sexta-feira, 14 de junho de 2013

FAZ DIFERENÇA SER RELIGIOSO?



Ramona[1] senta-se na cadeira, em frente à minha mesa. Antes de abrirmos a Bíblia, ela fala sobre seus dezesseis anos loucamente vividos. Seus amores perdidos, seus complexos, a conturbada relação com o pai – tudo passa diante de mim num atropelo eloquente e doloroso. Mas ela precisa contar para descarregar o peso de tantas dúvidas e cicatrizes.

Estudar a Bíblia com Ramona, uma adolescente inteligente e sem qualquer cultura religiosa, é sempre desafiador, porque ela faz perguntas que parecem inocentes, porém demandam reflexão cuidadosa – embora em geral, sua atenção se fixe de um ponto a outro com velocidade tal que, na metade da resposta, ela já tem outra pergunta. Uma das preocupações de Ramona: qual a diferença de se crer ou não em Deus? Por que temos de ter fé?

A fé sobrevive?

Se pretendemos falar sobre crença, esse é um bom ponto de partida: para que serve uma fé?

O papel diminuído da religião deve ser bem entendido. Por um lado, há a perda de sentido religioso, fruto da modernidade. A confiança na estrutura social, dentro de uma mentalidade capitalista e no contexto do racionalismo, leva à visão de que Deus seja um conceito desnecessário, fantasioso e até nocivo.

Vários países são estados laicos declarados. Até mesmo pessoas religiosas temem a imposição religiosa. Logo, o medo “de imposição de visões religiosas frequentemente evoca medidas por uma supressão de vozes religiosas da praça pública.”[2]

O outro lado da moeda da perda de sentido religioso chama-se pós-modernidade. No pensamento pós-moderno, as religiões se equivalem. As crenças são despidas de seu formalismo e da ligação com instituições tradicionais. Cada comunidade pode selecionar aspectos religiosos de diversas crenças e reorganizá-los para expressar uma crença própria. Nesse jogo, vale tudo, até reformular indefinidamente as próprias crenças.

O experimentalismo pós-moderno reaproxima as crenças, enfatizando aspectos comuns de forma mais superficial. Vivemos em “zonas de fronteiras”, onde não há limites, mas tudo se mistura; “linhas [divisórias] são traçadas sobre a areia movediça apenas para se apagar e ser traçadas no dia seguinte.”[3]

Apesar de tudo o que dissemos, cada vez mais pessoas creem em Deus ou assumem uma religião. Por quê?

Motivos para ser religioso

Há um paradoxo entre a perda de sentido religioso e um sensível aumento de toda sorte de crentes. Talvez isso se explique pelo entendimento geral da religião. As pessoas são religiosas, contudo as crenças são relegadas a uma subcategoria, abaixo de questões mais práticas do dia a dia. Deus não faz parte do processo decisório de muitos que alegam crer nEle. Urge que retomemos a questão formulada no início: para que serve uma religião?

Há muitas respostas, mas quero propor dois pontos:

(1) A religião ideal provê o fundamento metafísico, o qual confere um senso de origem e propósito. Céticos tentam estabelecer a possibilidade do próprio homem criar seu destino, sem que uma divindade o referencie. Eles opinam que o homem se tornaria um fantoche nas mãos da divindade, perdendo sua liberdade. Vale mencionar que a visão racionalista não conseguiu produzir um substituto à altura da cosmogonia religiosa. O pensamento secular é insuficiente para equilibrar a tensão entre interesses pessoais e coletivos, ainda mais tendo em vista a perda do senso de propósito maior, fundamento da ética, em todos os âmbitos.

(2) Uma religião provê a necessidade de conhecer e se relacionar com a divindade. O cristianismo, em especial, é uma religião de revelação, apresentando um Deus que Se interessa tanto pela humanidade que criou a ponto de tomar a iniciativa. Sim, Ele não esperou que tentássemos conhece-Lo (até porque nossa razão tem seus limites); Deus veio mostrar quem é, para todos desfrutarmos de Sua presença. Inclusive eu, Ramona e você.



[1] Para preservar a identidade, o nome foi trocado.

[2] Miroslav Volf, A public Faith, A public Faith: how followers of Christ should serve the common good (Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2011), p. X.

[3] Zygmunt Bauman, Ensaio sobre o conceito de cultura (trad.: Carlos Alberto Medeiros; Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2012), p. 75-ss.

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