domingo, 18 de janeiro de 2015

TEM GENTE QUE RI DE COISA SÉRIA



Fábio Porchat é um humorista. Isso no Brasil representa alguma coisa, já que não temos tradição de reverenciar filósofos e escritores. Infelizmente, o que “celebridades” midiáticas dizem serve de guia para formar a opinião das pessoas. Ou, ao menos, causa barulho suficiente. E nossos humoristas adoram barulho. Confundem humor genuíno com irreverência. E confundem a liberdade de expressão com uma carta branca para insultar grosseiramente os outros. Se esse é o humor inteligente, fico pensando como seria o humor burro…
A última pérola de Porchat é um texto com seu estilo (?) corriqueiro, em tom coloquial e raso de ideias. Sob o título Tem gente que, o autor faz uma digressão sobre religião, no contexto plural do mundo contemporâneo. A moral da história nem precisa ser adivinhada, porque Porchat a expõe textualmente nas últimas linhas: “Eu não posso ser tolhido das minhas ações porque você acredita numa fábula que você chama de religião.” Claro que a declaração demanda reflexão (mesmo que isso não seja muito o forte de humoristas e de seu público alvo…).
Em primeiro lugar, o texto parte da ideia de que as religiões se equivalem. Caberia estabelecer que as religiões de fato se equivalem, dadas as suas diferenças gritantes. Esse é um motivo pobre para a tolerância, uma espécie de equiparação por baixo das crenças religiosas. Racionalmente se pode avaliar as religiões de forma objetiva, porque, no dizer da filósofa espanhola Adela Cortina, elas fazem afirmações resgatáveis. Quando se olha especificamente para o cristianismo, destaca-se seu constante apelo pela confrontação históricas. O que se afirma – seja os milagres, ressurreição de Cristo ou qualquer outra coisa, por mais incomum que seja – recebe dada, local, circunstância e referencial. Isso não soa como se alguém estivesse inventando uma história. Afinal, dar os detalhes e pedir que os outros confiram, exige algum tipo de certeza história sobre o que se crê.
Assim, afirmar que toda religião seja uma fábula não é apenas incorreto, mas parte de um preconceito sobre a natureza de uma religião. Aliás, a religião cristã não existe para tolher quem quer que seja de seus hábitos. Há espaço para respeito. Isso é tolerância: discordar, argumentar, convencer e, por fim, limitar-se a isso. Por isso os historiadores admitem que a expressão liberdade religiosa surgiu de Tertuliano, um cristão. Em seus dias, os cristão poderiam fazer duras críticas ao paganismo, sem, contudo, deixar a decisão do que fazer ao foro íntimo de cada pessoa. Sem a liberdade promovida pelo cristianismo (que agregou à democracia grega a noção do valor da expressão individual), ironicamente Porchat não encontraria espaço para o pensar diferente.

O texto de Porchat também ignora os efeitos diversos que religiões diferentes trazem. As ações elencadas por ele em uma cascata não são todas nocivas ou meras esquisitices; algumas até encontram boas razões para serem praticadas, mesmo fora do âmbito religioso. Hoje, por exemplo, poucos médicos duvidariam dos benefício de uma dieta vegetariana (estão aí as Blue Zones que não no deixam mentir!). No texto do humorista, o aspecto racional e prático da fé é totalmente passado por alto, apenas para que ele chegue às conclusões. Infelizmente, como é do feitio de Porchat, o resultado não poderia deixar de ser uma piada. De mal gosto.

Veja também: palestra sobre atentados muçulmanos e genocídio na Bíblia: aqui

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