Em cinco anos de Pontificado, Bento XVI vem se mostrando um prolífico escritor. No dia 29 de Junho de 2009, o atual líder católico-romano entregou sua terceira encíclica, veiculada apenas no dia 7 de Julho. Caritas in veritate[1], a nova carta-apostólica, homenageia a Populorum progressio, encíclica de autoria de Paulo VI (1967). Em ambas, apesar da distância histórica, o tema predominante é responsabilidade social da igreja, a qual se apoia em uma doutrina peculiar. Analisaremos brevemente as partes da encíclica atual, oferecendo alguns contrapontos, seguidos de uma avaliação geral. De antemão, afirmamos haver nas palavras de Bento XVI confirmação inequívoca daquilo que, como adventistas, sustentamos ao longo de nossa existência: a intenção de Roma de voltar a reger as nações.
“Mas, seguindo a verdade em amor, cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo” (Ef. 4:15, BJ) – eis o versículo-chave para a encíclica; desde as linhas iniciais, já se promove o desenvolvimento integral da humanidade, tendo como base o amor, a tal “força extraordinária”, a qual o papa diz impelir “as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz”. O amor e a Verdade (que o origina) são impulsos, nunca desaparecendo do coração dos homens, porque Deus os mantém ali; ambos constituem, portanto, uma vocação ligada à “iniciativa de amor e o projeto de vida verdadeira que Deus preparou para nós”. A caridade na verdade é de tal maneira identificada com a própria vida cristã que aparece como “o Rosto da sua Pessoa [de Cristo]”. Bento dá maior relevo ao tema: “A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira” [2].
Diante dos efeitos gerados pela pós-modernidade, para qual a verdade é utilitária e definida por parâmetros sócio-culturais [3], Bento dirige suas críticas ao pensamento vigente: ele clama por adesão aos valores do Cristianismo, os quais devem revelar-se tanto na esfera privada quanto na pública, a fim de que haja “verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo.” Convoca-se todos os homens a que sejam “sujeitos de caridade” [4].
“Mas, seguindo a verdade em amor, cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo” (Ef. 4:15, BJ) – eis o versículo-chave para a encíclica; desde as linhas iniciais, já se promove o desenvolvimento integral da humanidade, tendo como base o amor, a tal “força extraordinária”, a qual o papa diz impelir “as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz”. O amor e a Verdade (que o origina) são impulsos, nunca desaparecendo do coração dos homens, porque Deus os mantém ali; ambos constituem, portanto, uma vocação ligada à “iniciativa de amor e o projeto de vida verdadeira que Deus preparou para nós”. A caridade na verdade é de tal maneira identificada com a própria vida cristã que aparece como “o Rosto da sua Pessoa [de Cristo]”. Bento dá maior relevo ao tema: “A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira” [2].
Diante dos efeitos gerados pela pós-modernidade, para qual a verdade é utilitária e definida por parâmetros sócio-culturais [3], Bento dirige suas críticas ao pensamento vigente: ele clama por adesão aos valores do Cristianismo, os quais devem revelar-se tanto na esfera privada quanto na pública, a fim de que haja “verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo.” Convoca-se todos os homens a que sejam “sujeitos de caridade” [4].
Há um veemente apelo na Caritas in Veritate por reforma econômica, em vistas do agravamento da crise econômica mundial. Dois critérios orientadores de ação moral, lembrados por Bento, fundamentam sua ética sócio-econômica: a justiça e o bem comum. Por essas duas vias, Bento traça a rota para uma globalização que assuma “as dimensões da família humana inteira”, numa união de todos sem barreira; assim, a cidade do homem estará mais próxima da cidade de Deus, onde a união será completa [5].
As várias faces da caridade
Joseph Ratzinger habilmente conduz sua argumentação pelos seis capítulos da encíclica, desdobrando as dimensões da caridade. Na maioria das vezes, seu embasamento provém de documentos de outros pontífices.
