quinta-feira, 31 de março de 2011

OS DEPUTADOS, AS DECLARAÇÕES E UMA REFLEXÃO SEM MEIAS PALAVRAS

Falar o que se pensa sempre se traduziu em caminho livre para encrencas. Principalmente quando se dá a ausência daquele elemento tão cultivado nas relações sociais saudáveis – o bom senso! Dois deputados (homens públicos, portanto) estão envolvidos em polêmicas sérias por suas declarações, digamos, não muito ortodoxas.

O primeiro caso se passou com Jair Bonaro (PP-RJ). Como uma metralhadora de frases mal escolhidas, o deputado conseguiu ser acusado de racismo por Preta Gil (durante participação em comum no programa CQC), ser processado pela ordem de advogados do Rio de Janeiro por quebra de decoro parlamentar e, ainda não contente, bombardeou o próprio MEC. Acusou a campanha do ministério contra a homofobia, a qual estaria, em verdade, promovendo a homossexualidade e “abrindo as portas para a pedofilia”. (apud. Veja)

Na segunda situação, o mecanismo escolhido para fazer barulho foi o microblog Twitter. Marco Feliciano (PSC-SP) postou as seguintes afirmações: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato”, tuitou na tarde desta quinta-feira, 31, o deputado, que é pastor evangélico. Em post anterior, Feliciano escreveu: “A maldição que Noé lança sobre seu neto, canaã, respinga sobre continente africano, daí a fome, pestes, doenças, guerras étnicas!”. Em um tweet que posteriormente foi removido, o deputado afirmou que a África sofre com a “maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, aids (sic)”. (apud. Estadão).

Sabe o que a mídia fará com tão farta "matéria-prima"? Tomará as declarações em conjunto e as considerará da mesma forma, sem avaliar cada conceito separadamente. Assim, num exercício de “desmanche de lógica”, ser contra a homossexualidade passará a equivaler a preconceito racial e ambas serão tomadas como parte do discurso de gente atrasada, preconceituosa e intolerante. Ainda que o dito Pr. Feliciano tenha evocado uma antiga e equivocada interpretação da maldição de Noé, quem irá conferir? Isso pesará como um motivo a mais para desdenhar da Bíblia. Antes dele, outros já tentaram alegar que a marca imposta sobre Caim (Gn 4:15) também se tratava da cor negra. Exegeticamente, nada em ambos os relatos bíblicos pode embasar semelhante conclusão, que fica por conta de pressupostos dos (maus) intérpretes.

Quanto à homossexualidade, Deus a condena veementemente e embora ela seja vista com outros olhos na atualidade, o cristão segue não os padrões mutáveis da sociedade ao seu redor, mas preceitos confiáveis da Bíblia. Basta notarmos que homossexuais eram tratados como os pedófilos o são atualmente; e se daqui a algumas décadas a sociedade aceitar a pedofilia como “opção sexual” (como Grécia e Roma fizeram no passado)?

Entretanto, mesmo que comportamentos sejam imorais, e mereçam ser desse modo caracterizados, não somos autorizados por Deus a agir com violência ou desamor em relação àqueles que o praticam. Embora discordemos sob a lente da fé cristã do comportamento homossexual, vemos no homossexual enquanto pessoa, um candidato ao Reino dos Céus.

quarta-feira, 30 de março de 2011

DESCOBERTOS 70 LIVROS SUPOSTAMENTE ESCRITOS POR CRISTÃOS DO PRIMEIRO SÉCULO

A caverna na qual os livros foram encontrados
Quando os pergaminhos do Mar Morto foram acidentalmente descobertos pelo pastor beduíno Mohammad El Dib, em 1947, uma reviravolta na arqueologia bíblica teve início. Textos bíblicos antiquíssimos confirmaram a confiabilidade do texto recebido. Ao que tudo indica, estamos diante de outra possível reviravolta, com a probabilidade de um novo achado arqueológico com potencial para reescrever a história dos primeiros cristãos.

A corrosão do material: fundamental para a datação

Novos estudos indicam a autenticidade de 70 livros de metal, descobertos há cinco anos em uma remota região da Jordânia, na qual se sabe que cristãos se refugiaram durante o cerco o qual resultou na destruição de Jerusalém (em 70 d.C.). Testes já confirmaram: as corrosões no material indicam que ele pertence inequivocamente ao primeiro século. E mais: o artefato seria anterior à época de Paulo e poderia conter referências a eventos contemporâneos ou concomitantes aos últimos dias de Jesus na Terra.

