal, em um túnel. [1] Numa versão hodierna da torre de babel, pessoas desesperadas pediam socorro em diversos idiomas, enquanto se pisoteavam no túnel. O jornal El país, ao comentar um vídeo feito por vítimas a partir de um celular, apurou que “o aborrecimento com as autoridades, as quais descartaram que a falta de saídas, de espaço e ar causaram um ambiente de terror, constituiu o tom geral dos comentários feitos em redes sociais e dos testemunhos recolhidos” pelo próprio jornal. [2]

De fato, cresce a pressão sobre autoridades e organizadores do evento, de tal maneira que já se decidiu: a fatalidade se tornou a última edição da festa começada em 1989. Não haverá mais a Love Parade. [3]

A forma como se divulgaram as notícias foi outro fator que desagradou a população alemã. Especialmente a veiculação de fotos das vítimas, feitas pelo jornal Bild. [4] Parece que o impacto dos fatos e a comoção causada já foram suficientemente dolorosos, sem a necessidade do sensacionalismo peculiar à mídia.

Festas gigantescas que atraem pessoas de diversos lugares têm se tornado prática comum em centros urbanos ou locais abertos de fácil acesso. Em muitos casos, não há preocupação com a estrutura do evento, especialmente no quesito segurança. Ao mesmo tempo, fica a dúvida sobre o que teria causado o pânico em Duisburg: teria a própria música contribuído para o clima de histeria? Resta que as autoridades alemãs apurem o ocorrido, e novas informações venham à tona.

Num mundo que se entrega sofregamente ao prazer inconsequente, tragédias semelhantes à vista na Love Parade revelam a fragilidade tanto da vida humana quanto dos objetivos de uma geração intoxicada com diversão, orgia e escapismo. Infelizmente, para muitos daqueles que afluiram para Duisburg no último sábado, aquela foi sua última parada.


[1] Número de mortos em festival alemão sobe para 20, disponível em http://noticias.r7.com/internacional/noticias/numero-de-mortos-em-festival-alemao-sobe-para-20-20100726.html .
[2] Anna-Maria Holain, Gritar socorro en varios idiomas, disponível em http://www.elpais.com/articulo/internacional/Gritar/socorro/varios/idiomas/elpepuint/20100726elpepuint_1/Tes .
[3] Sobe para 20 número de mortos no Love Parade da Alemanha, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,sobe-para-20-numero-de-mortos-no-love-parade-da-alemanha,586290,0.htm .
[4] Abordagem da imprensa na tragédia de Duisburg gera críticas, diposnível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/07/abordagem-da-imprensa-na-tragedia-de-duisburg-gera-criticas.html .

domingo, 25 de julho de 2010

CORAGEM, MAGNO!


Ele percebeu quando o segurança o acompanhava com os olhos. “Morra de inveja”, chegou quase a dizer. Magno saía do estacionamento do banco, manobrando confiante. Poucos tinham um uno novo. Ele, que economizara tudo por aquele carro, agora arrancava olhares de todos.

Ao entrar na via, Magno olhou para a sua esquerda e, como o movimento estava favorável, arrancou. De súbito… ainda atordoado, sem saber o que lhe ocorrera, ele se volveu para a frente. Uma Kombi, uma maldita Kombi!

Verônica estacionava quando o Uno, saído do estacionamento do banco, pegou-a desprevenida. Ela nunca batera o automóvel. O que o marido diria?…

“Sua maluca, não enxerga, não? Tirou a carteira por telefone?” antes que Verônica conseguisse esboçar qualquer desculpa, uma enxurrada de impropérios voava do desconhecido. Em sua timidez, ela virava para os lados, reparando em quantos transeuntes paravam para ouvir o dono do Uno brigar com ela.

Desconcertada, Verônica recobrou ainda a fala. “Olha, moço, me desculpe, Já? Eu juro que não vi…” Parecia que a garota houvesse recém chegado da China para um intercâmbio. Baldados eram seus esforços, pois Magno, espumando, por pouco não lhe atacava.

Verônica começou a chorar. E não tinha quem lhe oferecesse um sudário ou pano que fosse! Magno, a princípio, conteve-se. Começou a rondar seu carro, num ritual próximo ao da “dança da chuva”. Porém, ao tocar no para-choque torto, sentiu subir-lhe nova onda de raiva.

Sentindo-se desconsolada e incompreendida, Verônica resolveu tirar o celular da bolsa. Falou rapidamente com o marido. Enquanto Magno lhe atacava com maior veemência, ela só retrucava: “Calma, moço! Meu marido já vem para acertar as coisas com o senhor”.

Dali a dez minutos, Magno só conseguia bufar. Perdera a voz. Rouco e contrariado, montou guarda no veículo amassado. Foi nesta hora que um Fusca estacionou atrás de seu carro. Desceu dele um senhor, compleição macia. Aparentava quinze anos a mais do que a moça. Ela não era nenhum espécime raro, uma modelo ou mulher-fatal, mas tinha seus encantos. O nariz arrebitado dava um ar non-sense, justamente o que faltava ao marido. Seus olhos pareciam conhecer os palmos do globo e as rotas do ponteiro infatigável do relógio.

“Oi, amor”. Veio e abraçou Verônica. Era, agora, quase como um pai consolando a menina arteira. Fê-la entrar no carro. Magno sentiu-se ignorado. E correu até o homem.

“Um momento!” Deteve-lhe o distinto marido de Verônica. Depois, encarando-o de frente, inquiriu: “Então, minha mulher bateu no seu carro novo?” Magno concordou, surpreso pela paciência do senhor. O homem tirou da valise um talão de cheque. “E quanto é esse seu carro?” Magno deu-lhe o valor. Já começava a se queixar, quando um cheque, no valor do veículo batido, pousou em sua mão. “Seu carro agora é meu, rapaz.”

Magno, visivelmente senhor de si, já se preparava para sair. “Mais uma coisa, antes que você se vá.”

Magno se aproximou. Agora, era ele quem assumia o aspecto de uma criança prestes a ouvir a reprimenda paterna. “Homem valente como o senhor é o que eu preciso lá no meu sítio. Homem que encare essa gente dos sem-terra e os vagabundos que invadem minhas propriedades. Sabe como é, não faltam destes maconheiros por aí, que passam as noites nos meus galpões.”

“Como assim? Acho que o senhor está entendo mal… Eu trabalho em uma loja, sabe?”

“Entendo, você só sabe gritar com mulher, não é?” Magno não sabia o que responder. Mas não foi preciso: o homem saiu na Kombi com a mulher e ele, arrostando o cheque, caminhou até sua casa.

sábado, 24 de julho de 2010

O RISCO DE UM CRISTIANISMO PÓS-MODERNO: O CASO DE LEONARDO BOFF



O ideal de normatização, segurança e conhecimento por meio de técnicas que proporcionem o domínio da natureza marcou a Modernidade. Quando o desenvolvimento tecnológico se revelou dúbio (na ocasião das duas grandes guerras mundiais) e a Ciência ineficaz para solucionar todos os dilemas, a Modernidade entrou em colapso. A partir de então, entramos no período Pós-Moderno. O secularismo (perda do sentido religioso) cedeu lugar a uma espiritualidade difusa. A busca pela Verdade se tornou a tolerância entre muitas verdades (regulamentadas por comunidades interdependentes). O prazer pessoal passou a ser um modelo de vida, substituindo a antiga moral social.[1]
Neste âmbito, o Cristianismo enfrenta o desafio de perder sua relevância. Diversas abordagens evangelísticas são propostas para os novos tempos. Ao mesmo tempo, corre-se o risco de sofrer a influência da mentalidade pós-moderna, a qual, inevitavelmente, prevalece sobre certas denominações e indivíduos cristãos.
No presente artigo, abordaremos o risco de nos tornarmos cristãos pós-modernos, exemplificando a questão com o caso do teólogo Leonardo Boff, ex-frei franciscano e um dos proponentes da Teologia da Libertação. Tomamos com base entrevistas dadas por Boff a setores da imprensa e seu mais recente livro, Ética da Vida.[2]

