Imagine
uma lanchonete bem ajeitada em um bairro próximo ao centro da cidade. Está
quase na hora de fechar e Júlia pensa em descansar: chegar em casa, falar com o
namorado pelo celular, estudar para a prova na faculdade… Nessas horas, cada
segundo faz a diferença. Faltando quinze minutos para encerrar o expediente,
Júlia escuta o gerente se lamentar. O movimento foi fraco. Apenas poucas
famílias estiveram ali durante o dia. Geralmente, pedidos de sanduíche com
refrigerantes. Nada de “especiais” ou porções duplas. Apenas o convencional. E
isso é tedioso: os funcionários ficam parados, sem ter muito que fazer, apenas
esperando chegar o próximo cliente.
Pelo
relógio de Júlia, seriam mais dez minutos ali. Seriam. Algazarra no lado de
fora. A princípio, os funcionários se preocupam – seria um assalto? Em seguida,
todos, como estátuas, percebem a aproximação de um grupo imenso. Homens jovens,
uniformizados, falando alto e com bandeiras. Apenas duas mulheres em todo o
grupo. “São torcedores”, sussurra outro atendente no ouvido de Júlia. Sim,
dezenas de torcedores, que passaram a tarde em filas até se assentarem na
arquibancada do estádio. Gritaram como loucos, tentando “empurrar” o time.
Vibraram com os gols. E agora, uma palavra está visível na testa de cada um: fome.
Por um lado, aquele movimento todo salvará o dia. O faturamento subirá para
além do esperado. Por outro, existe a questão logística, afinal, a lanchonete é
pequena. Os funcionários cansados demorarão em atender. E, para piorar, os
fornos foram desligados e as máquinas também (ninguém esperava atender clientes
a essa hora, quanto mais tantos clientes!).
Quero
que sua atenção se volte a um texto bíblico. Ele também fala de pessoas
surpreendidas com o número dos que estavam com fome. E, o que é mais complicado,
surpreendidas (e apavoradas!) com o número de pessoas para as quais deveriam
providenciar alimento.
Ao
fim da tarde, os Doze aproximaram-se dele e disseram: “manda embora a multidão
para que eles possam ir aos campos vizinhos e aos povoados, e encontrem comida
e pousada, porque aqui estamos em lugar deserto.
As
desvantagens: os discípulos não eram profissionais no ramo de fast food. Não possuíam fornecedores,
capacitação ou recursos suficientes. Além disso, estavam ali mais do que
algumas dezenas de pessoas. Alguém contou “cerca de cinco mil homens, sem
contar mulheres e crianças” (Mt 14:21). Ao mesmo tempo, disseram que 200
denários não poderiam comprar pães para todos (Mc 6:37), o que sugere termos um
público total (incluindo mulheres e crianças) de mais de 20 mil pessoas.
Desesperador não acha?
Pense
por alguns instantes nas situações de esgotamento que você teve de enfrentar.
Quando se viu forçado a “trancar” a faculdade porque perdeu o emprego. Ou na
ocasião em que as despesas com a internação de sua mãe eram altas demais. Pense
no momento em que você adiou a data do casamento porque não conseguiria sequer
alugar o vestido. Há também outras circunstâncias, quando nos faltam recursos
emocionais ou nos sentimos sem talento, companheiros e apoio.
Embora
a previsão de Jesus inclua ter de passar por aflições (Jo 16:33), Ele prometeu
permanecer conosco. E ele estava com os discípulos quando a multidão faminta
exibia sua feição esverdeada e a barriga murcha. Aliás, a ideia maluca de
alimentar toda aquela gente partiu justamente de Jesus. Coisa incrível, não?
Qualquer líder mais pragmático teria acatado o conselho de seus seguidores e
liberado as pessoas do culto noturno. “Estão com fome? Isso é uma reunião
evangelística, não uma praça de alimentação!” entretanto, o próprio Jesus
queria avaliar a fé dos discípulos quando lhes perguntou: “Onde compraremos pão
para esse povo comer?” (Jo 6:5-6).
Porém,
o texto bíblico ensina que Jesus aborda o ser humano de uma perspectiva
holística – ou seja, ele se preocupa com o ser inteiro. Aspectos físicos,
espirituais e mentais são apenas uma forma didática de dividir partes de nosso
ser que coexistem, e na mais perfeita integração. Logo, o Salvador não poderia
transmitir cuidados espirituais negligenciando o aspecto físico. Sua obra é
completa.
O
curioso é o modo como Jesus operou o milagre. Amigo, Ele é Deus, certo? Não
poderia ter feito o milagre como bem entendesse? Poderia fazer chover alimento,
como quando caiu o maná para alimentar os israelitas no deserto. Ou poderia transformar
as pedras em pães – coisa que se recusara a fazer no deserto diante de Satanás
(Mt 4:3-4); durante a tentação, seria em benefício próprio e, portanto, errado.
Mas agora, transformar pedras em pães beneficiaria a multidão. Entretanto,
Jesus tinha outros planos para resolver o dilema.
Eles
lhes disseram: “Tudo o que temos aqui são cinco pães e dois peixes”.
“Tragam-nos
aqui para mim”, disse ele. E ordenou que a multidão se assentasse na grama.
Tomando os cinco pães e os dois peixes e, olhando para o céu, deu graças e
partiu os pães. Em seguida, deu-os aos discípulos, e estes à multidão. (Mt
14:17-19).
A
forma do milagre não era original. Elias e Eliseu fizeram milagres parecidos
(cf.: 1 Rs 17:13-16; 2Rs 4:2-6; 4:42-44) – ambos os profetas tiveram, durante
seus ministérios itinerantes, momentos que se assemelham aos que Cristo viveria
séculos depois. A lição também era a mesma: entregue a Deus o que você tem e
deixe Ele multiplicar seus recursos.
Existem
dezenas de líderes cristãos que adotam uma teologia não-bíblica a respeito dos
dízimos e ofertas, conceitos bíblicos fundamentais. Esses líderes ensinam que
devemos doar todos os recursos e cobrar do Senhor que Ele nos dê muito mais.
Ensinam que se pactuarmos com Deus dessa forma não teremos desemprego, doença,
divórcio ou qualquer tipo de revés. Como se, em um passe de mágica, todas as
bênçãos materiais divinas fossem derramadas sobre nós. Parece uma versão
espiritual do sonho americano! Infelizmente, as pessoas sinceras e mal
informadas acabam, por conta de tais ensinamentos, decepcionadas com Deus, que
nunca prometeu nada parecido.
Quando
olhamos dois pães e dois peixes alimentando vinte mil famintos e ainda sobrarem
“doze cestos cheios” (Mt 14:20), temos de nos lembrar que os discípulos
obedeceram ordens explícitas de Jesus e o fizeram com fé. Quando obedecemos,
nossos recursos são multiplicados na proporção que Deus disse que faria –
afinal, ele nos prometeu coisas como “abrir as comportas do céu” para quem
fosse fiel na devolução dos dízimos (Ml 3:10) e forças renovadas como as da
águia, para aqueles que confiassem nEle (Is 40:31). Não podemos esperar que
Deus Se dobre a nossa vontade ou siga as regras que ditamos. Eu e você é que
temos de nos submeter ao controle dEle e ter expectativas compatíveis com o que
Ele prometeu realizar.
O
que nosso Senhor propõe é sermos fiéis entregando-lhe nossos recursos, na
proporção que Ele pediu: 10% de nossos ganhos (dízimo), pouco mais de 14% de
nosso tempo (sábado) e 100% de nossa dedicação (coração).
Um comentário:
Muito bom!
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