quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

INOCÊNCIA OU ESCLARECIMENTO? - parte 2



II – A mensagem da Bíblia é progressiva:
Se é fato que Pedro valoriza a sua experiência prévia com Cristo (2 Pe. 1:16-18), não olvidemos que o apóstolo declarou existir alguma coisa ainda mais forte do que as evidências dos sentidos, de ouvir e ver; segundo ele, “temos, mui firme, a palavra dos profetas” (v.19, ECA ). Na versão da New English Bible esta passagem se traduz desta maneira: “na mensagem dos profetas temos algo mais firme”.
Quem são os profetas? Pedro os define como homens “movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe. 1:21). Eles não produziram a profecia, nem criaram hipóteses ou especulações que fomentassem algum tipo de atividade profética (2 Pe. 1:20). Tecnicamente, dizemos que todo profeta é inspirado por Deus (2 Tm. 3:16).
A inspiração é um fenômeno que indica que o Espírito Santo atuou na mente do profeta, embora lhe desse liberdade para expressar com sua própria cultura e linguagem peculiar os pensamentos inspirados. Uma evidência disso está na variedade de estilos literários encontrados na Bíblia: de poesia à narrativa histórica, de ditos morais à epistolografia, de parábolas a profecia (propriamente dita), entre outros.
Quando alguém estuda e compreende a revelação sob a direção do Espírito Santo, dizemos que tal pessoa recebeu a iluminação. Você pode compreender que todos os profetas foram inspirados, mas nem todos tinham iluminação, uma vez que não entendiam completamente a própria mensagem que comunicavam.
Na primeira carta, Pedro discorre sobre os profetas “que falaram da graça”, relatando que eles “investigaram e examinaram” o cumprimento de suas mensagens, emboram soubessem “que estavam ministrando, não para si próprios”. Mesmo os profetas não possuíam todo o conhecimento, apenas sabem o que Deus lhes revela (2 Rs. 4:27). E a revelação foi progressiva – Deus não despejou o plano completo da salvação diante de Adão após o pecado. Gradual e pacientemente, o Amoroso Pai ensinou a raça caída os detalhes da Salvação.
Estes versículos nos remetem à situação de Daniel: no final de seu livro, vemos o profeta confuso, indagando ao anjo que lhe explicasse os pontos difíceis da mensagem recebida. Ao contrário do desejo expresso, Daniel não recebeu nenhuma explicação extra. O anjo que o acompanhava apenas disse que ele deveria selar o livro, porque as coisas descritas por Daniel seriam compreendidas séculos depois, durante o “tempo do fim”. A Daniel deu-se o conselho: descanse e aguarde a ressurreição (Dn. 12:8-13). Nada muito consolador, não é?
Ainda não era a hora dele entender assuntos relacionados ao “tempo do fim”. Daniel é exemplo de como o profeta pode ser inspirado sem ter iluminação. Ele também não ministrava para si mesmo, usando a expressão de Pedro.
III – A mensagem da Bíblia é centralizada em Cristo:
Para Pedro, quer profetas, quer apóstolos, todos centralizam seu discurso em Jesus, retratando Seus “sofrimentos” e “as glórias que os seguiriam.” De fato, é praticamente impossível ler a Bíblia e não reconhecer que Seu foco é a apresentação da Pessoa de Jesus.
O célebre cientista Albert Einstein é um exemplo de alguém que constatou em quem está centralizada a Bíblia. Em entrevista a George Sylvester Viereck, o físico alemão afirma: “Não sou ateu. O problema aí envolvido é demasiado vasto para nossas mentes limitadas. Estamos na mesma situação de uma criancinha que entra numa biblioteca repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito esses livros. Ela não sabe de que maneira, nem compreende os idiomas em que foram escritos. A criança tem uma forte suspeita de que há uma ordem misteriosa na organização dos livros, mas não sabe qual é essa ordem. É essa, parece-me, a atitude do ser humano, mesmo do mais inteligente, em relação a Deus. Vemos um universo maravilhosamente organizado e que obedece a certas leis; mas compreendemos essas leis apenas muito vagamente.”