O artefato é, atualmente, alvo de uma disputa entre seu proprietário (um beduíno, israelita que teria violado um acordo entre Israel e a Jordânia quantas à posse de artefatos) e o governo da Jordânia, cuja intenção é repatriar o achado. Os arqueólogos britânicos que trabalha com a descoberta teme o que seu proprietário não-cristão possa fazer com o achado.

No momento, exige-se cautela. Assim pensa o Dr. Rodrigo Silva, professor do UNASP, e doutor em arqueologia bíblica pela Universidade de Jerusalém, além de doutorando em arqueologia clássica pela Universidade de São Paulo. “Este parece ser um achado muito interessante, caso se confirme verdadeiro. Por enquanto, a prudências nos orienta a esperar, até termos novos dados laboratoriais e técnicos que certamente serão divulgados pelos especialistas”, conclui ele.


Dailymail via Biblical Archeology Review (além da dica do amigo Matheus Cardoso, da CPB).

segunda-feira, 28 de março de 2011

OS SANTOS, OS DONS E A IGREJA IDEAL

A revista ministério, em sua edição deste bimestre (Março/Abril) publicou meu artigo Igreja:modo de usar, que foi rebatizado de Aperfeiçoando santos (p. 21, 22). Clique aqui para ler edição em pdf.

quinta-feira, 24 de março de 2011

SONHANDO COMO DEXTER

Por trás desse cara normal...

Bem humorado e um tanto misantropo, o perito Dexter Morgan leva uma vida aparentemente normal. Ele trabalha para a polícia de Miami como especialista em trajetória de sangue na cena do crime. Sua irmã adotiva é policial, assim como Harry, o homem que o achou aos três anos em uma cena de crime. Dexter namora Rita, uma divorciada que tenta reconstruir a vida com dois filhos, após sofrer com o ex-marido, drogado e abusivo. Tudo em Dexter parece normal.

Mas Dexter é um serial killer!

Na verdade, ele mata outros serial killers que escaparam da malha fina do sistema judicial. A história do assassino carismático e empenhado em simular o comportamento de pessoas normais é veiculada na charmosa série Dexter, do canal Showtime. Mas Dexter surgiu mesmo como personagem dos romances de Jeff Lindsay (cinco livros foram escritos pelo autor, que, curiosamente, é esposo da sobrinha de outro grande nome da ficção americana, Ernest Hemingway).

Apenas a primeira temporada de Dexter tem relação direta com a obra de Lindsay, especialmente com o primeiro livro, Darkly Dreaming Dexter (em português Dexter, a mão esquerda de Deus, Planeta, 2010). Comento sobre a primeira temporada, a única que assisti (e não pretendo seguir acompanhando).

Os dilemas morais em Dexter são intensos e a trama, envolvente. Dexter se vê atraído por um assassino que retira todo o sangue de suas vítimas. À medida que o caso avança, Dexter percebe que ambos estão estranhamente ligados e que Harry, o policial que o adotou, escondeu detalhes importantes de seu passado.

Dexter foi treinado por Harry. Por isso, seus crimes demonstram íntimo conhecimento das técnicas policiais. Ele costuma recolher uma amostra de sangue de suas vítimas e guardá-las em lâminas, arquivadas como lembrança de cada caso. Como um psicopata que é, ele não tem sentimentos, o que o força a manter elos forçados com as pessoas ao seu redor (o que também faz, de certa forma, parte das instruções transmitidas pelo pai adotivo; Dexter vive aludindo ao “Código de Harry”).

Há uma ênfase imoral no seriado. Michael C. Hall, que vive Dexter na série, declarou em entrevista que nem leva a sério quando as pessoas dizem que o enredo incentiva o comportamento de psicopatas. Pode ser verdade que admitir o contrário seja um exagero – ninguém se torna assassino de facto por assistir Dexter. Entretanto, ao nos fazer simpatizar pela personagem e torcer por ele, o programa transmite a controversa idéia de que talvez o assassinato não seja tão maléfico, desde que se mate a pessoa certa! Mas se é necessário alguém mau para combater mal, quem combaterá ao próprio mau?

