Prelúdio: após meses do debate que
gerou esse texto, recebi ameaças de processo do teólogo a quem me refiro aqui
por J.B. Não só a mim, mas ele intimidou editores de sites cristãos e até mesmo o Centro
White Brasil. Sua acusação? Plágio! Em realidade, ele pedia que
retirássemos todo conteúdo relacionado a ele em nossas páginas na internet. Veja lá a situação (no meu
caso): o indivíduo comenta no blog,
que é livre, inicia um debate infinito e tudo por conta própria; daí, meses
depois, exige, isso aí, exige, que eu exclua seus comentários ou então me acusaria de… plágio. Pois é, sem pé nem cabeça. Mas, já que ele pediu, eu atendi: apaguei seus comentários e referência que outros fizeram a ele (confesso que a tarefa foi muito gratificante...). Fiquei me perguntando depois: se não
queria debater, porque iniciou o imbróglio? Acho isso falta de etiqueta na rede:
se discorda, não precisa arrumar briga! Quanta baboseira leio por aí e nem
por isso fico usando o espaço de outrem para expressar minha opinião. O mais cômico
da história: descobrimos que o tal advogado a quem J.B. recorreu nem exercia a
profissão, por falta de licença da OAB! Hoje, J.B. continua divulgando seus
textos, sobre adoração liberal, a descrença em 1844, oferecendo interpretações
alternativas sobre o Apocalipse e ridicularizando marcos adventistas, como 2300
tardes e manhãs e o conceito de decreto dominical. E pior: ele jura que é
adventista! Vá entender…
J.B [nome fictício], As opiniões que você expressou nos últimos
comentários à postagem Critérios para a Música Sacra são, no
mínimo, curiosas. Elas lembram mais a exegese que os adversários tradicionais
da Igreja Adventista utilizam contra nós do que a maneira de argumentar que nos
é própria.
Exemplifico: Você usa uma parte de um texto de Ellen White para
basear um princípio que fere todas as demais declarações da escritora;
semelhantemente, há aqueles que se valem de textos como Rm 14:5 para
relativizar a guarda do sábado, sem considerar adequadamente o contexto do
verso, e desprezando todas as outras referências – centenas delas! – ao sábado
como dia de repouso.
Para você, quando Ellen White escreveu que “nem todas as mentes
são alcançadas pelos mesmos métodos" (Testimonies 6:616) pode se entender
que, qualquer método que leve alguém a Cristo, o que inclui gêneros musicais
diversos, é válido. Sua interpretação condiz com o texto?
Ponderemos: se qualquer música serve, desde que se “encaixe” em um
determinado contexto, e, naturalmente tenha uma letra biblicamente correta,
então o que fazer com as demais declarações de Ellen White, que repreendem ou
orientam as pessoas sobre o tipo de música que agrada a Deus?
Além disso, por que a declaração de Ellen White não é avaliada à
luz do que ela escreveu sobre métodos missionários, que, de fato, é o assunto
principal do contexto (e não a música, que sequer é citada?). Vejamos esta
declaração: ““Em seus esforços por alcançar o povo, os mensageiros do Senhor
não devem seguir os costumes do mundo”.
(Testimonies, vol. 9, p.143). Será que, ao confrontarmos as duas
declarações, seria correto considerar qualquer gênero musical como adequado ao
Senhor? Será que usar o pop com letra cristã ou mesmo o samba não
incorreria em “seguir os costumes do mundo”?
Quanto aquilo que você menciona ser “o segundo princípio
axiomático”, ou seja, o do culto racional, não é interessante que ele encontra
paralelos nos escritos de Ellen White com a frase “espírito e entendimento”,
também usado por Paulo (1 Co 14:15). Agora, ao contrário do que você afirma,
Ellen White associa esse termo a orientações bem específicas (veja os slides
14,15, 37 da postagem Critérios para a Música Sacra); aquilo que você chama de
“elementos periféricos” está, nos escritos de White associado ao culto
racional, ao cantar com “espírito e entendimento”. Caso não fossem elementos
importantes, por que ela os mencionaria? Deixarei que você explique…
Você ainda questionou sobre ser possível seguir as orientações de
Ellen White, uma vez que ela não nos deixou partituras. Objeções de mesma
natureza poderiam levantar nutricionista adventistas: “será possível seguir os
conselhos de Ellen White se ela não montou cardápios?” E diriam os pedagogos:
“como pautar nossos bases educacionais em Ellen White se ela não legou um plano
de aula ou um currículo modelo?” Enfim, se todos fôssemos seguir tal
raciocínio, terminaríamos perguntando: afinal, de que valem os conselhos de
Ellen White, se não os podemos praticar?
