quarta-feira, 3 de setembro de 2008

PROSELITISMO OU REFORÇO À ÉTICA: O DEBATE EM TORNO DO ENSINO RELIGIO


Nos estados Unidos há anos se arrasta o debate em torno do Ensino Religioso nas escolas públicas e sobre a prática da Oração Comum. No Brasil, uma reportagem publicada pela revista Época desta semana mostra que a polêmica americana[1] já começa a se insinuar em território tupiniquim.

Alguns benefícios da implementação de preceitos religiosos nas escolas são citados na matéria: a prática da oração antes da aula (que em determinada escola recebeu o nome de “acolhimento”) traria equilíbrio além de aquietar o ambiente, de acordo com a diretora Patrícia Bonília, da escola Walter Carretero, Sorocaba (no interior de São Paulo). Para a advogada Maria Lúcia Amary autora do programa que orienta como trabalhar valores cristãos nas escolas, é perceptível uma mudança de comportamento nas crianças que freqüentam as aulas de Ensino Religioso, que, para ela, pode ser constatada “[…]no modo como [os alunos] tratam os professores, a família e os amigos.”
[2] Claro que existe quem argumente em outro sentido.
Para o sociólogo Luiz Antônio Cunha, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e criador do Observatório da Laicidade do Estado, o Ensino Religioso é dispensável, uma vez que, segundo sua visão, não há modelo aceitável – todas as diversas abordagens da matéria escolar seriam doutrinárias, ou seja, influenciadas pela religiosidade do próprio professor. Para Roseli Fischmann, da USP, a Religião em sala é nosciva porque atrasa o pensamento crítico e favorece o argumento do “Deus das lacunas”
[3].
A respeito do primeiro argumento, é claro que é impossível, de forma concreta, ensinar Religião de forma absolutamente neutra. No que se refere à Religião como responsável pelo atraso da mentalidade crítica, esta crítica é infundada. No período em que o ensino positivo da Bíblia foi mais bem disseminado, na época subseqüente à Reforma Protestante, ocorreu um avanço da cultura geral e não um atraso. Certo estudioso do período afirmou:

“A noção comum entre poetas, literatos, cientistas e filósofos do século XVII sobre cultura é a de que ela compreende atividades que objetivam a anulação das conseqüências do pecado, ou seja, concebe-se nesta época um aspecto redentivo à cultura.
“[…] Nos próprios anos da Revolução Científica, esse esquema teológico constitui não o simples resíduo de um distante medievo, mas uma força real e operante, que age sobre a vida e as atitudes, fornece à cultura uma série de orientações, um conjunto de pontos de referência, uma direção real, uma terminologia.”
[4]
Sob a égide da Reforma Protestante houve um progresso em diversos campos do conhecimento. Lutero, entre outros reformadores, possuía a visão de que tudo deveria estar sujeito à Revelação das Escrituras. Aliás, a reportagem equivocadamente atribui a fundação da igreja protestante a Martinho Lutero, e em uma data tão recuada quanto 1517[5], quanto tudo o que o monge alemão mais queria é cumprir seu dever como bom católico que ainda era!

A história de Lutero é citada por Época para reforçar a tese do Estado Laico. Não estou bem certo de que Lutero concordaria com o moderno conceito de Estado Laico, que no século XXI está mais para “Estado Ateu”. O que o trabalho dos reformadores proporcionou foi uma abertura para a Liberdade Religiosa como um princípio do Estado. Neste contexto de Liberdade Religiosa, a própria reportagem questiona a certa altura como a educação religiosa deveria lidar com os não-religiosos: “Como trazer Deus para a sala de aula de forma respeitosa a todas as linhas religiosas – incluindo os ateus e agnósticos?”
[6]
Por trás desta pergunta, existem os maiores conflitos ideológicos envolvendo as aulas de Ensino Religioso nas escolas públicas nacionais. Conforme o pesquisador em direito Salomão Ximenes, o Ensino Religioso no Brasil estaria funcionando em um dos 3 possíveis modelos a seguir:

Modelo interconfessional : norteada por uma determinada visão religiosa, o que, na prática, tende ao catolicismo, principal fatia do Cristianismo no Brasil. Não é incomum que haja o proselitismo (tentativa do adepto de uma dada religião de converter outrem) na sala de aula.

Divisão dos alunos por credos: empregando profissionais indicados por entidades religiosas (como nas escolas públicas do Rio de Janeiro, nas quais 94% dos profissionais contratados para ensinar a disciplina nas escolas eram católicos e evangélicos). Grupos religiosos de expressão menor e lares agnósticos ou não-religiosos são os maiores insatisfeitos com esta divisão, por não se sentirem devidamente representados.

Ensino da religião como fenômeno social: defendido por Anísia de Paulo Fiqueiredo, assessora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB – órgão ligado à cúpula católica) e Afonso Soares, presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião do Brasil.Dentro desta abordagem, o Ensino Religioso passa a tratar do fenômeno religioso, como diversidade cultural e dentro de um desenvolvimento histórico. Procura ser uma abordagem neutra – e moralmente relativista, poderíamos acrescentar.
[7]
Pessoalmente, creio que o Ensino Religioso funcione dentro de escolas confessionais com maior propriedade do que na rede pública, haja visto que a estrutura das escolas confessionais permite ao professor trabalhar com maior liberdade o pensamento religioso de uma perspectiva que equilibre teoria e prática.

Por outro lado, uma vez que as aulas de Religião se tornem obrigatórias pelo Governo nas escolas municipais e estaduais, o movimento ecumênico, que visa a integração das denominações religiosas, irá diluir os verdadeiros princípios bíblicos, porque em nome de uma tentativa de agradar a todos e não desrespeitar nenhuma religião, a versão do Cristianismo apresentada não será baseada no ensino das Escrituras. Vamos ver até a controvérsia envolvendo o Ensino Religioso irá nos levar.

[1] Ana Aranha e Martha Mendonça, “Jesus vai à escola”, publicado na revista Época, nº 537, 1º de Setembro de 2008.
[2] Idem, p. 109 e 110.
[3] Idem, p. 114 e 112.
[4] Paolo Rossi, “A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da revolução científica” (São Paulo, SP: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992), p. 61 e 62.
[5] Idem, p. 114.
[6] Idem, p.110.
[7] Idem, p.111 e 112.

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