quarta-feira, 14 de outubro de 2009

CURIOSIDADES SOBRE A GUARDA DO SÁBADO APÓS O PERÍODO APOSTÓLICO


Calvino: para ele, o sábado era um descanso espiritual


Correntemente, muitos cristãos protestantes e evangélicos são da opinião de que o sábado foi superado no período neo-testamentário. Os adventistas do sétimo dia recorrem a textos bíblicos para mostrar que (A) Jesus não veio abolir a lei moral (Mt 5:17-19; 19:16-19; 24:20), (B) os apóstolos mantiveram a observância aos mandamentos (Rm. 3:31; 7:7,12, 14; Tg. 1:25; 2:10-12) e (C) o sábado continuou como marco da verdadeira adoração, tanto de uma perspectiva histórica da comunidade do I século (Lc 23:53-56; At. 13:14, 42, 44; 16:13; 17:2; 18:4,11), quanto de uma perspectiva escatológica (Ap 1:10; 14:7 – cf.: Ex 20:11; Is 66:23). Ainda assim, alguns indagam: o que aconteceu com o sábado nos séculos subsequentes à era dos primeiros cristãos? Teria esta verdade ficado escondida até o surgimento da Igreja Adventista?
Devido à limitação de espaço, este pequeno artigo apresentará brevemente uma retrospectiva sobre a preservação do sábado até a época da Reforma. Para isso, retomaremos alguns dos dados coligidos por J.N. Andrews em seu trabalho clássico sobre o assunto, History of Sabbath and First Day of Week [1], originalmente publicado em 1873. Para tornar o trabalho mais compreensível, nos valeremos da seguinte abordagem: (I) O sábado nos escritos dos chamados pais da igreja; (II) O sábado durante a Idade Média; (III) Por último, focalizaremos posição dos reformadores sobre o quarto mandamento.

(I) O sábado nos escritos dos pais da igreja

Os líderes cristãos que vieram após o período apostólico são chamados pais da igreja. Eles deixaram diversos escritos, e, embora nenhum deles seja aceito como inspirado, são úteis, pois servem de registro do pensamento teológico de cada período, bem como das circunstâncias pelas quais passou a igreja ao longo dos séculos.
Mesmo nesta fase, foram muitas as controvérsias envolvendo o quarto mandamento. Em 135 d.C., o imperador Adriano legislou contra os judeus, proibindo suas práticas religiosas (o que incluía o sábado). Isso motivou alguns pais da igreja a escreverem apologias contra os judeus e a reconsiderarem o entendimento sobre o sábado. [2]
Ironicamente, muitos destes líderes cristãos defendiam com zelo os dez mandamentos. Irineu, por exemplo, argumentava que “no princípio, de fato, advertiu-os [aos judeus] por meio de preceitos naturais, os quais desde o princípio haviam sido postos em prática, isto é, por meio do decálogo (o qual, se alguém deixar de observar, não terá salvação) que então nada mais exigiria deles.”[3] Novacio, considerado pai dos puritanos, escrevendo em cerca de 250 a.C., fala do dez mandamentos como sendo dados para que Israel retornasse às virtudes, as quais os pais da nação receberam de Deus.[4]
Já na epístola de Barnabé, parece se fazer uma avaliação dúbia do sábado: por um lado, o autor afirma corretamente que o sábado vem desde a criação[5]; em contraparte, ele rejeita a guarda do quarto mandamento. [6]
Tudo indica que a oposição ao judaísmo norteou a perspectiva pela qual os cristãos da era pós-apostólica encaravam o sábado. Assim, lentamente se introduziu a guarda do domingo (de origem pagã), até que esse dia substituísse o sábado bíblico. Entretanto, por muitos séculos, o quarto mandamento continuou a ser observado. [7]