Voltando à música, deixarei um músico adventista responder sua
objeção por mim: “Algumas pessoas podem afirmar em tom irônico que Ellen não
nos deixou partituras. Mas reflitamos: seus conselhos foram em sua maioria de
cunho filosófico. Entretanto, a Música Filosófica está intimamente relacionada
com a Música Notação." (Samuel Krähenbühl, Ellen G. White: Autoridade em
Música?, Revista Adventista,
Março de 1999, p. 11).
Deus não nos deixou esquemas prontos, coisas mastigadinhas. Há
trabalho para aqueles que aceitam a Revelação. Os conselhos devem ser
considerados e aplicados de forma coerente. Quando você, por exemplo trata da
dissonância (Ellen White fala da música deveria não ter dissonâncias),
apresenta a mesma solução que esbocei, a qual tem sido proposta pelos
estudiosos dos escritos dela: obviamente, ela trata de dissonância mal
resolvida. Música sem dissonância é quase como um carro sem rodas – não sai do
lugar. Mas há uma forma inteligente de interpretar e colocar em prática o que
ela escreveu. É você quem o afirma: “[…]Temos que fazer escolhas com nossa
mente iluminada pelo Espírito.” Nisso, estamos de acordo.
Quero abordar um outro tópico: você afirma que música sacra provem
da vertente secular. Em sentido restrito, aceito a declaração. Como eu já havia
me expressado anteriormente: “Em partes isso tem algum cabimento, porque,
quando uma determinada cultura começa a se expressar, dificilmente produz algo
sacro (a não ser uma cultura permeada de forte senso religioso, seja de qual
orientação for). Nesse caso, a religiosidade surge com o tempo, tomando
aspectos legítimos da própria cultura para se expressar. Não vejo como ofensivo
a Deus que, no caso dos brasileiros, a poética da música popular influenciem
nossos letristas ou que tenhamos, enquanto adventistas brasileiros, o gosto por
orquestrações (como já observou em uma entrevista o maestro Jetro, do UNASP).
Há aspectos da cultura que podem ser aproveitados. Mas, como já asseverou B.B.
Beach, o culto é transcultural, porque ultrapassa os valores da cultura e os
transforma.”
Entretanto, amigo, essa é uma perspectiva estritamente sociológica
(e de uma Sociologia Secular), que admite que a música, como qualquer outra
manifestação cultural, parte do ser humano apenas. Na Bíblia, já existia música
antes de haver seres humanos para comerem arroz e feijão e poluir os oceanos
(Jó 38:7). E o que dizer da música sacra produzida pelos nossos primeiros pais?
E o povo de Israel, seriam eles influenciados pelos seus vizinhos pagãos em sua
adoração (apenas se você recorrer a algum teólogo alemão liberal, desses que
explicam milagres de forma racionalista, terá uma afirmação nesse
sentido)?
Finalmente, sobre Ellen White e a Bíblia: você afirma que a Bíblia
deve ser prioritária, e eu concordo. O propósito de minha pequena apresentação
foi destacar conceitos de Ellen White na adoração. Entretanto, o principal
paradigma que utilizei parte de um verso bíblico (slides 11-13), além de
suscitar a necessidade de compreender a adoração no contexto da primeira
mensagem angélica (Ap. 14:7, slide 2). Além disso, já pude abordar, em outros
materiais, princípios bíblicos de forma mais abrangente (sugiro a leitura dos artigos que escrevi: Amúsica sacra dentro da cosmovisão adventista: interpretando e aplicandoconceitos de Ellen White – parte 1 e seguintes; apesar do título, a série de textos recorre a textos bíblicos e trata de muitas objeções que você
levantou).