ENGAJAMENTO CONTRA O CRISTIANISMO “ACIDENTAL”
                                                                                                                              
Leonardo Boff permanece como um dos mais influentes teólogos latinoamericanos contemporâneos. Juntamente com Gustavo Gutiérrez e demais pensadores católicos, Boff contribuiu para a criação da Teologia da Libertação, conforme ele próprio depõe: “[…] Foi na ebulição latinoamericana, na década de 1970, depois de assumir a cátedra de teologia em Petrópolis, e nesse contexto que junto com outros elaboramos a teologia da libertação.” Para o ex-frade, a Teologia da Libertação (TL, doravante) teria “um olho na realidade conflitiva” (injustiça social) e outro na “reflexão crítica moderna”.[3]
No centro dessa teologia, se acha o pobre, que luta e sofre, elemento que constitui, na avaliação de Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, o seu caráter “pré-teológico”. Carvalho chama a atenção para o aspecto revolucionário da TL, uma vez que a única forma de romper a opressão (e “libertar o pobre”) se dá com a ruptura do sistema opressor.[4] Um reflexo disso no Brasil está na íntima relação entre a TL e o Movimento dos Sem-Terra (MST). “[…] O MST nasceu da Igreja[Católica] [,] mas hoje tem um curso próprio. É importante que a Igreja tenha lhe dado uma mística e que continue como aliado leal, mas é independente.” [5]
Por sua forte influência marxista e seu ativismo político-social, a TL foi condenada pela igreja Católica e Leonardo Boff, em virtude da imposição do “Silencioso Obsequioso”, renunciou seu ministério em 1993. Na época, o coordenador do processo contra o ex-franciscano foi Joseph Ratzinger, eleito papa em 2005. Atualmente, Boff continua a lecionar, escrever, dar palestras e participar de comunidades de base. Ele explica seu engajamento divisando dois fazeres teológicos: o primeiro, preocupado em aprofundar as questões da fé e o segundo, que se ocupa com as questões do mundo. Em sua visão, a Teologia deve “pensar os problemas humanos e sociais, sempre, lógico, à luz da pertinência da fé.” Caso contrário, se a Igreja Ocidental “não se preocupar em adaptar-se às transformações do mundo, ela ficará cada vez mais acidental.”[6]

CRISTIANISMO SEM VERDADE

Boff reconhece que há “uma mudança de paradigma civilizacional”. O novo período, que a mídia tem inaugurado com seu papel “quase messiânico”, é a “fase planetária”. Enquanto a cultura ocidental “homogeneizou toda a humanidade” com violência (o que, diríamos, corresponde à Modernidade), surgiram desigualdades. A solução? “[…] A saída é uma democratização da democracia. […] Fazer participar o mais possível todo mundo em todas as coisas que interessam a todos. A consequência é mais igualdade e mais satisfação geral.”
Para a igreja participar positivamente deste processo, ela tem de aprender a dialogar. “[…] Ou nos abrimos e dialogamos, com os riscos inerentes, ou então nos fechamos seremos condenados à fossilização, ao dogmatismo, e novamente ao fundamentalismo e às guerras religiosas e ideológicas.”[7]Aqui, com maestria, o teólogo define o dilema do Cristianismo, em geral, perante os desafios do Pós-Modernismo – ou dialogar ou contentar-se com a irrelevância; porém, se o enunciado do problema ficou claro, o que dizer da resolução apontada?
Antes de respondermos à pergunta, devemos entender os termos que Boff propõe para o diálogo religioso. Ele defende que o “cristianismo tem que ser uma coisa boa para os seres humanos e não só para os cristãos.” [8] Perguntado pela revista Veja sobre a questão do aborto, o teólogo responde que a “Igreja não tem o monopólio da ética e da verdade.” [9]Em outro momento, Boff declara ser “preciso que a Igreja abdique do monopólio da verdade, que ela não tem.” [10]Como, então, conhecer a verdade religiosa, se não através da mensagem cristã? [11]
Em seu livro, Ética da Vida, Boff faz afirmações semelhantes, mas de uma forma mais generalizada, aplicando o que havia dito sobre o Catolicismo ao Cristianismo como um todo. Ele argumenta que, “renunciando à sua pretensão de deter o monopólio da verdade religiosa”, o Cristianismo pode dialogar com “outras tradições religiosas”, o que servirá para “perseverar o que há de mais sagrado nos seres humanos, isto é, seu sonho para cima, sua transcendência, sua abertura para Deus.” Esse diálogo é fundamental porque “cada cosmologia, como produz uma imagem do ser humano, produz também uma imagem de Deus”, [12] o que, em última análise, compreende a resposta para o homem pós-moderno, aquele que “procura uma cultura espiritual na qual o ser humano em sua subjetividade e gratuidade ocupe um lugar mais central.” [13]
E quanto a Deus? DEle “não se pode dizer nada, porque todos os nossos conceitos e palavras vêm depois e derivam do universo. E queremos falar Daquele que é antes do universo. Como?” [14] Em outro artigo, o tema é ampliado: o escritor afirma que o Ser Supremo “não pode ser tão transcendente, pois se assim fosse, como saberíamos Dele? […] Anunciar um Deus sem o mundo [i.e., sem ter qualquer relacionamento com o mundo criado] faz, fatalmente, nascer um mundo sem Deus”; por outro lado, a imanência absoluta é descartada. “[…] Se Deus existe como as coisas [do mundo físico] existem, então Deus não existe. Ele é o suporte do mundo, não porção dele.” Resta então conceber a realidade de Deus como transparência, a qual “afirma que a transcendência se dá dentro da imanência, sem perder-se dentro dela […]”. Em síntese, Deus continua “uma realidade concreta, mas sempre para além de qualquer concreção.”[15]
Em meio à uma releitura do Cristianismo, sob lentes místicas, que se apropria de elementos de outras religiões, Boff cita o trecho de uma conversa que teve com o Dalai Lama, para dizer que a religião verdadeira é a que nos faz melhores, a “que nos faz compassivos, abertos, sensíveis e expostos à vulnerabilidade de todas as coisas. A que nos faz mais descentrados do nosso eu.” [16]Com isso, se conclui que alguém não precise ser particularmente um cristão a fim de atingir a espiritualidade “onienglobante” [17]defendida por Boff.


NOVA EMBALAGEM, MESMA ESSÊNCIA

A proposta de Boff nos leva a questionar o quão cristão seria um Cristianismo que abrisse mão de seu exclusivismo, sendo que mesmo Jesus era um exclusivista – Ele declarou ser a “Verdade”, o Único meio de acesso a Deus (Jo. 14:6) e que a Vida Eterna seria alcançada somente por quem se relacionasse com o Deus Verdadeiro e Ele, Seu representante (Jo. 17:3). Além disso, Jesus identificou a Bíblia como a própria Verdade revelada (Jo. 17:17). Por toda a Bíblia, profetas, apóstolos e mesmo Jesus lutaram para estabelecer limites bem definidos para a Verdade, em oposição declarada às religiões pagãs, ao sincretismo religioso e a heresias dentro da fé. Seria impossível, desta forma, conciliar Cristianismo e Pós-Modernismo, porque a fé cristã reivindica possuir uma Verdade absoluta, revelada por Deus e aplicável ao qualquer ser humano em qualquer época.[18]
De que outra maneira responderíamos ao dilema levantado por Boff – ou o diálogo com a cultura ou o isolamento? Sem dúvida, os cristãos não podem se isolar. Entretanto, o diálogo não deve significar perda de identidade e consequente abandono da missão (Mt. 28:19-20). Lembremo-nos de que, ao enviar Seus discípulos ao mundo, Jesus sabia de potenciais conflitos religiosos que eles enfrentariam; mas não bastava a pregação a pessoas não-realizadas com suas crenças culturais – todos deveriam ouvir e ser persuadidos, e os que aceitassem se converteriam da autoridade de Satanás para o senhorio do Deus Único (At. 26:29). Jesus, afinal, não é Senhor dos cristãos; Ele é o “Senhor de todos” (At. 10:36).
Assim, as estratégias podem se adaptar ao momento, nunca a mensagem. “[…] Relacionamentos, amizade, amor e cuidado pelo semelhante são muitíssimo importantes para todo discípulo de Cristo, mas não são tudo o que representa o cristianismo”, escreve Aleksandar Santrac. “[…] Se utilizarmos linguagem pós-moderna ou vocabulário não ameaçador, nunca devemos fazer isso a expensas da verdade como revelada na Palavra de Deus.” Santrac continua lembrando que evangelismo da amizade não substitui o evangelismo doutrinário, porque Jesus praticou ambos.[19] Semelhante a algumas marcas que, ao renovar determinado produto, inovam apenas na embalagem, o Cristianismo do século XXI precisa de nova embalagem para o mesmo conteúdo – a Verdade de Deus, ainda necessária no mundo pós-moderno.

