Fábio
Porchat é um humorista. Isso no Brasil representa alguma coisa, já que não
temos tradição de reverenciar filósofos e escritores. Infelizmente, o que “celebridades”
midiáticas dizem serve de guia para formar a opinião das pessoas. Ou, ao menos,
causa barulho suficiente. E nossos humoristas adoram barulho. Confundem humor
genuíno com irreverência. E confundem a liberdade de expressão com uma carta
branca para insultar grosseiramente os outros. Se esse é o humor inteligente,
fico pensando como seria o humor burro…
A
última pérola de Porchat é um texto com seu estilo (?) corriqueiro, em tom
coloquial e raso de ideias. Sob o título Tem gente que, o autor faz uma
digressão sobre religião, no contexto plural do mundo contemporâneo. A moral da
história nem precisa ser adivinhada, porque Porchat a expõe textualmente nas
últimas linhas: “Eu não posso ser tolhido das minhas ações porque você acredita
numa fábula que você chama de religião.” Claro que a declaração demanda
reflexão (mesmo que isso não seja muito o forte de humoristas e de seu público
alvo…).
Em
primeiro lugar, o texto parte da ideia de que as religiões se equivalem. Caberia
estabelecer que as religiões de fato se equivalem, dadas as suas diferenças
gritantes. Esse é um motivo pobre para a tolerância, uma espécie de equiparação
por baixo das crenças religiosas. Racionalmente se pode avaliar as religiões de
forma objetiva, porque, no dizer da filósofa espanhola Adela Cortina, elas
fazem afirmações resgatáveis. Quando se olha especificamente para o
cristianismo, destaca-se seu constante apelo pela confrontação históricas. O que se
afirma – seja os milagres, ressurreição de Cristo ou qualquer outra coisa, por
mais incomum que seja – recebe dada, local, circunstância e referencial. Isso não
soa como se alguém estivesse inventando uma história. Afinal, dar os detalhes e
pedir que os outros confiram, exige algum tipo de certeza história sobre o que
se crê.
Assim,
afirmar que toda religião seja uma fábula não é apenas incorreto, mas parte de
um preconceito sobre a natureza de uma religião. Aliás, a religião cristã não existe
para tolher quem quer que seja de seus hábitos. Há espaço para respeito. Isso é
tolerância: discordar, argumentar, convencer e, por fim, limitar-se a isso. Por
isso os historiadores admitem que a expressão liberdade religiosa surgiu de
Tertuliano, um cristão. Em seus dias, os cristão poderiam fazer duras críticas
ao paganismo, sem, contudo, deixar a decisão do que fazer ao foro íntimo de cada pessoa. Sem a liberdade promovida pelo cristianismo (que agregou à democracia
grega a noção do valor da expressão individual), ironicamente Porchat não encontraria
espaço para o pensar diferente.
O
texto de Porchat também ignora os efeitos diversos que religiões diferentes
trazem. As ações elencadas por ele em uma cascata não são todas nocivas ou
meras esquisitices; algumas até encontram boas razões para serem praticadas, mesmo fora do âmbito religioso. Hoje, por exemplo, poucos médicos duvidariam dos benefício de uma
dieta vegetariana (estão aí as Blue Zones
que não no deixam mentir!). No texto do humorista, o aspecto racional e prático da fé é totalmente
passado por alto, apenas para que ele chegue às conclusões. Infelizmente,
como é do feitio de Porchat, o resultado não poderia deixar de ser uma piada. De mal
gosto.
Veja também: palestra sobre atentados muçulmanos e genocídio na Bíblia: aqui
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