quarta-feira, 28 de outubro de 2009

DÚVIDA: BENEFÍCIO PÓS-MODERNO


Em nossa época, olha-se com desconfiança para quem possua qualquer tipo de certeza. A honra cabe àqueles que apresentem suas dúvidas, em relação a qualquer área. Todo o tipo de conspiradores tem surgido, e explicar a realidade tendo por base uma rede de verdades fictícias é tema recorrente de filmes, reportagens e livros – assim, a ficção desforra-se da realidade, lançando sobre ela suas próprias atribuições. A melhor certeza, apontam os conspiradores, é desconhecer as certezas e duvidar de todas elas. Vale, entretanto, a ressalva: os conspiradores geralmente são interlocutores de um monólogo acrítico, resguardando suas teorias das dúvidas que lançam contra tudo mais.
Passo a desenvolver melhor a ressalva apresentada: supondo que um conspirador apresente a teoria A, em geral, a validade de seus argumentos será proporcional ao clima de dúvida que lançará contra ideias e parâmetros bem aceitos. Ocorre, na maioria das empreitadas do gênero, que todo tipo de evidências casuais e pálidas são tecidas por duvidosa linha argumentativa, a qual se respalda na crítica pela crítica, na dúvida pela dúvida – como se apenas a não aceitação de uma determinada convenção já fosse algo inerentemente meritório!
Os conspiradores e seus pares evocam uma suposta coragem ao duvidar. Mas seria toda dúvida um ato inequívoco de coragem? Se meu prédio pegasse fogo, e eu saísse gritando pelos corredores, na tentativa de alertar meus vizinhos, imagine que um deles (digamos, o que mora no apartamento 105), me dissesse que duvida da realidade de um incêndio (ainda que a fumaça negra se avolumasse e o odor de fuligem se intensificasse) seria tal morador um homem corajoso? Em verdade, diríamos ser ele um louco, um acomodado ou um desatento, mas em nenhum destes adjetivos se vislumbraria algo semelhante à verdadeira coragem.
Mas a dúvida pode estar ligada a uma atitude efetivamente corajosa? É claro. Vamos inverter a situação do exemplo anterior. Imagine se o vizinho que ocupa o apartamento 105 saísse, desconfiado com a possibilidade de incêndio, e eu, por qualquer razão superficial (talvez, nesse caso, eu agisse de forma louca, acomodada e desatenta), lhe dissesse não haver nada, e mesmo assim, ele se insurgisse contra a minha opinião e averiguasse por si mesmo, confirmando a presença das chamas no prédio?
Ou ainda: se eu fosse o síndico, e quisesse manter as aparências, acobertando um incêndio (talvez julgando que os bombeiros estivessem a caminho e pudessem contornar o problema sem pânico), o morador do 105 não seria corajoso ao me enfrentar e divulgar uma informação vital aos demais condôminos?
Qual a diferença, então, nos exemplos mencionados? A dúvida válida acompanha uma certeza, a qual pode ser confrontada dentro da mesma lógica que o objeto do qual duvido. Infelizmente, a maioria dos conspiradores duvida de coisas, e se justificam apenas por duvidar, isentando-se de confrontar suas certezas e suas dúvidas dentro de um mesmo ambiente lógico.
Não creio que a dúvida per si tenha alguma serventia. Serve mais como estratégia de marketing (muitas vezes, pessoal) do que algo que se leve a sério. A dúvida constitui um benefício quando acompanhada de uma certeza, não quando se sustenta na capacidade imaginativa de um conspirador, que a põe na frente de outra dúvida, e de outra, e mais outra, como quem usa um cheque sem fundos para cobrir outro, e o faz indefinidamente. Afinal, uma vida calcada em dúvidas não me soa razoável. Disto, não tenho dúvidas.



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