[1] Para um resumo do desenvolvimento do Pós-Modernismo e suas consequências sobre a espiritualidade contemporânea, ver: (a) Douglas Reis, Paixão Cega: o herói que precisou perder a visão para enxergar (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), especialmente as pp. 8-20; (b) idem, O que há de errado com a máquina do mundo (e porque o mundo passou a ser visto como uma máquina)?, primeiro capítulo de Marcados pelo futuro: vivendo na expectativa do retorno de nosso Senhor (Niteroi, RJ: Editora ADOS, no prelo).
[2] Leonardo Boff, Ética da Vida: a nova centralidade (Rio de Janeiro, RJ: Editora Record ltda, 2009).
[3] Apolinário Ternes, “A igreja é autoritária, se recusa a ouvir o seu povo”, entrevista com Leonardo Boff, A Notícia, 29 de Setembro de 1997, p.G3.
[4]Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, O dualismo natureza graça e a influência do humanismo secular no pensamento social cristão, em Cláudio Cardoso Leite, Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, Maurício José Silva Cunha (org.), Cosmovisão cristã e transformação: espiritualidade, razão e ordem social (Viçosa, MG: Ultimato, 2006), pp. 144, 151. Para uma análise mais completa da TL, ver Amin, R. Rodor, The impact of Liberation Theologies on the church, Kerigma, Ano 4 - Número 2, 2º. Semestre de 2008, pp.42-75, disponível em http://www.kerygma.unasp-ec.edu.br/artigo8.03.asp .
[5]Márcia Feijó, Metáforas de Leonardo Boff, Diário Catarinense, 27 de Agosto de 1997, Variedades, p.5, box Opiniões de um cidadão engajado.
[6]Apolinário Ternes, Op. cit., p. G2.
[7]Idem, G3, G2.
[8]Márcia Feijó, Op. cit, p. 4.
[9]Ernesto Bernardes, Teologia da colisão, entrevista com Leonardo Boff, Veja, 16 de Agosto de 1995, p.8.
[10]Apolinário Ternes, Op. cit., p. G2.
[11]Vale lembrar que, para a Igreja Católica, a Verdade religiosa se relaciona com, pelo menos, três elementos: as escrituras, a Tradição, e a autoridade do Papa. Indiferente disso, Boff parece criticar não apenas a pretensão católica à verdade, mas à própria definição cristã de verdade, como ficará claro a seguir.
[12]Leonardo Boff, Op. cit, pp. 113, 81.
[13]Apolinário Ternes, Op. cit., p. G3.
[14]Leonardo Boff, Op. cit., p. 95.
[15]Leonardo Boff, Transcendência e transparência, A Notícia, 15 de Dezembro de 2007, p. A2.
[16]Apolinário Ternes, idem.
[17]Leonardo Boff, Ética da Vida, p. 83.
[18]Para uma análise crítica mais ampla, ver Douglas Reis, A verdade ou a vida, capítulo quinto de Marcados pelo futuro: vivendo na expectativa do retorno de nosso Senhor(Niteroi, RJ: Editora ADOS, no prelo).
[19]Aleksandar S. Santrac, Evangelismo além da amizade, Ministério, ano 79, no 2, Março/Abril de 2008, p.23.


sexta-feira, 23 de julho de 2010

BAKUGANS, PRATELEIRAS E O VALOR DAS COISAS

Nós quatro em torno da pilha de cortinas. Eu e a minha esposa procurávamos uma que atendesse ao escritório. Uma senhora de pouca estatura nos atendia. Ao lado, outra cliente, participava animada com palpites femininos.

À minha esquerda, muitas outras prateleiras estavam dispostas. Em um dos corredores formados por elas, certo garotinho se entretinha vendo os brinquedos. Logo, ele saiu do lugar e veio até a mãe – justamente a senhora que escolhia cortinas simultaneamente a nós.

“Mãe, posso levar um Bakugan?”, solicitava, com o brinquedo na mão. “Ah sim, leve dois de uma vez!”, ironizou a mãe, sem muita atenção. Acompanhei o pequeno que voltava para o corredor da loja para devolver o boneco. Ainda acariciou o plástico da embalagem e deu a última contemplada antes de devolvê-lo à prateleira.

Quero desconsiderar o fato de que o boneco em questão era um Bakugan. Sua origem? Uma série de desenhos japoneses, que mostra personagens monstruosos saídos de cartas mágicas (“caídas do Céu”, mau sinal…) para disputas de poder em busca de equilíbrio em um mundo paralelo. Sem dúvida, a trama possui muito do misticismo comum a desenhos japoneses (animes). Mas, como eu disse, o que quero destacar independe do tipo de brinquedo que o menino cobiçava.

Todos vivemos a fase em que os olhos eram atraídos por brinquedos coloridos que pulavam de prateleiras para nosso colo. A dificuldade era a impotência pueril para arcar com os custos do desejo. Tínhamos, então, de recorrer aos pais; daí, dá-lhe chantagens e ameaças de choro, as quais esbarravam em promessas condicionais (“se você for um bom menino…”) ou simples negativas (mormente, atribuídas ao fator “dinheiro”).

Claro que a vida do adulto é diferente: compramos o que queremos sem dar satisfação a terceiros. Obviamente, em familías equilibradas, os cônjuges agem com transparência com relação aos gastos. Ao mesmo tempo, adultos responsáveis procuram gerir a renda de forma moderada, adotando planilhas para controlar entradas e saídas do orçamento. Na prática, a independência da vida financeira, ansiada por adolescentes, se revela complexa e cheia de armadilhas.

Infelizmente, mesmo adultos que teriam condições de viver confortavelmente, às vezes se veem em situações complicadas. E isso se deve, em muitos casos, à atração pelos Bakugans, digo, pelas coisas supérfluas. O consumismo, incentivado na mídia por meio de anúnicos e merchandisings, transforma desejos momentâneos em necessidades irrefreáveis. Vemos e temos que ter. E tal compulsão faz de algumas pessoas pouco mais do que crianças que possuem seus próprios cartões de crédito, sem precisar chorar perante pais e mães (o choro fica para depois, quando a conta “estoura”, ou se tem de recorrer a uma firma de factory para honrar os compromissos…).

Além do desejo de posse contribuir para o desequilíbrio financeiro, influencia na derrocada espiritual. Jesus ponderou ser a vida mais do que os bens que possuimos (Lc. 12:15) e ainda nos alertou sobre a tentativa inútil de servir paralelamente a Deus e as riquezas (Mt. 6:24). Os verdadeiros cristãos aprendem que as prateleiras não merecem tanta atenção quanto o altar do sacrifício. Se nem tudo o que reluz é ouro, nem todo o ouro do mundo reluz como o madeiro do Calvário.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

LAODICEIA E A GRANDE COMISSÃO

Quem prometeu a Pedro um terno novo caso ele atingisse o alvo ao fim da campanha evangelística durante o Pentecostes?

Garantiu-se a Filipe que receberia um projetor americano se ele batizasse mais do que os evangelistas das associações vizinhas?