Outra maneira de enxergar a série, pelo lado positivo, está na constante busca de Dexter de, alguma forma, ser alguém normal. Em um dos episódios, ele responde à Rita que seu maior sonho é viver a vida comum, como todas as outras pessoas. Claro que ela não percebe as reais implicações do seu discurso e compartilha (ao modo dela) dos anseios do namorado. Em todo caso, pode se notar o dilema de uma pessoa forçada a simular em cada interação social, a fim de garantir sua sobrevivência. Esse lado filosófico da personagem remete à situação de vazio existencial das pessoas em nossa época, forçadas a representar papeis sociais, sem encontrar um fundamento filosófico sólido para a existência. Analogicamente, o homem pós-moderno é um Dexter que sonha com a normalidade, enquanto vive em um mundo de aparências ante turbilhões de loucura
.

quarta-feira, 23 de março de 2011

RELIGIÃO: ESPÉCIE EM EXTINÇÃO


Um novo estudo publicado no site do Estadão adverte que a religião pode se extinguir em nove países: Austrália, Áustria, Canadá, República Checa, Finlândia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia e Suíça. O prognóstico pessimista leva em conta dados do censo desses países, que constatou o alarmante crescimento de pessoas que se declaram sem-religião.
Por que uma sociedade entra em processo de secularização? O que suscita o afastamento de pressupostos religiosos? Sugiro que a inocuidade da religião, pensando em concepção de vida, assume o posto de fator preponderante. Para sermos justos, diversos fatores contribuem para o processo. Não obstante, o mero desenvolvimento industrial e tecnológico, e as demandas da vida consumista nos grandes centros urbanos, per si, constituem explicações incompletas. A meu ver, a mutilação da estrutura religiosa (condicionalmente esvaziada pelo zeigeist da vez), ou sua inadequação ao contexto pós-moderno, explica melhor a problemática; afinal, se a fé falha em prover com suporte holístico o homem do século XXI, por que manter sua estrutura conceitual?
Logo, as religiões (incluindo, infelizmente, o cristianismo) se mantêm em um sentido diametralmente oposto ao da racionalidade pessimista, que sub-repticiamente se instalou na modernidade, desembocando na pós-modernidade. O que pode salvar o cristianismo? Um senso de missão, sem dúvida, implicaria em envolvimento dos seus adeptos, acarretando aprimoramento da vivência religiosa fora das paredes do templo. Tem de ser observado, entretanto, que se a missão se restringir à quantidade de pessoas aceitas na comunhão da igreja por meio do batismo, estaremos reduzindo o propósito integrador e holístico do cristianismo.
Integrador, porque a participação na missão não cessa quando alguém toma parte em um rito de iniciação. Integrar-se em uma comunidade requer convivência e readaptação a um novo padrão de vida. Os membros da igreja são responsáveis por permitir ao novo converso acesso e participação em seu estilo peculiar de vida permeado pela vida na comunidade ideal de Deus. A vida em comunidade também envolve o reconhecimento e uso do dom espiritual concedido a cada crente (1 Co 12), o qual deve ser empregado de forma harmoniosa, para crescimento da comunidade (Ef 4). Cabe aos ministros a função de desenvolver os dons espirituais (Tt 1:5, onde a palavra traduzida por “estabelecer” significa levar de um “ponto a outro”, “desenvolver”).
O propósito integrador está associado ao segundo, dito holístico. O cristianismo não se limita a atividades de fim de semana. Cristianismo engloba administração de emoções, perfil profissional, aquisição de conhecimento, relacionamentos interpessoais e todas as demais temáticas existenciais referentes ao indivíduo. Obviamente, alguns elementos são acrescidos com a maturidade espiritual, razão pela qual não se pode esperar perfeição em estágios iniciais – e mesmo perfeição absoluta se torna onírica e fantasiosa; fala-se em integridade, em perseguir propósitos e busca de maturidade.
O cristianismo medíocre que ora viceja é o pai da secularização. Apenas quando ele voltar ao seu cerne, poderá virar o jogo, em termos de influência decisiva sobre indivíduos e sociedade.


Leia também:

terça-feira, 22 de março de 2011

HERÓIS SEGUNDO A BÍBLIA

Eu não me lembro de ter lido em algum meio de comunicação, até agora, o nome completo dos cerca de cinquenta homens envolvidos na usina de energia nuclear em Fukushima, no Japão, com a finalidade de reparar os danos causados pelos tremores ocorridos recentemente no país. Você provavelmente também não sabe o nome de nenhum deles. Mas estão sendo chamados mundialmente de heróis. Heróis anônimos em algumas menções. No entanto, o que hoje significa ser um herói. Qual a conotação por trás desta palavra?