(II) O sábado durante a Idade Média

Uma vez estabelecida a guarda do domingo, a justificativa dada pelos teólogos medievais foi no sentido de separar aspectos morais (o princípio de reservar um dia em sete) dos aspectos cerimoniais (o sétimo dia em si); assim, a Igreja Católica mantinha os aspectos morais, mas os transferia para o primeiro dia da semana. Atribui-se a Tomás de Aquino tal argumento. [8]
Entre as igrejas sob a autoridade de Roma, o sábado foi completamente suprimido. Contudo, cristãos não católicos preservavam o sábado em Roma e na Inglaterra (cujo norte sofreu a influência dos cristãos Culdee, que eram sabatistas). [9] Os próprios Valdenses também eram descritos por seus opositores como Sabbati, Sabbatati, ou Insabbatati, devido ao seu respeito pelo quarto mandamento. [10] Sabe-se também que o sábado constituiu-se uma das razões para o cisma que separou até bem pouco tempo a Igreja Católica Romana dos cristãos ortodoxos (em 1054).[11]

(III) A posição dos reformadores sobre o quarto mandamento

Embora a Reforma significasse um retorno à Bíblia como regra de fé, nem todos os erros do Catolicismo foram abandonados prontamente pelos reformadores. Para Lutero, Cristo nos libertou do sábado, considerado por ele uma ordenança do Velho Testamento. [12] Lutero também viu frustrados os esforços de seus melhores teólogos, que não puderam convencer Oswald Glait e Andreas Fischer a deixar de guardar o sábado (em 1527). [13]
Quanto a Jean Calvino, ele aceitou uma compreensão espiritualizada do sábado, em que o aspecto do repouso em Cristo substitui a obrigação de guardar o sábado semanal. [14] Todavia, o reformador de Genebra não aceitava a ideia de que Jesus ou Seus apóstolos haviam mudado a observância do sábado.[15]

Conclusão

Da mesma forma como sempre houve guardadores do sábado, verifica-se a existência paralela de oposição a este dia. E embora nos primeiros séculos do Cristianismo tenha se desenvolvida uma tradição em favor da observância gradual do domingo, tal prática não acha nenhum fundamento na Palavra de Deus. O exemplo daqueles que se sacrificaram pela Verdade deve nos motivar hoje para continuarmos vivendo em obediência a Deus (Ap 14:12).

[1] J.N. Andrews, History of Sabbath and First Day of Week, disponível em . Doravante, HS.
[2] Samuele Bacchiocchi, “Sob fogo cruzado”, in Ministério, Março/Abril de 1999, 21. Nas referências posteriores, mencionado como SFC.
[3] Irineu, Contra as Heresias, livro IV, capítulo XV, seção 1, conforme citado em HS,  174.
[4] Novatios on the Jewish Meats, capítulo 3, citado em idem, 175.
[5] Epístola de Barnabé, capítulo XV, citado em idem, 176.
[6] SFC, 21.
[7] Para uma consulta sobre a opinião de diversas autoridades que confirmam isso, ver Carlyle B. Haynes, Do sábado para o domingo (Tatuí, SP:Casa publicadora Brasileira, 2004), 2 ª reimpressão da 10 ª edição, 37-42-ss.
[8] SFC, 22
[9] HS, 229-230. O movimento Culdee surgiu quando alguns clérigos e monges passaram a advogavar uma reforma espiritual e ascética, em face da mundanidade nos círculos cristãos, o que influenciou a igreja Irlandesa até o séc. XI. Ver Henry Loyn, Dicionário da Idade Média, 481. disponível em .
[10] HS, 234.
[11] C. Mervyn Maxwell, Uma nova era segundo as profecias de Daniel (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2006), 3ª reimpressão da 2 ª ed., 140.
[12] SFC, 22.
[13] C. Mervyn Maxwell, Uma nova era, 141-142.
[14] SFC, p. 23.
[15] HS, p. 252.



2 comentários:

Anônimo disse...

em vão Me adoram... ensinando preceitos q são de homens.

douglas reis disse...

Geici,

seja bem-vinda ao blog. Concordo com você que, por muitos séculos, as doutrinas ensinadas por homens. Deus seja louvado por que o sábado bíblico foi restaurado!