Por falar em associações vizinhas, quando os discípulos de uma localidade vibraram ao batizar mais do que em outros territórios? Quantas vezes promoveram seu campo como maior ou melhor?

Será que o senso evangelístico de Paulo se desenvolveu sob a perspectiva de que fosse candidato ao programa de mestrado mediante o êxito quanto aos batismos?

Aliás, teria Paulo (que batizou em Corinto apenas os da casa de Cloé, de Estéfanas, Crispo e Gaio) batizado alguém estivesse devidamente preparado? Insistia Paulo com as pessoas, alegando que basta aceitar Jesus para ser batizado, sem a menor evidência de mudança de vida ou sequer desejo de mudar?

O que era evangelismo para a igreja primitiva? Por que evangelizavam? O que visiavam?

É correto pensar que houve promoção denominacional, sendo incentivados o testemunho, a intercessão, a proclamação da mensagem (quer de casa em casa, quer publicamente) e o proselitismo agressivo. Porém, em quais termos se mostrava à igreja a necessidade de fazer todas essas coisas?

Evangelismo é coisa séria. Pessoas merecem respeito. Batizar sem integridade é desonrar o ministério. A grande comissão não é uma alternativa – trata-se de um dever que envolve a todos os cristãos. Sem evangelismo, sem a busca de novos conversos, sem a exposição da luz, a igreja se torna uma ribalta monótona para os iniciados no tédio.

Igreja vive de evangelismo.

Será que a mornidão de Laodiceia, que se orgulha de sua riqueza pessoal, não se relaciona com a indecisão? Sua indecisão de seguir a Jesus e Seus métodos; de trabalhar em acordo e de acordo com o Senhor? Não estaria o evangelismo de Laodiceia afetado pelo clima geral de mornidão desta igreja? “Rica sou e de nada tenho falta.” O que falta ao evangelismo de Laodiceia, aparentemente tão próspero, pródigo em resultados?

Evangelismo é obra de amor: a Jesus e às pessoas. Somente com o ouro refinado, as vestiduras brancas e o colírio que o Mestre oferece, teremos amor suficiente para nos levantarmos da mornidão e evangelizarmos o mundo. Não encontrei melhor motivação do que essa para pregar.

terça-feira, 20 de julho de 2010

NEM COM TODA A FORÇA DO MUNDO...

Bafeja o eco hostil por túneis, de copa em copa,
Fremindo a sésiga dos déspotas. Se a Europa
Fosse toda trilhões de alqueires de grão-soja,
E a dizimara a infantaria que se arroja.

Ombros brunidos, pés cafres, chega e se aloja
– Vai de Nínive o som das rodas ao Camboja.
Fumega a espada nas caldeiras. Na garlopa
Se retorce o arco. Sai de Mênfis pronta a tropa.

Recuai, hunos de Átila, ide embora, assírios!
Vossos cavalos têm cascos de uva; Em galope
Deixam rastro de mosto, e achais quem não se ensope?

Vossa força é loucura, e as marchas são delírios;
De homens Deus guarda em livro o ato, a ideia e o falar;
Nem o registro de um dia podeis mudar.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

UM VÍRUS CHAMADO DIVÓRCIO



Um estudo americano, divulgado na última edição da revista Isto É, mostra o poder de contaminação do divórcio: entre 1971 e 2003, cinco mil pessoas foram acompanhadas e se constatou a influência que o divórcio exerce no ciclo social (vide gráfico acima), levando à conclusão de que ele não é tão complicado, nem estigmatizador, o que facilita com que outros casais se separem.

De fato, a influencia de cada lar é decisiva para a sociedade. Ellen White escreveu há cerca de um século: “A restauração e reerguimento da humanidade começam no lar. A obra dos pais é a base de toda outra obra. A sociedade compõe-se de famílias, e é o que a façam os chefes de família. Do coração "procedem as saídas da vida" (Prov. 4:23); e o coração da comunidade, da igreja e da nação é o lar. A felicidade da sociedade, o êxito da igreja e a prosperidade da nação dependem das influências domésticas.” Cuidemos com o tipo de valores que estamos passando (e recebendo!) para as pessoas ao redor.

domingo, 18 de julho de 2010

QUAL É A REFERÊNCIA HOJE?



"[...] Essa geração cresceu com bad boys como ídolos, desde o Romário e o Edmundo. Em 1994, por exemplo, o Flamengo tinha outro tipo de bad boy. Era mais malandragem, menos violência. Olha como as coisas pioraram. Antes, eles tinham um monte de mulheres, faziam filhos fora do casamento, mas pelo menos eles assumiam os filhos. Os clubes e a estrutura do futebol não se preocuparam com esses desvios e isso passou a fazer parte do contexto. A coisa tomou outro vulto agora. Esse universo deles inclui agredir mulheres e dar essas festas inacreditáveis, até com jumentos e anões. Em vez de jogadores, passaram a ser celebridades. Quem é a referência do Flamengo hoje?"

Patrícia Amorim, Presidente do Flamengo, em entrevista à revista Época

A situação vista no Flamengo é, de certa forma, emblemática. Não sei explicar como nenhum sociólogo não se interessou pelo caso (quer dizer, até onde chegou ao meu conhecimento). O caso todo ilustra como a falta de um ambiente moral, no qual as regras sejam bem definidas, e haja incentivo e punição proporcional, degenera em comportamentos licensiosos, violentos e amorais. Isso serve de alerta não apenas para os demais clubes esportivos, mas para a sociedade como um todo.

sábado, 17 de julho de 2010

MARCADOS PELO FUTURO

Frio e chuva ao extremo; quem diria que estamos em Itapema, a cidade catarinense que atrai brasileiros de toda parte com suas belas praias e imóveis sofisticados? Durante os últimos dias, dirigi, pela segunda vez, uma semana de oração jovem na cidade. Curiosamente, na primeira ocasião apresentei os temas que viriam a compor meu primeiro livro, Paixão Cega (recém-lançado pela Casa Publicadora Brasileira). Nesta volta à cidade, tratei de tópicos que farão parte de um novo livro, Marcados pelo futuro (a ser lançado em breve).

E o poder do Espírito Santo já marcou a vida de algumas pessoas no decorrer da apresentação da mensagem bíblica. Hoje ainda, recebi um e-mail de um senhor, ex-membro da igreja. Na mensagem, ele relata que resolveu visitar a igreja adventista de Itapema “num sábado pela manhã e o pastor estava iniciando uma semana de oração; daí, me senti bem. O louvor da igreja e os temas apresentados me leveram a voltar no domingo, segunda, terça, quarta, sexta […]”.

Como Deus conduz todas as coisas, e sabe do que as pessoas precisam ouvir, algo chamou a atenção daquele homem sincero: “um tema em especial apresentado na terça feira ‘Como entender o problema do Mal’, no qual o pregador clamou em alta voz: ‘DEUS ODEIA O PECADO, MAS AMA O PECADOR; AMA O DIVORCIADO, MAS ODEIA O DIVORCIO’. É a primeira vez que ouço um clérigo falar assim, pois o divorciado, carregado de culpa, desanima ao ver que perdeu alegria e paz e que todos vão olhar para ele como sem esperança, pois perdeu uma das coisas mais importantes A FAMILIA. Como ser aceito pela igreja???” Motivado pela certeza da aceitação de Deus, o remetente relata que procurou o pastor distrital e solicitou uma visita à sua residência. Louvado seja o Senhor que toca os corações com a Sua Palavra.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

ORDENAÇÃO DA MULHER E PEDOFILIA: CRIMES IGUAIS

Em meio à crise causada por padres envolvidos com pedofilia, a Igreja Católica prometeu maior rigor ao punir os culpados. Hoje, o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, divulgou algumas mudanças nas leis eclesiásticas. Entretanto, se o objetivo era mostrar o compromisso da igreja com a justiça, o tiro saiu pela culatra. O que mais incomodou diversos setores da imprensa nas mudanças foi equiparar a tentativa de ordenar mulheres com crimes do nível de “abuso sexual de menores cometido por padres, heresia e cisma”, conforme fez questão de destacar o jornal The Guardian.

