Contextualizar é a palavra de ordem. O pós-modernismo é um desafio para
a igreja? A Geração Y precisa de maior interatividade nos cultos? O Ocidente
vive profunda transformações e hoje a sociedade se caracteriza como pós-cristã?
Ora, a solução para todas as mazelas do evangelismo cabe em uma palavra:
contextualização.
A contextualização seria tudo isso ou estamos atribuindo poderes mágicos
a ela? É fato que ninguém ouve a mensagem do evangelho se não lhe for
relevante? A relevância, segundo nos explicam, implica em traduzir o evangelho
em termos significativos para determinado cultura. A transmissão do evangelho
não ocorre no vácuo, porque seus ouvintes possuem culturas peculiares.
Por isso, é esperado que o missionário, esteja ele nas Ilhas do Pacífico
ou em no contexto das grandes metrópoles ocidentais, compreenda a cultura das
pessoas as quais pretende evangelizar, o que exige versatilidade, desprendimento
e tolerância extremos. Ele precisa, antes de ser um bom pregador, aprender a
agir como ouvinte.
Falando especificamente do contexto atual, o mundo ocidental não é mais
o quintal da paróquia – está mais para o mar que cerca a ilha chamada igreja.
Abordar as pessoas como se fazia a algumas décadas é frustrante. Não porque
elas estejam menos interessadas em Deus, mas porque perdemos a capacidade de
nos comunicar em termos que sejam compreensíveis. Assim, a
contextualização seria crucial para que o evangelho alcançasse as pessoas.
A eloquência dos promotores da contextualização é inegável e é forçoso
admitir que muito do que dizem seja coerente. Todavia, é óbvio que a mensagem
do evangelho impõe limites a estratégias de aproximação com pessoas de outras
culturas (ou mesmo os secularizados em nossa cultura); afinal, determinados
costumes, embora aceitáveis em uma cultura, estariam contradizendo princípios
bíblicos. Todo missionário, embora necessite se adaptar à cultura, não busca
adotá-la em todos os seus aspectos. Nem poderia. Um pastor missionário na
Albânia relatou que é costume naquele país as famílias distribuírem charutos
caseiros aos visitantes. Nesse caso, oferecer fumo passa a mensagem de acolhimento
e hospitalidade na cultura albanesa. Entretanto, fere o princípio de que o
corpo é templo do Espírito Santo (1Co 10:25). Por constrangedor que fosse, o
missionário cristão deveria gentilmente se recusar a aceitar a oferenda.
A apresentação do evangelho a qualquer cultura deve ser completa, a fim
de que os indivíduos inseridos nela encontrem como expressar e viver as
verdades aprendidas no ambiente de sua própria cultura. Desde Atos 15, a igreja
cristã entendeu que não se faz necessário que o indivíduo migre de sua cultura
para outra, com o objetivo de ser cristão. Aliás, tanto os judeus quanto os
gentios passavam – e ainda passam –, a partir de sua conversão, a viver com uma
cultura matriz (aquela de origem) e uma nova cultura, por assim dizer, que é a
cristã.
O cristianismo está além da cultura judia, ou mesmo de qualquer outra.
Em muitos lugares, ser cristão é ser ocidental. Até hoje paira sobre os missionários
do passado a acusação de transmitir sua própria cultura enquanto pregavam o
evangelho às pessoas. Desconfio que não seja exatamente o cristianismo que seja
identificado como algo ocidental, mas as incoerências dos cristãos.
Pelo menos, assim reagem os muçulmanos diante da imoralidade, vida
desregrada e consumo de bebidas alcoólicas por parte dos cristãos ocidentais. Em
contrapartida, amigos que trabalham como missionários em países muçulmanos
destacam que eles acabam se mostrando perplexos quando descobrem que eles,
sendo adventistas e seguidores de Jesus, não fumam, bebem, comem carne de porco
e se mantém virgens até o casamento.
O evangelho transformador apela a todas as culturas, não porque
facilmente se adapte a elas, ao contrário: porque ela soa diferente de tudo o
que se conhece. Ele desafia todas as culturas, mostrando vidas diferentes como
resultado. Isso não significa que, quando aceitamos o evangelho, nossa cultura
matriz é descartada de todo. Porém, o cristão agora vive de forma agradável a
Deus, sublimando aspectos culturais contrários ao evangelho. Sua cultura matriz
é transformada. Ele deixa de orientar pela cultura para se seguir
exclusivamente aquilo que a Palavra Revelada lhe orienta a fazer, pensar,
comer, sentir, expressar, cantar, viver. E é impossível isso não ser diferente
para alguém que viva em Xangai, Buenos Aires, Paris, São Paulo ou qualquer
parte do mundo!
Aqui está toda a questão crucial: entender o tipo bíblico de contextualização.
Pouco proveito há em conceber a contextualização como mera adequação da igreja
à cultura vigente ou mesmo à qualquer subcultura que se pretenda evangelizar;
quando isso ocorre, não se pode falar em contextualização, mas em
aculturamento. Ironicamente, denominações e movimentos que se aculturaram,
pretendendo alcançar a relevância, se tornaram irrelevantes, sem poder para
influenciar a cultura, posto que se tornaram parte dela.
Por outro lado, a contextualização genuína não altera a essência do
cristianismo, apenas sua abordagem; ela atua evangelisticamente como um
sentimento de levar o evangelho às pessoas onde se encontram, sabendo que isso
será significativo porque o evangelho é uma necessidade profundamente arraigada
no homem – embora não essa necessidade universal não seja universalmente
reconhecida. Daí a necessidade do testemunho, que desperta no pecador (mendigo
ou empresário, xintoísta ou ateu) o reconhecimento da necessidade do Salvador.
A contextualização se torna, desse modo, um processo de mão dupla: a
igreja se adapta às pessoas, que se adaptam às ordenanças de Cristo. Como a
igreja se adapta? Indo buscar essas pessoas dentro de suas realidades, tentando
entender suas necessidades e oferecendo-lhes suporte e amizade desinteresseira.
Esse tipo de contextualização exige, mais do que treinamento, coração; mais do
que estratégia, consagração; mais do que leitura do ambiente, compaixão. Contextualização
com discernimento: uma necessidade de todos os cristãos, em todas as épocas,
para levar o evangelho a todos aqueles que precisam, em todas as épocas.
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