sexta-feira, 19 de setembro de 2008

ELOGIO A UM TRABALHADOR


– Sei que o que ele queria pelo dote era absurdo!…

– O velho Isaque sabe o tesouro que possui em casa, isto é o que é.

– Seja como for, saí de lá e viajei a noite toda por Jericó. (Uma pausa, e Benjamim prossegue no andamento igualmente moderado do vento noturno que ambos ouvem.) Não posso dizer que este tenha sido um bom mês; nossos dias são apenas o prenúncio de futuros cansaços, Oséias. Esses porcos!… Meu sangue ferve quando me lembro de que nos tiraram tudo. Por culpa deles, temos tantos impostos…

– Isto fora a humilhação!

– Fora a humilhação! Sei que você é um homem de paz, contudo este é um tempo que exige uma atitude. E eu e meus amigos queremos saber se podemos contar com você para recuperarmos o orgulho da nação judaica.

Uma jovem esguia entra, espargindo a melancolia de seus olhos castanhos. Traz leite de cabra e pão. O silêncio acompanha a refeição breve. Reinicia-se o diálogo, não de onde parara.

Embora conduza a converse com polidez, Benjamim prossegue a disfarçar sua impaciência. Seus objetivos sectários urgem. Outros assuntos são um tropeço dos quais, em vão, deseja esquivar-se.

A mobília de Oséias é sóbria, nada que custe além do que se esperaria de um homem como ele. No entanto…

– Espere, meu amigo; deixe-me perguntar-lhe algo: e esta mesa, desde quando você a tem?

Eu me recordo, que calor fazia, e que cidade estranha, cheia de malícia por entre a aparência de sombras. Eu procurava um parente, um tio de minha mulher, de quem se dizia estar doente. Pobre homem, na época tossia como um cão. Não demorou muito para… Mas como eu não soubesse identificar sua casa, caminhava a esmo pela pequena vila. A quem perguntaria? Parecia que todos me olhavam desconfiados. De hora em hora aquela indefinição – voltar ou não?, acho que neste ponto, encostado numa árvore, foi que avistei o seu pai, ou vi primeiro o filho? Passou-se tanto tempo…

Só sei que quem me atendeu foi mesmo o rapaz, a barba ainda se insinuando no rosto de rapagote, músculo talvez mais desenvoltos que os de sua idade. Sua expressão grave, igualmente precoce, como ela me marcou! Estava suado, de certo trabalhava em algum serviço exaustivo, e, no entanto, atendeu-me de forma interessada e pronta. Senti-me encontrar-me ali com um velho amigo, alguém que me fosse familiar.

– E então?…

– Você, ah!, sim, sim, a sua pergunta – como pude divagar? Bem, estive por um momento absorto em minhas lembranças, sabe, a mesa tem algumas coisas ligadas a ela, quer dizer, são recordações… (E com voz baixa e mentalmente distante) apenas recordações…

– Por Israel, Oséias, não imaginei que você tão sentimental. E quanto aquele outro negócio…

– Benjamim, você é mais do que o irmão de minha esposa, é meu irmão também. Não tenho como agradecer ao que você e sua família fizeram no passado por mim; porém, quanto a me unir aos sicários, não estou certo ainda de que seja a melhor solução, quer dizer, você entende a minha posição…

De súbito, Benjamim ergue-se, como se trespassado por um impulso elétrico.

– Tudo bem, Oséias, eu preciso de ir. Acho que terei de viajar muitos quilômetros até me encontrar com meus irmãos de causa. Uma pena que você não tenha escolhido ir comigo esta noite.

Oséias se foi, sinto quase um alívio, que absurdo! Devo tanto a ele, e tem sido tão difícil dialogarmos desde que ele se uniu a este grupo… Pessoas como ele, como podem haver judeus que usam da violência? Lembro-me de quando eu e meu pai íamos à sinagoga. Que saudades daquilo tudo; nossos sonhos de liberdade, nossa fé ardente no Messias, aquela ânsia de que, sob a égide do Escolhido, Israel sacudisse o jugo; ah!, meu pai velho pai morreu na esperança e como sinto a falta de seus conselhos, sua presença…

O olhar de Oséias se lança ao encontro do véu noturno, quando sua esposa entra e recolhe o que sobrou da refeição partilhada com o cunhado. Depois, outro silêncio queixumoso e amargo.

Que será de nós? Oh, bom Senhor, até quando deixarás Teu povo a mercê do opróbrio? Qual será o futuro de Israel? Quase chego a duvidar de que venha o Messias! E nossos jovens, degradando-se em guerrilhas inócuas contra o exército que venceu o mundo? Como derrotarão as legiões de César? Sei que ainda existem moços sadios, como aquele carpinteiro que encontrei, íntegro e apegado ao seu dever, na pequena vila de Nazaré. O luzir daqueles olhos não possuía nada de fátuo. Era sincero, ardoroso, responsável e… diferente, muito diferente de qualquer outro jovem. Não sei bem como explicar o seu tato com um estranho como eu. Ainda conservo esta mesa, em que formão e polidor foram empregados com tanta dedicação. Se todos os jovens fossem leais assim!Ah!, agora eu me lembro do nome dele: era Jesus!

Um comentário:

Alexsander Silva disse...

Olá Pr. Douglas!
Fico honrado com a sua visita no meu blog, e gostaria que sempre desses uma passadinha lá!
Fiquei surpreso ao ver quantas pessoas aprovaram a minha iniciativa de escrever sobre os abusos na internet.
Parece que temos muito trabalho a fazer para defender nossa filosofia. É bom saber também que contamos com uma rede de pessoas unidas no mesmo objetivo.
Abraço, que Deus lhe abençoe!