No primeiro capítulo, o líder máximo do Catolicismo retoma as homenagens à Populorum progressio, da qual destaca o ensinamento sobre a atuação da igreja na sociedade, não restrita às atividades assistenciais ou educativas – pensa-se na igreja como promotora da “fraternidade universal quando pode usufruir de um regime de liberdade.” Ironicamente, somos lembrados pelo Apocalipse da perseguição ocorrida durante a Idade Média, na qual a igreja de Roma lutou contra os santos (Dn. 7:25; Ap. 17:5-6). Certamente que as atividades deste período constituíram empecilhos à paz, à altura daqueles censurados pela encíclica do atual pontífice!
Bento XVI ainda fala ser indispensável a perspectiva voltada à eternidade para o desenvolvimento integral do homem. Contudo, na encíclica anterior, a Spe Salvi (2007), a eternidade era confusamente definida: ao contrário de “uma sucessão contínua de dias do calendário,” eternidade seria “algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade.” [6]
Conquanto que a vida eterna, quando bem compreendida, ofereça inúmeros benefícios ao desenvolvimento cabal do indivíduo, ficam sérias dúvidas de que apenas “um instante repleto de satisfação” restaure o homem à condição de perfeição edênica; requer que se adote o Éden como parâmetro, uma vez que ali o homem era integral, isento, inclusive, da morte. Se o problema da morte, surgido com o pecado (Rm. 6:23), não for resolvido, será impossível que o homem volte a desfrutar de algo semelhante a um “desenvolvimento integral” no campo da metafísica. E uma proposta espiritual que desconsidere este ponto não terá muita diferença de uma perspectiva humanística.
Outro aspecto da encíclica que conflita com a própria visão católica: reportando-se à confiança no poder das instituições, Bento argumenta que, em tais casos, “o desenvolvimento ou é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento desumanizado.” Entretanto, perguntaríamos: na época de Gregório VII, um dos papas politicamente mais influentes do Ocidente, a sociedade fomentava um “desenvolvimento mais humanizado”? Entendendo que Bento leva em conta a excessiva confiança humana, a qual credita a salvação ao esforço próprio, responderíamos: o catolicismo não produz algo semelhante? As indulgências, peregrinações e a disciplina eclesiástica não são obras meritórias que conduzem a uma auto-salvação? Esta contradição interna lança descrédito à proposta de desenvolvimento com base na “vocação transcendente de Deus Pai”, da forma retratada na encíclica.
No capítulo seguinte, discorre-se com maiores detalhes sobre a crise econômica que se iniciou com a inadimplência ligada ao mercado de imóveis nos Estados Unidos. Em vista da realidade de um mundo globalizado, com um “quadro de desenvolvimento policêntrico”, a solução para a crise só pode ser integrada, partindo de “uma nova síntese humanista.” Tem que se “preservar e valorizar” primeiramente o capital humano, rechaçado pela competitividade da indústria; os direitos dos trabalhadores têm que ser reavaliados.
[1] Bento XVI, Caritas in veritate, disponível em http://zenit.org/article-22072?l=portuguese. De agora em diante, apenas CIV.
[2] CIV.
[3] Uma breve avaliação da Pós-modernidade, desde seus antecedentes no naturalismo metafísicos até o panorama atual, encontra-se em Douglas Reis, Pós-modernidade à luz de 2 Pedro 3, disponível em http://outraleitura.com.br/web/artigo.php?artigo=30:Pos-modernidade_a_luz_de_2_Pedro_3. Para uma abordagem mais ampla, consultar (a) Stanley J. Grenz, Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo (São Paulo, SP: Vida, 2008), 2ª Ed; (b) Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna (Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1998); (c) Perry Anderson, As origens da Pós-modernidade (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 1999); (d) Zygmunt Bauman, O mal-estar da pós-modernidade, (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 1997).
[4] CVI.
[5] Não se pode deixar de perceber aqui o uso de termos caros à teologia agostiniana. Ver Santo Agostinho, A cidade de Deus (tradução: J. Dias Pereira, Lisboa, Portugal: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1991), volume 1.
[6] Uma crítica a Spe Salvi se acha em Douglas Reis, A esperança que confunde: a encíclica Spe Salvi vista de uma perspectiva adventista, Revista Ministério, Março-Abril de 2008
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