Historicamnete, a moral católica se revelou desastrosa em seus julgamentos. O exemplo típico se encontra na declaração de Gregório VII (papa de 1073 a 1085) sobre o celibato (tornado obrigatório por ele): “É preferível padres adúlteros, sodomitas e efeminados a aqueles que se casam”.

Com essa nova lei, o Vaticano dá brechas para um potencial aprofundamento na crise moral que vive a igreja. Isso por duas razões: primeiro, porque se discrimina a figura femina, considerando que a menor tentativa de integrá-la ao sacerdócio católico já é crime. Mesmo que outros cristãos discordem de que a mulher seja ordenada ao ministério (assunto para o qual a Bíblia não dá muita atenção), ainda assim considerar qualquer iniciativa nesse sentido como um crime, uma falta passível de punição, é, no mínimo, descabido exagero.

Em segundo lugar, cotejar a participação da mulher no ministério com casos de pedofilia relativiza a gravidade do crime sexual. Passa a impressão que um padre que abusou de um menino de oito anos é tão culpado quanto aquele que fez careta para um bispo desafeto! Não punir o crime, é passividade. Punir sem o devido rigor, vilania.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

UNIÃO HOMESSEXUAL NA ARGENTINA: AD HOMINEM E VERDADEIRA DEMOCRACIA

Diversos manifestantes esperaram por cerca de 15 horas a decisão dos senadores argentinos.

Maradona não se fez de rogado quando o jornalista inglês observou sua atitude carinhosa com os jogadores de sua seleção: o argentino fez questão de frizar que era homem, gostava de mulher, etc. Entretanto, nem todos os seus compatriotas partilham do mesmo acirrado heterosexualismo. Depois do histórico enlace entre Alejandro Freyre e Jose Maria Di Bello, ocorrido no último 4 de Janeiro, a Argentina aprovou na madrugada de hoje o casamento homossexual, sendo o primeiro país latinoamericano a fazê-lo.

Os senadores ratificaram decisão anterior da Câmara dos deputados, ocorrida há cerca de um mês. Agora, o projeto de lei espera pela assinatura da presidente Cristina Kirchner. A chefe de estado, ao que parece, agradará aos defensores da causa arco-íris.

Quem se desagradou da medida foram católicos e evangélicos argentinos, que protestaram em diversas ocasiões contra o casamento homossexual. Aproximadamente 60 mil pessoas participaram de uma passeata com cartazes contendo os dizeres: “As crianças têm direito a uma mãe e um pai”. [1] O maior opositor foi Jorge Bergoglio, primaz da Igreja Católico (segundo lugar em relação a Joseph Ratzinger no conclave que elegeu o novo papa). Bergoglio chegou a dizer que movia uma “Guerra de Deus” contra a aprovação do projeto de lei. [2]

Cristina Kirchner reagiu, acusando a Igreja Católica de falar como se ainda vivêssemos nos tempos das cruzadas e ainda afirmou: “Eles retratam a lei como uma questão de moral religiosa, como uma ameaça à ordem natural, quando o que realmente estamos fazendo é olhar para uma realidade que está aí”. [3] Já o senador Adolfo Rodríguez Saá mencionou “setores fundamentalistas que querem irritar e dividir a sociedade argentina”. [4]

Além das opiniões contundentes, quer favoráveis, quer contrárias ao casamento homessexual, houve igualmente quem revelasse cautela em relação ao projeto de lei: “Não houve estudo sobre o impacto do casamento homossexual sobre as crianças. Não é correto dizer que o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo tem o mesmo efeito que o matrimônio entre heterossexuais. A relação entre um homem e uma mulher é fértil. A relação entre homossexuais é estéril”, observou a senadora Sonia Escudero. [5]

A questão é completa e a mídia a enfoca de forma generalizada, apresentando a causa pró-homessualismo como essencialmente democrática, demonizando aqueles que, por motivos diversos (de matriz religiosa ou não) argumentam em sentido contrário ao casamento homossexual. Enquanto houver esse tipo de discurso Argumentum ad hominem não poderá haver discussão verdadeiramente democrática. Para boa parte dos políticos (incluindo o casal Kirchner) a aprovação de leis e medidas que favoreçam os homossexuais se deve mais ao interesse eleitoreiro do que a uma convicção social. Falta haver mais debate aberto sobre o tema e, principalmente: que se discuta, a priori, por meio de qual base moral a questão será analisada, em nome de um resultado lógico e benéfico para a sociedade como um todo e, em particular, para a família, sua célula-máter e entidade mais afetada com toda a questão.


[1] BBC Brasil, Argentina aprova casamento entre pessoas do mesmo sexo, disponível em http://noticias.br.msn.com/mundo/artigo-bbc.aspx?cp-documentid=24881006 .
[2] Ariel Palacios, Após 14 horas de debates, Argentina aprova casamento entre pessoas do mesmo sexo, diponível em http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,apos-14-horas-de-debates-senado-da-argentina-aprova-o-casamento-gay,581494,0.htm .
[3] Argentina aprova casamento gay, disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/argentina-aprova-casamento-gay .
[4] BBC Brasil op. cit.
[5] Argentina é o primeiro país da América Latina a aprovar o casamento gay, disponível em http://noticias.r7.com/internacional/noticias/senado-argentino-aprova-casamento-gay-20100715.html .

quarta-feira, 14 de julho de 2010

DAWKINS: OCUPADO DEMAIS

Por que Dawkins se esconde tanto?

Em vídeo postado no youtube, um rapaz se dirige a Richard Dawkins com a pergunta que não quer calar: se Dawkins é o apologeta ateu mais conhecido, e se William Lane Craig é o seu contraponto do lado cristão, por qual motivo o autor de Deus: um delírio continua recusando-se a debater publicamente com Craig? O próprio inquiridor expõe que William Lane Craig já convidou o cientista várias vezes para um confronto de ideias. Dawkins arrogantemente responde que sempre quis debater com padres, bispos, papas; mas não lhe agrada a ideia de debater com um criacionista que é conhecido como debatedor profissional (bobo ele não é...) e ainda diz que o oponente tem que ser mais do que isso, afinal, ele é um homem muito ocupado!

Não escondo que achei graça na resposta de Dawkins. Para quem dizia, até pouco tempo, que jamais debateria com criacionistas “para não lhes dar um verniz de credibilidade”, o biólogo anda arranjando desculpas demais para não ter de encarar os oponentes. Se em seu recente livro O maior espetáculo da Terra, Dawkins afirma que os criacionistas negam o processo evolutivo como quem nega que, por exemplo, que a Independência americana aconteceu, parece-me que ele teria motivos sobejos para esfregar suas aclamadas certezas no focinho de qualquer “retrógrado” defensor da Terra Jovem. Não é o que parece.

Se Dawkins conhece somente a fama de orador de Craig, alguém precisa lhe informar o currículo completo do desafiante com urgência. William Lane Craig possui dois PHDs, um em Filosofia pela Universidade de Birmingham (Inglaterra) e o outro, em Teologia pela Universität München (Alemanha). É especialista em evidências históricas da Ressurreição de Cristo, estudos do Novo Testamento e possui conhecimento na área de Cosmologia, Filosofia Clássica e Lógica. Se a hesitação de Richard Dawkins se devia à qualificações acadêmicas de Craig, problema resolvido!