O conceito de herói é bem diversificado na mente humana. Os 33 trabalhadores mineiros, que conseguiram recentemente sair vivos de uma mina no Chile, foram aclamados como heróis. E o feito foi digno de nota. Providência divina sem dúvida alguma. Mas há outros que, nas artes e mesmo no entretenimento barato e de mau gosto, também são classificados de heróis. Programas televisivos de anestesia moral e mental tratam de eleger alguns ícones do comportamento irresponsável como heróis.

A história dos homens de Fukushima, que está sendo narrada em segundo plano neste episódio lamentável dos terremotos e tsunamis mundiais, veio a minha mente hoje como uma lição importante para nossa vida. O motivo é que a atitude deles, apesar de parecer estranha, mostra-nos que o heroísmo verdadeiro - ou heroísmo bíblico como prefiro chamar - tem relação com outros aspectos. Obviamente eles estão colocando sua vida em risco ao se exporem à contaminação radioativa. Mas destaco alguns recortes das atitudes deles que me fazem pensar:

Heróis são anônimos muitas vezes - Na Bíblia há, ao menos, duas menções do nome Obadias. Uma delas se refere a um homem, que servia ao rei de Israel à época Acabe, e que havia sido responsável por esconder cem profetas de Deus da temida e impiedosa esposa do monarca, a rainha Jezabel, uma mulher estava determinada a matar quem se insurgisse contra seus cultos idólatras. O feito de Obadias, relatado em I Reis 18, foi importante, porque ele colocara em risco sua própria vida ao se voltar contra uma ordem real com efeitos de obrigação. Mas você não vai encontrar nenhum agradecimento público, entrega de medalha de honra ao mérito e tampouco qualquer outra referência ao nome de Obadias neste contexto na Bíblia. Heróis, muitas vezes, permanecem no ostracismo, mas seus atos não.

Heróis servem a uma causa maior - O conceito do líder servidor no mundo corporativo e competitivo hoje é bem mais comum do que em tempos passados. Ou seja, aquele sobre o qual repousam responsabilidades que afetam um determinado grupo precisa entender que servir é sua primeira e mais importante atitude. Pelo exemplo, ele conquista os liderados. Se falarmos de heróis, a máxima vale da mesma forma. Na Bíblia, encontramos figuras como Moisés, por exemplo, que serviram a uma causa maior apesar de serem mal compreendidos pelos demais e de sofrerem por esta razão. A preocupação essencial de Moisés não era, especialmente durante a travessia do povo hebreu pelo deserto em direção à terra prometida, consigo mesmo ou com seus próprios interesses. O bem maior da comunidade religiosa, aquilo que beneficiaria à maioria, estava em primeiro plano. O mesmo se dá no episódio dos trabalhadores de Fukushima. Ali, a preocupação foi com os riscos de uma expansão de contaminação radioativa que pudesse atingir a muitos.

Heróis bíblicos não cruzam os braços diante dos problemas - Em Fukushima, esta ideia está bem clara nas atitudes demonstradas. Na Bíblia, penso imediatamente em heróis como Josué, jovem líder que sucedeu a Moisés na condução do povo hebreu, mas que enfrentou diversos e diferentes problemas neste caminho. O heroísmo, segundo o livro sagrado, não está tanto em ser ousado a qualquer custo. Isso pode até soar como arrogância e irresponsabilidade. Mas Josué nos ensina, quando liderou a travessia do rio Jordão em período de cheia, ou quando estavam à frente da derrocada das aparentemente intransponíveis muralhas de Jericó, que ser herói é agir mesmo quando a situação parece exigir a desistência pura e simples. Poderia ter cruzado os braços e alegado incapacidade de superar estes e outros obstáculos. Mas sua confiança plena em Deus e a certeza de estar seguindo os planos divinos não permitiam que recuasse ou incentivasse outros a desistir.

Eu prefiro acreditar em heroísmo à luz da Bíblia e não na fabricação fictícias de heróis que se faz hoje na mídia em geral. O interessante do heroísmo bíblico é que seus efeitos e mais precisamente seus benefícios não ficam evidentes, muitas vezes, no período em que os heróis atuam. As boas consequências surgem posteriormente, quando os homens e mulheres (porque temos muitas heroínas enquadradas também nestes aspectos) caem no esquecimento, mas a diferença que fizeram para outros e para o bem maior não são apagados facilmente.
Felipe Lemos, no Outra Leitura
Leia também:

quinta-feira, 10 de março de 2011