Todavia, volto a enunciar a questão que você ainda não quis ou não
soube responder: “Se eu fosse empreender um estudo cúltico a partir dos Salmos,
ou mesmo de qualquer outro livro bíblico, você acha que encontraria padrões
diferentes, em essência, que chegassem a contradizer o Espírito de Profecia? Se
a sua resposta for positiva, então Ellen White não pode ser inspirada! Se a sua
resposta for negativa, então você terá de concordar que estudar o assunto
explorando o Espírito de Profecia ou a Bíblia chega ao mesmo resultado e há
critérios para a adoração! Qual a sua resposta?”
Aliás, esse é um dos pontos de tensão mais sensíveis para os
adventistas contemporâneos: acatar aspectos da Revelação que tratam do
entretenimento ou que ferem gostos pessoais. Tudo bem crer na inspiração de
Ellen White, desde que eu continue indo ao MacDonalds. Posso aceitar que ela
não respirava quando estava em visão, desde que não deixe de frequentar o
cinema. Até gosto do Caminho a Cristo, mas quero continuar ouvindo Jeremy Camp ou Jars
of Clay.
Será que essa recusa que assistimos em nossa denominação em
aceitar os aspectos normativos da mensagem do profeta não é uma sutil forma de
descredenciá-lo? Quando escolho o que me agrada na mensagem profética, não
estou deixando de atender à vontade de um Deus tão amoroso, que foi capaz de
providenciar orientações seguras para a minha vida?
Enfim, J.B., espero que você reflita nesse assunto. Não quero que
você pense que me considero totalmente alinhado com a Revelação, porque ainda
estou aprendendo muita coisa e quero continuar disposto a aprender. Eu o
considero um irmão em Cristo e, apesar de divergirmos em nossas perspectivas,
sei que podemos aprender um com o outro, até atingirmos a plenitude de Cristo,
naquele Lar onde a adoração será perfeita.
Fraternalmente, Douglas Reis.
Pósfácio (alguns anos depois): O mais curioso é que J.B.
tem vários admiradores (que o citam recorrentemente no Facebook e alguns amigões do peito, entre músicos e pastores). Acho
curiosa a afinidade. Afinal, poucos deles, pelo que conheço, ou mesmo poucos
dos adventistas que vejo citarem os artigos de J.B. concordariam com suas
conclusões liberais ao extremo. Engraçado como as pessoas não percebem que o
teólogo só consegue ignorar as afirmações dos testemunhos, embora as cite abundantemente
(quando lhe convém), porque adota um método de interpretação chamado idealista,
que em nada, nadica de nada, se relaciona com o que os adventistas creem.
Assim, argumentando que toda profecia se refere a sua audiência primária (coisa
que os adventistas e demais historicistas reconhecem), J.B. vai além: ele
confina a mensagem dos profetas àquela época. Desse modo, consegue afirmar que o que
E.G. White fala sobre a carne santa e manifestações carismáticas dos últimos
dias se cumpra apenas no futuro imediato dela, ficando em um passado longínquo em relação a nós; e isso a despeito da expressão que ela usa “antes da terminação da porta da
graça”, para se referir ao tempo dos acontecimentos (– veja 2 ME, p. 35- ss.). Usando
o mesmo método, J.B. afirma que as profecias de Apocalipse 13 não se referem ao
papado! Oi? Pois é. Esse é o adventismo dele: música carismática, sem base
profética e sequer espaço para um estilo de vida do remanescente (já que ele defende o uso de joias, por exemplo). Daí, fico
me perguntando: como é que o pessoal que aplaude suas explicações sobre música
sacra não o segue nas demais coisas? Como eles não percebem a incoerência?
Claro, J.B. é coerente – liberal em tudo que diz! Agora, todos os demais querem
ser meio liberais, elencando algumas poucas áreas de liberalismo. E ainda continuar adventistas. Vá entender essa gente…