Seria muito oportuno um confronto direto entre estas duas mentes. No entanto, penso que, a julgar pelo desempenho claudicante de Dawkins durante o debate com John Lennox, o rabugento ateu tem outras razões para evitar o confronto com Craig: suas próprias limitações. Parece que quando o adversário não é o pároco simplório da sul da Itália, é melhor não arriscar...

terça-feira, 13 de julho de 2010

DO ROCK PARA A ROCHA

Eu chegava da escola e corria para o quarto de hóspedes. Lá, meu pai guardava uma velha vitrola. Escolhia o disco, soprava bem, garantindo que o pó não prejudicaria a audição. Senão, procurava por alguma fita cassete. Gostava especialmente das guitarras. Geralmente, ouvia vocais melosos: Beatles, Doors ou Black Sabath (eles também têm músicas melodiosas e tranquilas). Casualmente, escutava algo mais dançante. Apenas na adolescência, escutei dance music, e as distorções psicodélicas de Led Zeppelin.

Alguma coisa do som da década de oitenta, hoje tão em voga, povoou a minha infância e adolescência. Pink Floyd, Duran Duran, Simple minds, Dire strait, A-há, Phil Collins e depois Guns n’ Roses e Nirvana. Mas havia brasileiros: Barão Vermelho, Titãs, Raul Seixas, Engenheiros do Havaii, Legião Urbana, Camisa de Vênus (!) entre outros. Todos eles fizeram barulho na velha vitória, no rádio da sala ou no som do carro do meu pai. Hoje são menos do que pálidas lembranças. Em algum super-mercado, quando ouço uma dessas canções, minha memória sente que, de alguma forma, estiveram na minha meninice, e eu os vejo como velhos vizinhos, com os quais se perdeu o contato, e de quem não se tem nenhuma boa lembrança.

À sua moda, os roqueiros eram rebeldes inveterados, uivando de ódio por terem sido abandonados por uma mulher ou doces garanhões, com palavras sensuais. Eles gritavam contra o sistema político ou denunciavam a pobreza com versos de extrema penúria poética (devia ser meta-linguagem)… Toda tentativa de aproximação entre as letras de Rock com poetas (Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, Poe ou os Beats) nunca foi bem sucedida. Os poetas conseguiam ser mais demoníacos, irados e maliciosos do que os garotos com guitarras e tatuagens – além de que os poetas eram incomparavelmente mais inteligentes e possuíam domínio superior da linguagem.

Ainda assim, roqueiros representaram uma cultura surtando, em arroubos de festa ou depressão macabra. O poder de suas estrofes violentas e seus lirismos piegas infestaram as rádios e influenciaram gerações. Até o mundo cristão, que atacou quando pode o rock, hoje tira sua inspiração dos seus acordes para fazer o “louvorzão” de domingo à noite.

Se “o diabo é pai do Rock”, como dizia em estribilho Raul Seixas, é certo que ele é pai do axé, do samba, da rumba, do pagode, do jazz e de muitos outros ritmos sensuais, libertinos e que promovem revolta, depressão e insatisfação. No fundo, o rock, como expressão cultura, demonstra o vazio, tristeza e solidão do coração humano. O Rock é uma fuga, que se mistura com outras, como orgias, drogas e prazer instantâneo. O estilo de vida a ele associado pode parecer, em muitos casos, mero non sense ou algo que faça os pais dizerem: “todo adolescente passa por isso mesmo!”

Entretanto, eu só pude perceber o que faltava quando encontrei o que me completava: Jesus. Quando me tornei um cristão adventista, em 1995/1996, percebi que meu estilo de vida, do qual fazia parte a apreciação pelo Rock, tinha de ser combatido como um inimigo. Alguém justificaria minha reação como um excesso de zelo juvenil, quando se ama ou se odeia algo com incrível volubilidade. Se fosse o caso, porém, meu pensamento teria se modificado, quinze anos depois. Não julgo ser o caso. Ainda penso que minhas descobertas espirituais daquele período se mostraram libertadoras, além de fomentarem padrões estéticos que cultivo até a atualidade.

Por certo, não poderia achar a paz do Céu, a esperança da cruz e cultivar os mesmos valores. Não consigo hoje ouvir nada muito barulhento ou que mexa com meus instintos mais baixos. O lugar das pedras que rolam foi ocupado hoje pela Rocha Eterna e pelos sons que me façam pensar na eternidade de paz
.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

QUANDO O POUCO SE TORNA MUITO


“O local onde você foi chamado para trabalhar
É visto como muito pequeno e pouco conhecido?
Ele é grande se Deus estiver nele,
E Ele não se esquecerá do que Lhe pertence.
O pouco é muito quando Deus está nele.
Trabalhe não por orgulho ou fama.
Há uma coroa e você pode ganhá-la,
Se você for em nome de Jesus.”


Kittie J. Suffield, Little is much (Tradução livre da segunda estrofe e do refrão do hino)

sábado, 10 de julho de 2010

DIGA-ME O QUE TUÍTAS...

Das contribuições mais controversas da internet deve-se incluir seus efeitos sobre a psique do indivíduo. Pessoas comuns são alçadas ao status de celebridade. Algumas, de fato, chegam a chamar atenção pelos vídeos que divulgam ou por contribuições casuais, muitas que não passassam de banalidade. De um modo geral, a informalidade da comunicação on line permite às pessoas se sentirem à vontade para divulgarem fotos ou opiniões, como se estivessem no sofá da sala conversando com um amigo dos tempos de colégio.

Somente há alguns anos, percebeu-se a necessidade de ter dois perfis de Orkut, um pessoal e outro profissional (estava ficando difícil conseguir emprego se apresentando naquele site como bonekinh@dark☠, por exemplo). Com o advento do Twitter, a vigilância sobre as pessoas públicas aumentou. Semanalmente políticos são malhados por órgãos da imprensa porque resolvem uivar à luz da lua (espera-se que fosse apenas força de expressão) ou por seu desamor à Gramática.

Quando alguém se acha na internet também está afirmando sua identidade, por meio de preferências e da forma como se apresenta. Recentemente, vi-me obrigado a deixar de seguir um cantor adventista pelo baixo nível de suas mensagens no twiter (até palavrões e expressões chulas o cidadão empregava). Cristãos não deveriam abrir mão de oportunidades para o testemunho mesmo quando conectados; pelo contrário: ao aproveitar o leque de possibilidades virtuais, estariam dizendo que é possível gozar momentos de lazer sadio e expressar opiniões coerentes com os valores que professam.

No oceano de futilidade que nos cerca, podemos acrescentar alguns caracteres diferentes em nossas mensagens. Não fotos de quem se pretenda modelo profissional ou links para vídeos de humor vulgar; mas o suave perfume do evangelho em todas as mídias, como uma declaração conciente de que pertencemos não a esse mundo. Use a novidade das tecnologias para falar da novidade que a esperança em Jesus oferece.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

TORCER E BEBER: DIZENDO NÃO AO APELO CULTURAL



Enquanto os rituais criam a demanda por produtos, as propagandas nos dão as opções de marcas. Essa ideia, útil para entender o consumo de chocolates na páscoa, serve igualmente para explicar outro ritual integrador da cultura brasileira: o consumo de cerveja durante os jogos da copa.

Quem a defende é o antropólogo Édison Gastaldo. Autor do livro Pátria, chuteiras e propaganda, ele declarou ao site Opinião e Notícia: “O consumo de bebidas alcoólicas, em especial a cerveja, por ser algo popular, está associado a uma prática ritualizada. Beber em grupo traz a ideia de pertencimento a uma grande torcida.”

Gastaldo ainda afirma que o patriotismo aumenta na copa devido à ideia popular da superioridade da Seleção Brasileira. “O Brasil gosta de ser uma potência entre os grandes, tanto que sempre é um dos favoritos a conquistar o mundial. O encanto da Copa é se colocar à prova.” (Percebe-se, neste particular, a confusão do brasileiro: não temos o melhor futebol do mundo; se tivéssemos, decidiríamos a partida final no próximo domingo, com direito à vitória. Nosso futebol é dono do melhor retrospecto. Apenas isso).

Se a ideia de consumir cerveja é cultural, não quer dizer que é justificável quando se examina os prejuízos que o álcool traz tanto para a saúde, quanto no aspecto moral. Pessoas inteligentes sabem separar heranças culturais positivas daquelas que são nocivas, embora enraízadas na psique coletiva.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

E O BRUNO?

