Embora
o Cristianismo forneça um programa de vida, por assim dizer, cuja
característica fundamental esteja na “novidade de vida” (II Co 5:17), a maneira
cristã de viver sofre direta interferência da Cultura. Em muitos casos, esta
interferência não altera a essência da Religião, apenas manifesta, dentro de
determinado repertório social, o que a Religião orienta. Diferentes culturas
podem variar na sua compreensão de reverência, por exemplo – enquanto cristãos
árabes tiram seus calçados ao adentrarem em um templo (ao modo dos patriarcas),
os ocidentais expressam a reverência pelo respeito em suas ações dentro do
local em que adoram, seja não conversando ou evitando que as crianças comam
durante o culto. Dentro do que se afirmou, infere-se que a interferência
cultural não é necessariamente negativa para a experiência religiosa cristã.
O
problema reside nas situações em que costumes corroboram para uma reformulação
dos ensinos cristãos, tornando-os, na prática, algo substancialmente diferente,
em menor ou maior grau, daquilo que a Bíblia tenciona. A cada ciclo epocal,
tendências suscitadas pelas correntes de pensamento oferecem desafios ao
programa de vida propriamente cristão. As tendências são combatidas pelos
pensadores cristãos, seja através de novas formulações da fé ou pela ênfase nas
áreas desafiadas, reafirmando a verdade. Em outros casos, as tendências são
assimiladas, e, dentro deste processo, o sistema de pensamento cristão sobre
uma contaminação, capaz de comprometê-lo de uma forma ou de outra.
Com
o advento de um novo século, marcado pela ubiquidade da tecnologia e pelo
enfraquecimento do Estado como entidade regulamentadora, assistimos a ascensão
de uma sociedade hostil aos valores cristãos fundamentais. Cada cidadão é seu
próprio peso e medida, e as censuras são desarmadas em nome da liberdade
individual. O que impera é o “raciocínio bricolagem” – ou “faça você mesmo” –
que é aplicado a quase toda questão que envolva a escolha individual.
Como
funciona o “raciocínio bricolagem”? Ele pressupõe a competência individual para
selecionar e montar seu próprio produto consumível. Isto explica porque há uma
queda no mercado fonográfico – poucas pessoas se interessam por comprar CDs,
quando podem “baixar” as faixas preferidas de seus CDs através da internet,
montando sua própria coletânea. Algumas artistas, sensíveis a este comportamento,
estão disponibilizando faixas musicais em sites, vendendo-os separadamente.
O
mesmo raciocínio bricolagem afeta a vivência religiosa do século XXI. Religião
é encarada como uma prestação de serviços, estando ela em constante busca por
oferecer opções a um mercado exigente. A fidelidade religiosa não é tão
relevante como estar satisfeito com os serviços prestados; afinal, pode-se
trocar uma prestadora (igreja) por outra.
Dentro
deste prisma, o conteúdo bíblico-doutrinário é um interesse periférico.
Busca-se uma igreja que dê suporte para a união matrimonial, que ofereça
assistência a adictos, e cujos cultos sejam atraentes (daí a relevância dos
ministérios de louvor), que apresentem alternativas que permitam engajar-se em
uma área qualquer (social, lúdica, artística, etc).
Para
atender a esta demanda, os ministérios cristãos têm, grosso modo, se pautado
por uma política de acompanhar as tendências de mercado a risca, mudando suas
estratégias, à medida que seguem uma postura empresarial (a imagem do pastor
como um empresário substitui a do clérigo protestante austero em seus modos e
respeitado pela sua autoridade doutrinária). Hoje se pode falar de um
ministério iconográfico, que exerce influência por meio da manipulação pessoal
da congregação, seja pelos recursos teatrais de sua oratória, ou pelo carisma
pessoal (sempre ligado ao sobrenatural, o que se deve à unção do ministro que
se afirma como porta-voz do Ser Sagrado e também a se ele um autoproclamado
agente de libertação, com poder de curar, exorcizar, etc.).
O
adorador-cliente faz sua própria Religião como quem escolhe o recheio de um
sanduíche em um shopping - center. Com isso, o poder da Revelação divina feita
dentro da História fica reduzido a uma parte da própria História, perdendo seu
aspecto normativo universal. A obediência do homem a Deus perde sua
importância; sugiro que o desprestígio da obediência concreta seja diretamente
responsável à falta de maturidade espiritual que os cristãos do século XXI
experimentam.
Grupos
cristãos tradicionais se veem na encruzilhada de assimilar, ainda que
timidamente, as estratégias empregadas pelas igrejas-empresas ou manter-se como
um gueto, inacessíveis para os não-cristãos. É claro que há uma alternativa:
para reverter o quadro, seria necessária uma mudança de enfoque, tanto para
atrair as pessoas secularizadas mostrando as áreas de serviço da igreja
(através de cursos, palestras, encontros especiais), ao mesmo tempo em que não
se descuidasse de fornecer uma acessória para as pessoas já cristãs,
enfatizando sistematicamente a doutrina bíblica, não como uma bolha boiando no
vácuo, mas a doutrina contextualizada com a época em que estamos.
Como
em qualquer outro período da História, há desafios e oportunidades. Da
conjunção de ambos, tem-se o espectro de nossa realidade, frente à qual os
cristãos fiéis à comissão bíblica (não só evangelizar, não só conservar o
conteúdo doutrinário, porém, evangelizar com conteúdo – Mt 28:19 e 20) são
chamados a militar como adoradores que têm o testemunho de Jesus e guardam os
mandamentos de Deus (Ap 12:17), revelando ao mundo a urgência de adorar o
Criador (Ap 14:7).
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