Imagine que eu subitamente tivesse um transtorno moral. Quem sabe algo como uma compulsão cleptomaníaca por gravatas, a la Henry Sobel. Pense que no momento exato de minha fuga da loja, enquanto escondendo sob o blazer gravatas com lindas estampas, você me visse. O que lhe ocorreria? “Aquele não é o pastor? Mas como pode um ministro estar roubando a loja de gravatas?”
Parece natural associar a pessoa com sua função na hora de uma cobrança moral, porque temos idealizações sobre o tipo de pessoas que ocupam tais funções. Mas será que o pressuposto dessa idealização por parte da comunidade deveria ser interiorizada pelo próprio ministro?
Ou, de outro modo: será que anciãos de igreja deveriam tratar bem suas esposas por serem anciãos? Líderes da igreja deveriam cuidar com sua linguagem, tendo em vista o exemplo que se espera deles? Em todos esses casos, estamos considerando a validade da motivação por trás de comportamentos considerados adequados.
Não sou pai. Porém, penso que quando tiver filhos, o melhor seria ensiná-los a agir pelo bem, não pelo fato de serem “filhos de pastor”, carregando todo o ônus das expectativas. Quero que meus filhos ajam corretamente por uma razão menos superficial – a saber, pelo fato de serem cristãos (e enquanto o quiserem ser, porque ninguém escolhe que o outro seja cristão; no máximo pode, se quiser seguir o caminho verdadeiro, escolher ser cristão).
Quanto a isso, quer você seja membro de uma comunidade cristã, líder de um ministério, ancião ou pastor, estamos todos no mesmo barco. Não há diferença, nem deve haver, pelo menos no que diz respeito às motivações. Qual a diferença entre um pastor e um membro de igreja? Alguns se apressariam em dizer que ambos diferem quanto à maturidade espiritual, mas isso seria um grave erro. É evidente que um ministro deva ser um crente maduro, mas não creio que precise ser o único.
O alvo de todos os cristãos – pastores e membros – é a perfeição espiritual. Paulo fala de sua caminhada cristã, a qual consistia em entregar ao olvido as “coisas que para trás ficam” e avançar, com destino ao “alvo, pelo prêmio da soberana vocação”; o apóstolo, porém, sabia que essa meta não era exclusiva do ministério. Ele inclusive convoca os membros da comunidade a nutrirem o mesmo sentimento (Fl. 3:13-15). No que diz respeito à motivação para seguir na jornada cristã, pastores e leigos estão no mesmo nível. Isso porque todos somos, sobretudo, cristãos.
Entretanto, em que consiste a diferença entre pastores e os demais cristãos? Apenas no dom espiritual que cada um recebeu. “E ele mesmo [Jesus] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres […]”. O ministério é um dom, entre outros dons, um dom para potencializar outros. E qual a finalidade desse dom? É a promoção da maturidade cristã, a qual resulta da disposição conjunta de todos os dons atuarem para a edificação mútua (v. 12-13). Logo, os pastores não só não devem ser os únicos cristãos maduros, como devem operar, em conjunto com outros cristãos, para que todos cheguem “à perfeita varolinidade, à medida da estatura de Cristo” (v.13).
Antes de tudo, somos todos cristãos, pertencentes uns aos outros, partícipes do mesmo corpo espiritual, o que deveria nos motivar a buscar o crescimento uns dos outros, para o benefício comunitário. Ninguém leva vantagem por seu status, mesmo porque é uma ilusão conferir a qualquer dom um status maior do que outro. A única hierarquia que existe é funcional e não inerente. O que quero dizer é que ninguém é essencialmente superior, embora portador de um dom de liderança, que o qualifique a exercer um ministério (pastoral ou não) na igreja – e isso em função de outros.
Que privilégio o de sermos cristãos e pertencermos à comunidade daqueles que perseguem a maturidade, querendo se assemelhar a Cristo! Existimos para nos admoestar, advertir, censurar, ensinar, curar, orientar, e amar, buscando assim nosso crescimento. Uma vez que todos somos passíveis de falha, é necessário encorajamento mútuo e monitoramento amoroso. Acima de tudo, busquemos em Jesus nossa maior motivação quanto à tomada de decisões e ações concretas. Do contrário, o que faria os não-cristãos nos encarar como algo melhor do que um clube de hipócritas vigiando o próprio exterior para manter sua posição aos olhos do mesmo clube?
Nenhum comentário:
Postar um comentário