Apesar de endossar um agnosticismo que o impedia de reconhecer um Deus Pessoal, Einstein reconheceu ser influenciado pela “luminosa figura do Nazareno”: “Sem dúvida! Quem pode ler os Evangelhos sem sentir a presença real de Jesus? Sua personalidade pulsa em cada palavra. Não há nenhum mito que seja imbuído de tanta vida.” [1] Jesus e Sua obra estão ali ao alcance do leitor.
O que Pedro fala sobre Jesus e Sua obra neste trecho? A palavra que Pedro emprega para sofrimento (gr.: pathema) indica sofrimento externo, desgraça, calamidade, mal, aflição [2]. O termo aparece outras três vezes na primeira carta petrina (1 Pe 4:13; 5:1, 9) [3], e, com exceção da última ocorrência, pathema se refere a Cristo, como uma expressão técnica para englobar tudo que compreende Seu martírio (com o mesmo sentido que no Ocidente nos referimos à “paixão de Cristo”); além disso, as mesmas passagens contrastam o pathema do Senhor com glória futura.
Na compreensão de Pedro, profetas e apóstolos vaticinaram ou recapitularam o mesmo tema de perspectivas diferentes, mas ambos viam o Messias Jesus ministrando, sofrendo, posto na cruz, sepultado e finalmente triunfante sobre a morte!
Esta convicção, ainda que soe extremamente “adventista” para os demais cristãos evangélicos, tem encontrado eco entre os grandes estudiosos do texto bíblico. O conhecido apologista Vincent Cheung conclui: “Assim está claro que os profetas do VT receberam maior e mais detalhada revelação referente aos sofrimentos de Cristo, as glórias que iriam se seguir, e também os tempos e as circunstâncias em que estas coisas iriam ocorrer. De fato, eles sabiam mais do que hoje os professos cristãos sabem ou se preocupam em aprender.” [4]
IV – A mensagem da Bíblia vem através de homens:
Sem dúvida, você já notou que a mensagem da Bíblia é a mais importante do Universo – um Deus que por amor Se sacrifica para salvar Seus filhos. Não só homens prestam (ou deveriam prestar) atenção nisso. Pedro descreve que para tais coisas “até os anjos desejam atentar.” (1 Pe. 1:12). O verbo grego traduzido por “atentar” (ou “perscrutar”, em determinadas versões) literalmente significa “olhar para dentro”. Até os próprios anjos observam a fundo o desenvolvimento da obra de Jesus e sua divulgação.
Embora participem do processo de salvação na função de “socorristas” enviados para auxiliar o povo de Deus (Hb. 1: 14), os anjos não são a primeira opção de Deus para ocuparem o púlpito! Nenhum anjo escreveu sequer uma linha da Bíblia – muito embora eles tenham comunicado verdades aos profetas. Anjos não servem como missionários nas savanas da África ou centros urbanos na Ásia. Na maior parte do tempo, o Senhor emprega homens. No passado, profetas e apóstolos. Atualmente, eu e você.
Deus nos concedeu a palavra profética para respaldar nosso testemunho e garantir o poder para cumprirmos a missão que nos confiou. “Tal como os discípulos, a igreja atual dispõe destes mesmos recursos para o cumprimento da sua missão”, escreve Hedwig Jemison. “A experiência pessoal é importante. Os homens e mulheres podem testemunhar a respeito do que têm visto, ouvido e sentido, porém a força e a segurança residem na palavra firme dos profetas. Encontramos na Palavra de Deus que isto foi outorgado à humanidade no tempo antigo, e no dom do espírito de profecia prometido à igreja remanescente, chamada a iluminar o mundo à medida que este se submerge nas trevas. Este dom provê olhos para a igreja no tempo do fim.” [5]
Para que a Palavra de Deus atue com esse poder, ela precisa ser contextualizada. Isto implica em transmiti-la de forma relevante para homens e mulheres contemporâneos. Mas não podemos cair no outro extremo, que consiste em “atualizar” demais a Palavra divina, fazendo soar como um inofensivo livro de alto-ajuda ou um compêndio contendo frases motivacionais. A roupagem pode mudar, porém a essência da mensagem tem de permanecer.
