Jorge Mario Bergoglio teve o nome anunciado ao mundo todo, após a fumaça branca sinalizar a escolha de um novo pontífice no dia 13 de Março. O cardeal argentino foi eleito papa, assumindo o nome de Francisco. O próprio cardeal se revelou surpreso e declarou que o conclave se dignou a ir “até o fim do mundo” para escolher um novo papa.
Ontem, quase uma semana depois da escolha, Francisco debuta em sua primeira missa como suposto representante do apóstolo Pedro, tido pela Igreja católica como o primeiro papa. A premissa, tomada da declaração de Jesus a Pedro – “E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja […]” (Mt 16:18, NVI) –, desconsidera uma análise mais detida do texto: há um trocadilho na declaração do Mestre entre o nome Pedro (petrós, pedregulho) e a Pedra (petra, rocha) sobre a qual se edificaria a comunidade cristã. O próprio Pedro não entendeu que seria ele a rocha; afinal, o apóstolo registrou: “À medida que se aproxima dele, a pedra viva – rejeitada pelos homens, mas escolhida por Deus e preciosa para ele […]” (1 Pe 2:4, NVI).
Na homilia proferida em sua entronização, Francisco escolhe a personagem José, pai humano de Jesus e o santo da ocasião. Seu papel é destacado como o de alguém que seria o guardião tanto de Jesus, quanto de Maria. Um desempenho, portanto, mais passivo de José parece perpassar a compreensão do pontífice, acompanhando a tradição católica que destaca a figura de Maria. Aliás, ainda seguindo a tradição, José é mencionado como guardião da igreja, prefigurada em Maria. Essa relação entre Maria e a Igreja também não é bíblica. O único texto que, se mal compreendido, favoreceria essa concepção está em Ap. 12:5. A mulher que dá à luz ao menino, nesse contexto, representa o povo de Deus, que permanece ao longo do capítulo, e em diversas eras, continuamente perseguido por Satanás (o dragão) e seus agentes. Se a mulher fosse literalmente Maria, como os católicos, que acreditam em sua perpétua virgindade explicariam Ap. 12:17, que menciona “o restante da descendência da mulher”? Vale ressaltar que a Bíblia apenas afirma que Maria e José não se relacionaram sexualmente antes que Jesus nascesse. Ainda assim, o contexto de Ap. 12 não dá espaço para interpretarmos que a mulher se refira à Maria.
Francisco discorre sobre o sentido mais amplo desse cuidado do qual José seria o exemplo: “Entretanto a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro de Gênesis e nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos.” A menção ao cuidado da criação se alinha com preocupações ecológicas e com a tendência romana de tomar parte em iniciativas como o dia da Terra. Ao mesmo tempo, a referência a Francisco de Assis justifica a escolha do nome do novo papa (que não pertence à ordem que leva o nome do santo, mas que é, em verdade, um jesuíta).
Continuando na linha de seu antecessor, Francisco apela por mudanças político-econômicas. Ouça seu apelo: “Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito económico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos ‘guardiões’ da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo!” Outro ponto de contato com Bento XVI está na ênfase na esperança, que deve ser oferecida “perante tantos pedaços de céu cinzento”, onde “há necessidade de ver a luz da esperança e de darmos nós mesmos esperança.”
Finalmente, o líder da Igreja Católica reflete sobre o significado do pontificado, que seria um poder dado por Jesus, “um poder para servir”. E conclama a todos para se unirem à sua jornada: “Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir, mas para o qual todos nós estamos chamados, fazendo resplandecer a estrela da esperança: Guardemos com amor aquilo que Deus nos deu!”
Sem dúvida, as afirmações do novo papa são surpreendentemente alinhadas com a tradição católica, o que frustrará os setores mais progressistas. Além disso, o potencial ecumênico de seu discurso mostra que ele se enquadra mais na linha de João Paulo II, o líder carismático, do que na de Bento XVI, o papa emérito. Resta saber como seu pontificado se encaixará no quadro profético (Ap 13:3-8).
O discurso do papa pode ser lido na íntegra aqui.
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