Talento à parte, na história recente do futebol nacional, os jogadores não ficaram conhecidos por seu caráter. O destaque cabe ao Flamengo: Ronaldo migrava para o clube quando se envolveu, vexatoriamente, com travestis. Adriano, repatriado pelo rubro-negro, deu as caras inúmeras vezes na mídia, quer por brigas com a ex-noiva, quer por suposto envolvimento com o crime organizado. Novamente, outro flamenguista ganha notoriedade por razão alheia ao futebol: Bruno, que nunca agiu como um gentleman diante das mulheres, acabou investigado por assassinato. Com prisão decretada, ele e um amigo envolvido, Luiz Henrique Ferreira Romão (o Macarrão), se entregaram à polícia, no último dia 7.

Entre polêmicas passadas e acusações presentes, o goleiro do Flamengo vivia um caso extra-conjugal com a estudante Eliza Silva Salmudio. Em Outubro do ano anterior, a moça chegou a prestar queixas contra o goleiro Bruno, alegando sofrer ameaças por conta da gravidez, supostamente fruto de seu relacionamento com o jogador do maior clube carioca. Desaparecida desde 24 de Junho, o caso passou a ser investigado após denúncia anônima. Vestígios de sangue encontradas no condomínio Turmalina, propriedade de Bruno em Belo Horizonte (MG) e o depoimento de um menor de idade, primo do goleiro, complicaram a versão do jogador, que se dizia chateado com o sumiço da amante e disposto a ver tudo resolvido o quanto antes.

Curiosamente, Bruno se mostrou preocupado com o seu futuro… como jogador! Já em detenção, ele afirma, em um vídeo, que acabaram suas oportunidades para a copa de 2014. Nada mais justo refletir sobre a Copa, depois de participar (conforme os indícios) na execução de um crime hediondo!

Enquanto as investigações seguem, e o Brasil espera pela justiça, temos de pensar no time de valores que a sociedade vem sustentando, a custos altos. O sonho de meninos carentes é alcançar notoriedade através do Futebol, essa fábrica de ídolos imediatos, que seguem comprando carros importados, vivendo em condomínios luxuosos e desfrutando as regalias de uma vida ilícita. Os braços da lei parecem folgados para esse tipo de marginal, aquele que não somente possui colarinho branco, mas um número nas costas e uma torcida que o apóia dentro e fora do gramado. Obviamente, ainda há futebolistas íntegros, muitos deles; entrementes, a maioria desses atletas vem de um meio social em que as noções de moralidade são deficitárias, o que, junto com o rápido crescimento de patrimônio, se torna uma mistura perigosa.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

POR AMOR



Estacionou o caminhão, desceu, o corpo ainda rijo por causa das horas na autoestrada. A mulher o recebeu sem maiores demonstrações. Com uma cerveja na mão, abandonou-se aos afagos do sofá. Quase às vinte e duas, levantou-se, cochilara? Dormia agora na cama, o corpo levemente oval sobre o lençol. Três horas mais tarde, acordara com o choro. Revirou-se, resmungando qualquer coisa para a mulher. Isso ocorreu por duas vezes.

Finalmente, coçou os poucos fios da nuca e se assentou. A mulher nem o encarava. Perguntou-lhe que tinha. Percebeu somente ali que ela nem dormira. Pondo os chinelos trocados, dirigiu-se ao quarto vizinho. A menina chorava, desconsolada. Um tom assustado fremia sobre aqueles olhos da filhinha do papai. Sentou-se e quis saber se era doença ou manha. Não parecia nem um, nem outro.

“Samanta, ou você fala ou vou ser obrigado a pegar a vara.” O incentivo soía funcionar. Insistiu um pouco mais, com a mãe estacionada na porta do quarto da filha. Sem resposta imediata, caminhou até os fundos da casa. Sacou um facão e limpou alguns galhos secos da árvore do quintal. Voltou para o quarto com a tirinha de madeira.

Repetiu a ameaça. Samanta apenas chorava, com um grito contido, uma dor sem caminho para expressão. A essa altura, a mãe segurava sua mão, e suplicava ao pai com a boca tremente.

“Onório, vamos dormir, amanhã…”

O marido corpulento afastou a mulher com o braço, sem que ela lhe oferecesse maior resistência. Deu a mão à criança e levou-a até o quintal.

Bateu uma, duas, três vezes. Depois, se ajoelhou diante de Samanta e disse que queria saber a verdade.

“Papai, eu não posso contar; o senhor é muito bravo.”

Onório gelou. O que havia acontecido? Insistiu, dessa vez com uma brandura firme, deixando a vara no chão da área de serviço. A lua escorria sobre eles, permitindo que pai e filha vissem o brilho do olhar do outro.

Dona Marina inferia na sala o teor da conversa. Agitara-se, ora levantando e rodeando o tapete, ora quedando-se sobre o sofá, num aspecto de infartada. Ela própria possuía algumas suspeitas, mas nunca investigara nada. Por medo. Às vezes, a verdade é um parente que, sem convite, invade nossa casa, não age com bons modos e se recusa a sair. Por isso, feliz quem não lhe abre a porta.

Quinze minutos se passaram. Onório voltou como um tufão. Passou pelo quarto e remexeu as coisas. Marina sabia o que ele procurava. Queria impedí-lo. No entanto, a filha chegou, olhar de alívio e tristeza. Correu para a mãe como os navios tendem para os portos. Chorava baixinho, contagiando a mãe. Até que disse:

“Eu contei tudo para o papai.”

“Contou, contou o quê?”, perguntou afastando subitamente a filha de seu ombro e encarando-a com tal desespero que só lhe aumentou o desconsolo. “O que você disse ao seu pai?”

Onório vinha do quarto, expressão chocada e austera. “Estou saindo.” A mulher se levantou, arremessando a filha a um canto do sofá. “Onório, não vá fazer besteira…”. “Pois é bem isso que vou fazer.”

Ele saiu sem espaço para palavra. A mulher olhou o bolso traseiro e notou o volume. Derrotada, sentou-se no sofá com a filha. Toda a conversa lhes fugiu dos lábios. Eram somente duas almas enclausuradas em pensamentos aleatórios.

Onório dirigiu sem pausa. Parece que pressentira tudo quando estacionou o caminhão longe da garagem. Assim, pode tirar rapidamente o velho Corcel. Chegou até a casa de Chico, amigo da família. Pulou o portão e forçou a porta. Sabia em que quarto Chico estava, e mesmo assim a escuridão lhe confundiu. Seguiu pela esquerda. Abriu a porta. Viu o despertador marcando três horas. Seu vulto acordou o casal. A Vânia ligou o despertador. Diante dela e do marido, ambos sonolentos demais para estarem estarrecidos, estava Onório, arma em punho.

Ele mirou a cabeça de Chico. Gritou com violência. À medida em que os donos da casa entendiam que aquilo não se tratava de um sonho, o pânico aumentava. Onório agiu rapidamente. Arrancou Chico da cama e aplicou coronhadas e tabefes nele. Xingou o amigo e o forçou a seguí-lo. Ainda encontrou tempo para dizer para Vânia porque estava ali. Mas o fez de forma tão truncada que a mulher apenas ficou confusa, sem reação.

Chico apanhou bastante até chegar ao carro. “Safado”, “sem-vergonha”, “aproveitador” foram as expressões mais sutis que ele ouvia. Então, Onório sabia! O que dizer? Era difícil explicar. Ele dirigiu o Corcel segundo as orientações do sequestrador, que mantinha o revólver colado em sua têmpora. Muitas voltas depois, estacionaram.

Chico marejava. Tremia todo, sem esconder seu pavor. Pensava na família, na casa nova, na esposa grávida… com alguma dificuldade, olhou para o companheiro enfurecido. Havia pouco a dizer, mas resolveu encará-lo nos olhos. Com a voz amanhecida, conseguiu falar: “Onório, o que fiz foi por amor.”

