Não
posso esconder minha (grata) surpresa ao ler a entrevista do filósofo Luiz
Felipe Pondé à revista Veja (Jerônimo Teixeira, Santos entre taças de vinho, Ed. 2225, ano 44, no 28, 13 de Julho,
p. 17-21). Foi-se o tempo em que a filosofia era tratada como filha obediente
da teologia. As duas vivem em pé de guerra desde o Iluminismo. Apenas mais
recentemente, alguns filósofos cristãos, como Herman Dooyeweerd, Alvin
Plantinga, Douglas Grotius, etc., viraram o jogo, provando que não há,
necessariamente, incompatibilidade entre cristianismo e filosofia. Mas que isso
acontecesse no Brasil, parecia bom demais para ser verdade…
Claro
que Pondé não se define como cristão (“Minha posição teológica não é óbvia e
confunde muito as pessoas.”). Quero crer que a entrevista, na qual o filósofo
faz uma crítica acurada do superficialismo da classe média esquerdista, não
fora planejada para envolver assuntos metafísicos; se eles entraram na pauta,
isso se deveu às comparações de Pondé entre o idealismo da esquerda e a posição
cristã.
Para
ele, a esquerda seria pior do que o cristianismo por ser “menos completa como
ferramenta cultural para produzir uma visão de si mesma” (20). O mal, na
concepção da esquerda ideológica, nunca é um problema intrínseco do ser humano,
mas algo externo, de natureza política ou moral – geralmente do outro! Luiz
Felipe Pondé acredita que tal visão infantilize o ser humano (idem). “Na
redenção política, é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de
redentor. O grupo, como a história do século XX nos mostrou, é sempre opressivo”,
sentencia o filósofo (21).
Em
contraponto, na teologia cristã se “reconhece que o homem é fraco, é frágil.”
Ele necessita da graça de Deus, a qual “não depende de um movimento positivo de
um grupo”. A própria ideia de santidade no catolicismo ressalta, segundo Pondé,
que, se no cristianismo o homem é levado a ver o mal em si mesmo, o bem que há
nele só pode ser reconhecido por outros homens (idem).
A
disparidade entre cristianismo e esquerda é tanta que Pondé não polpa a tentativa
de hibridismo entre os dois, a chamada Teologia da Libertação. “Um cristão que
recorre a Marx, ou a Nietzsche – a quem admiro –, é como uma criança que entra
na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara dele.” De fato, sua avaliação do
pensamento de Leonardo Boff admite que o ex-franciscano “evoluiu para um certo
paganismo Nova Era – e já nem é marxista tampouco.” Em outro lugar já comentei
sobre o afastamento de Boff do cristianismo ortodoxo, chegando a conclusões
semelhantes. Mas Luiz Felipe Pondé ainda ironiza: “A Teologia da Libertação é
ruim de marketing. É como já se disse: enquanto a Teologia da Libertação fez a
opção pelo pobre, o pobre fez a opção pelo pentecostalismo.” (ibid.).
Sem
dúvida a parte mais impactante da entrevista é a demonstração de que alguém
pode, pelo raciocínio lógico, considerar a existência de Deus. Cristianismo
nunca foi sinônimo de suicídio intelectual. Por outro lado, não se deve tomar a
afirmação acima como uma defesa da chamada teologia natural (que entende que a
razão é suficiente para que alguém creia em Deus). O ponto defendido é a
racionalidade da mensagem cristã, de maneira que qualquer pessoa pode abrir sua
mente para considerar os arrazoados desse sistema e, consequentemente, operar
racionalmente com bases cristãs (em um processo mediado pelo Espírito Santo).
Pondé cita a conhecida frase de Chesterton (também comentada pelo escritor Luís
Fernando Veríssimo em entrevista à revista Caros Amigos), segundo a qual
descrer em Deus dá ao indivíduo espaço para crer em qualquer coisa. (ibid.).
Quando
perguntado o porquê deixou o ateísmo, a resposta de Pondé é muito mais
contundente, o que justifica sua citação integral: “Comecei achar o ateísmo
aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese do Deus bíblico, na qual estamos
ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o átomo, me atraiu.
Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na fronteira da
melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa beleza, uma certa
misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos seres humanos,
tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes acontecem
milagres. Só encontro isso na tradição cristã.” (ibid.).
À
semelhança do teísta Anthony Flew, anteriormente considerado o maior filósofo
ateu do século XX, Luiz Felipe Pondé teve a coragem de perseguir algumas
evidências bem razoáveis que apontam para o Deus bíblico. Tivessem outros
pensadores (esquerdistas ou não) a profundidade de reflexão que lhes
permitissem avaliar a questão sobre Deus de forma mais detida; não me
estranharia se chegassem a conclusão similar a do ex-ateu Pondé…