sábado, 10 de dezembro de 2016

O EVANGELHO NA LÓGICA DO IMEDIATISMO CONTEMPORÂNEO


O tempo não era um problema para os hebreus. Embora o tempo fosse real, não havia a necessidade de controla-lo, por meio de segmentação coerciva. Ironicamente, nossa vida pautada por datas e horas rígidas estabeleceu o controle do tempo sobre nós e não o contrário. Simultaneamente, o tempo vai perdendo seu vínculo com a realidade, especialmente com a intrusão da virtualização trazida pela cibercultura. A conexão com a internet nos desloca para um não-lugar, sem referência de tempo. Só existe uma versão unidimensional do tempo – o agora.
Em um mundo instantâneo, como se vive a espiritualidade? Acostumados com a velocidade da dromocracia – o domínio de uma sociedade em constante movimento de aceleração –, as pessoas se tornam exigentes e impacientes. Ninguém quer esperar. As respostas precisam ser instantâneas, prontas. E decodificadas, porque a impaciência se estende aos domínios da concentração (ninguém quer pensar demais para resolver qualquer questão). Vivemos em um contexto em que tudo flui. A crença pessoal é moldada para atingir o mesmo nível de fluidez que permita às pessoas terem, paradoxalmente, algum vínculo com um ponto sólido.
O cristianismo fluido, líquido, maleável e moldável é a resposta que as pessoas esperam nesse momento. Por isso os movimentos carismático-pentecostais largam na frente quando se trata de falar a linguagem das pessoas hoje. Nessa cristianismo carismático-pentecostal, a conexão com Deus é direta. E empoderadora: a energia da divindade corre nas veias em um fluxo emocional inesgotável, atendendo os anseios do presente. Não há complicações cristãs clássicas, porque o mínimo de doutrina se destaca – dose suficiente para garantir o ponto sólido de apoio. A descomplicação e praticidade do discurso religioso garante sua atualidade. A experiência se reveste de notoriedade e fornece um vínculo com os anseios materiais; afinal, tudo o que reivindicar da parte de Deus, me será concedido (confissão positiva).
A expressão bíblica do cristianismo é mais lenta. Deus Se revela pela Palavra. Ela precisa ser estudada e decodificada, o que exige um compromisso com o Espírito Santo. Estudar as Escrituras não é um investimento que garanta resultados imediatos (embora os resultados sejam garantidamente superiores). Não existe um elo emocional evidente, uma espécie de energização via fluxo emocional. O estilo de vida se apresenta contracultural ao extremo no cristianismo bíblico, capaz de alterar hábitos de maneira incômoda, com provável prejuízo para as relações interpessoais. Obviamente, o cristianismo bíblico não satisfaz as expectativas do imediatismo do mundo líquido.
E esse é o ponto: o que fazer com o cristianismo bíblico? Sua proposta desafia homens e mulheres de todas as épocas a não se conformarem com a cultura, experiência, relacionamentos e até com as expressões derivativas do próprio cristianismo. Se Deus se auto-revelou, como a Bíblia afirma, não poderíamos esperar que Ele o fizesse de maneira satisfatória aos padrões humanos, ainda mais porque tais padrões são resultado da tendência adquirida ao egocentrismo. Essa tendência é o resultado direto do pecado e se interpõe contra a vontade divina. Para salvar o homem de si mesmo, Deus precisa contrariá-lo, esnobá-lo, humilha-lo e leva-lo ao reconhecimento de sua maior necessidade: a salvação. Às vezes, isso leva tempo, porque Deus não Se pauta pela lógica do imediatismo. Mas tempo não é problema para Deus.


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