Onório esqueceu-se da arma. Segurando Chico, passou a espancá-lo com brutalidade. “Seu… seu doente!” Quando terminou, o outro estava uivando, a mandíbula fraturada, e lesões assomando pela face. Sem dúvida, pelo menos uma costela fora quebrada. O revólver voltou a ser empunhado. O gatilho acionado, ao som da ladainha “por favor, não me mate, não, por favor”, Onório puxou o gatilho. Subiu no carro e voltou dirigindo.

Chegou em casa pelas cinco. As viaturas o esperavam. Alguns vizinhos desafiaram o sono para ver o porquê do movimento. Estacionou tranquilo. Ficou no carro, distante, alheio às vozes de policiais. Até erguer o braço, e ser escoltado. Em meio ao tumulto, afirmou: “Não matei o infeliz”. Algemaram-no. Antes de ir preso, voltou-se para Samanta, sem ver nela inocência ou alegria. Ele a deixava na hora de maior sofrimento. Porém, fizera aquilo por amor, repetia para si mesmo, até se dar conta de que já ouvira a frase naquela madrugada…

I BOWED ON MY KNEES: SÍMBOLO DO GAITHERISMO

Gary McSpadden, Bill Gaither, Larnelle Harris e Michael English, em capa de álbum de 1986.


Em um vídeo caseiro, disponível no Youtube, o Gaither Vocal Band (GVB) canta em um auditório minúsculo, formada por membros da terceira idade. Entre Mark Lowry e o impreessionante Terry Franklin, ele aparece com cabelos cumpridos e camiseta larga, com um Mickey na estampa. O visual largado não diminui a admiração dos presentes: quando ele começa a cantar I Bowed on my Knees, todos resolvem gritar, como se tivessem saudades de seus dias de teens. De fato, ali Michael English estava em plena forma. Apesar do aspecto de improviso, aquela foi sua melhor interpretação da música que esteve indelevelmente associada ao seu nome.

English entrou no grupo de Bill Gaither por acaso, quando o compositor cristão mais famoso do século XX procurava quem cantasse o baixo na harmonia. English entrou como lead, e na época não passava de um esquálido rapaz de bigodes, em nada sugerindo o ícone gospel que veio a ser na década seguinte. Nos anos 90, Michael English era o protótipo de galã evangélico, premiado por sua voz e aclamado pelos admiradores da country music. Sem dúvida, graças a ele e outros o GVB se consolidou e saiu do modelo tradicional de quartetos.

Os vocais cada vez mais apoteóticos e a primazia do solista ficaram como marca registrada do grupo, cada vez mais dependente de astros do que da harmonia vocal, relegada a trechos da música. O diferencial era o intérprete. Assim, mesmo quando English deixou Bill Gaither para seguir carreira solo, sempre se buscou grandes cantores que completassem o quadro. Enquanto o GVB obtinha notoriedade, English se afundava nas drogas. Ele deixara a Cristo por conta de um adultério escandoloso, que ocasionou em uma carreira secular desastrosa.

Hoje, de volta ao quarteto, Michael English continua cantando I Bowed on my Knees, com voz embargada e notas fora do acorde. Sua voz é uma paródia do que já foi. Mas emociona alguns dos fãs do quarteto, que admiram o personalismo do GVB. Bill hoje não faz mais shows em ambientes capengas para gente de cabeça branca: o velho bardo apresenta novas doses da mesma fórmula para públicos dispostos a se embriagar com o requinte de produções cada vez mais sofisticadas.

I Bowed on my Knees é, de certa forma, um símbolo da trajetória do próprio estilo Gaither de cantar: emoção em um country macio, vocais arrojados e uma letra tão genérica que pode agradar de metodistas a episcopais, de anglicanos a adventistas. English já a cantou das mais variadas formas: revezando os solos com o cantor secular Larry Gatlin, durante o primeiro dos Homecomings produzidos por Bill Gaither; English já fez uma versão pop da música, já a cantou com corais e até cometeu a insensatez de cantá-la junto com J.D. Summers e o Stamp quartet (!).

Assim como em I Bowed on my Knees, há certa persistência no repertório do quarteto por temas apocalípticos (vide These are they, Alpha and Omega, The King is coming, entre outras), algumas vezes remetendo à esperança (?) do arrebatamento secreto; nada tão declarado como em Are you read?, canção tipicamente dispensacionalista entoada pelo Gold City (em mais uma intrepretação excepcional do quase contralto Jay Parrack).

Quando analisamos a fórmula de Bill Gaither pela ótica de adventistas do sétimo dia, necessitamos ser cautelosos: há coisas valiosas produzidas por ele. Mas copiar seu modelo ipsis literis pode ser prejudicial, não apenas para a adoração adventista, que não se pretende personalista, no sentido de dar menos destaque ao indivíduo, e ressaltar o conjunto; também deve ser levada em conta que a escatologia distinta nos separa de outros cristãos. Assim, apenas traduzir suas letras pode conduzir a equívocos doutrinários.

É claro que, enquanto escrevo isso, Tim Davis, do Heritage Singers, pode estar se apresentando em algum lugar com a música I Bowed on my Knees

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O VILÃO DA PARTIDA: DELENDA EST CATHARGO NELE!




Para muitos, após a eliminação frustrante da Seleção Brasileira da Copa da África do Sul, o vilão não será o holandês Sneijder, autor dos dois gols que enterraram o hexa, mas um brasileiro: Felipe Melo. Vencedor absoluto em 2003 pelo Cruzeiro, o jogador continuou em ascensão pela Europa: comprado em 2008 pelo time italiano Fiorentina por € 25 milhões, Felipe é um dos jogadores nacionais mais caros da história. O técnico Dunga o convocou, apesar das críticas, principalmente referentes ao temperamento do atleta. E, justamente, esse traço negativo de Felipe Melo apareceu na última participação brasileira na copa.

Após um primeiro tempo primoroso, o Brasil voltou acomodado com um gol feito por Robinho. Aos dez minutos da etapa inicial, Felipe Melo mandou uma bola cheia de açúcar para o camisa 11 da Seleção canarinho. Entretanto, a equipe do técnico Bert van Marwijk voltou outra. E se não era ainda a laranja mecânica da década de 70, pelo menos a Holanda se mostrou uma seleção superior à brasileira. O empate veio aos 10, num cruzamento desprentencioso que encontrou Felipe Melo embolado com o goleiro Júlio César. Conclusão: o árbito deu gol contra de Melo, apesar do chute intencional de Sneijder.

Com mais doze minutos, o time holandês conseguiu a virada, novamente com Sneijder. E com o time de “Vans” à frente, o fator emocional pesou. Os brasileiros se esqueceram do significado de seleção e cada jogador parecia um átomo acelerado em direção ao gol laranja. Nesse momento de nervosismo, Felipe Melo cometeu a falta em Robben, para em seguida pisar no atleta já caído. Sem argumento: o cartão vermelho foi bem aplicado pelo juiz japonês Yuichi Nishimura.

Seria correto crucificar Felipe Melo pela imaturidade? Talvez ele nem estivesse mais nervoso que o restante da equipe. Mas aqui vale duplamente o princípio Delenda est Cathargo. A frase latina (“Catargo deve ser destruída”) é uma advertência atribuída a Catão, que se mostrou justificada quando o inimigo mostrou seu poder de fogo contra Roma. No caso do jogo de hoje, ela se aplica tanto à acomodação brasileira que impediu que a partida fosse logo definida em favor de nossa seleção. Mas também implica num maior controle emocional dos brasileiros, o fator responsável pelo desespero que se viu quando a Holanda estava à frente do marcador.

Dentro de uma perspectiva cristã, o controle de nossas emoções é um aspecto muito importante do caráter. O domínio próprio é um gomo do fruto do Espírito Santo (Gl. 5:22-23). Cultivado, ele nos garante a vitória emocional em circunstâncias adversar, como se nos tornássemos uma fortaleza inexpugnável (ideia associada à raiz grega da palavra). Precisamos desse equilíbrio, dentro e fora do campo…