Em um livro recente, Sandra L. Richter retrata como o fenômeno chamado etnocentrismo fez, por exemplo, com que os cristãos medievais enxergassem Jesus a partir de sua própria cultura europeia: assim, o Mestre era retratado como pálido, branco, com olhos azuis e de frágil estrutura física. Entretanto, sob o sol da Palestina e submetido ao extenuante ofício da carpintaria, Jesus deveria ter mãos calosas, músculos bem desenvolvidos e a pele queimada. Se ele fosse loiro, não haveria problema algum; mas Ele provavelmente não era e temos de aceitar a forma como Deus Se revelou. A autora acrescenta que “para entender verdadeiramente suas histórias [dos autores bíblicos], nós deveríamos voltar e permitir que Suas vozes soassem no timbre no qual eles falaram primeiramente.” [6] Na voz de homens e mulheres do passado é possível ouvir a vontade do Senhor. Diante disto, os anjos mantém respeitosa mudez.
V – A mensagem da Bíblia leva à salvação:
Aos dezesseis anos, eu me encontrava no quarto ano de uso do aparelho odontológico. Meu tratamento estava chegando ao final. Mas teria ainda de me submeter ao tratamento fonoaudióloga: ele reposicionaria minha língua, impedindo que ela continuasse empurrando os dentes para frente, mesmo após a retirada do aparelho odontológico.
O consultório da fonoaudióloga dispunha de uma sala de espera estreita, contudo, bem arejada. Eu me assentava em um sofá pequeno, antes que chegasse a vez de ser atendido. Na mobília discreta da sala de espera não foi difícil notar uma pequena Bíblia, situada sobre uma cômoda.
Depois de namorar à distância a Bíblia, resolvi me aproximar daquele velho livro estagnado. Dois clipes, marrons de tão gastos, seguravam as páginas, de modo que a Bíblia permanecesse constantemente aberta no Salmo 91. Por sinal, as páginas do salmo jaziam sobre farta camada de pó. Manuseando a Bíblia, conferi as demais folhas apenas para constatar que estavam brancas e intocadas!
De que vale uma edição da Palavra de Deus, se não for explorada por mãos arrojadas e olhos perscrutadores? Deus não designou Seu livro para servir como um amuleto, cuja função fosse afastar o mal pelo simples fato de estar aberto; para nos apropriarmos das bênçãos da Bíblia, temos de examiná-la e aceitar sua proposta salvadora.
Desde o início, Pedro destaca a salvação, como objeto de busca dos profetas milenares (1 Pe. 1:10-11), foco dos evangelistas da primeira igreja e motivo da concentrada atenção dos anjos celestiais (v.12). A salvação – maravilhoso presente, admirável dom! Ao mesmo tempo, algo tão grandioso se acha ao alcance de todo aquele que se dispuser a examinar as páginas da Bíblia, o livro da Salvação. Este ato, para ser de alguma validade, requer atualização constante, através da renovação consciente de nosso compromisso pessoal com o Ser que inspirou a Bíblia, tendo o intuito de nos legar a salvação.
Leia a primeira parte

[1] Walter Isaacson, Einstein: sua vida, seu universo (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2007), p. 396. Agradeço à minha aluna Jéssica Clemente que me chamou a atenção para este texto.
[2] http://www.studylight.org/lex/grk/view.cgi?number=3804 .
[3]
http://www.studylight.org/lex/grk/frequency.cgi?number=3804&book=1pe&translation=nsn .
[4] Vincent Cheung, Comentary of first Peter, disponível em http://www.vincentcheung.com/books/firstpeter.pdf , p.44. Sou devedor ao Pr. Isaac Malheiros, que mencionou Cheung em uma conversa particular, o que deu origem ao meu interesse na sua obra desse autor.
[5]Hedwig Jemison, Olhando o Futuro Através dos Olhos do Profeta Sermão do dia do Espírito de Profecia, 28 de julho de 1973, disponível no site http://www.centrowhite.org.br.
[6]Sandra L. Richter, The epic of Eden: a christian entry to the Old Testament (Downers Grove, Ili: Inter Varsity Press, 2008), p.22.

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