sexta-feira, 21 de outubro de 2016

DO CONTO DE FADAS AO PESADELO


O sonho de sua infância não era ir à lua ou jogar no Real Madri. Nunca foi brilhante ou ambicioso. Apenas queria o mesmo que qualquer um, sem buscar destaque entre a multidão.
Subitamente, o caipira com mato no canto da boca recebia os aplausos de empresários. Da carroça para o interior de limusines e iates. Não ganhara em nenhuma loteria, nem sorteio da televisão. Sequer fora descoberto por uma agência de modelos (embora as mulheres sentissem o frissom que sua presença causava!). Mas sob seu cabelo desgrenhado e lavado com sabão pousou a coroa real. O menino brejeiro tornou-se o mandatário da nação, quem diria!
Naturalmente, ninguém se assustara mais do que ele próprio! Para quem jamais sonhara com coisas tão espetaculares, o sonho assumia uma forma assustadoramente maior – e real! Quando você ganha algo sem merecer, dado por quem o ama, chega a ser ofensivo mesmo o menor esboço de recusa. O mínimo a se fazer é aceitar, tentando corresponder ao presente.
O menino pobre se tornou rei, sem ter sangue azul ou ser diplomado em ciências políticas em Havard; ele não merecia aquilo, diriam os críticos com razão. Porém, ele poderia ter correspondido à escolha divina.
Poderia.
A tragédia maior das ascensões meteóricas é a dificuldade em lidar com o sucesso quando ele chega sem aviso ou antes do pretendido. E quando falamos em sucesso espiritual, ainda se corre o risco de apressar a derrocada, quando atribuímos as glórias a coisas como esforço, talento, habilidade e merecimento. Ao nivelar as bênção divinas com conquistas humanas, nos desabilitamos à posição em que Deus nos pôs.
Saul, o rei que chegou ao poder como um matuto, logo se sentiu à vontade no trono. Passou a tomar decisões sem se importar com conselhos de sacerdotes, profetas ou mesmo do próprio Deus. Governar se tornou algo que ele sentia depender de seu instituto nato de líder. E quando Deus o rejeitou, escolhendo um homem melhor para liderar Israel, o pior de Saul veio à tona: invejoso, rancoroso, capaz de armar ciladas e matar quem quer que ficasse entre ele e o seu reino. Você já viu essa história, certo?
O ciclo se repete, mesmo entre o povo escolhido por Deus. Afinal, é próprio do ser humano amar o poder e se apegar a ele com um carinho que brota do egoísmo enraizado em nosso coração. Se você duvida, basta assistir uma típica reunião eclesiástica. Desde a igreja local, até os níveis superiores de nossa organização, parece sempre haver indivíduos que amam mais o poder que sentem possuir do que o Deus que lhes oportunizou servir com seus dons a Sua causa.
É fácil nos esquecermos de onde Deus nos buscou e reconhecer que os dons vieram de Seu Espírito (1 Co 12:11). Em algum momento, passamos a ocupar o centro, empurrando aos poucos Deus para a preferia da vida cotidiana (deixe Ele continuar sendo o Senhor do sábado apenas). Tragicamente, enquanto disputamos o poder, Deus escolhe representantes humildes com os quais consiga Se comunicar sem barreiras. E a obra dEle será concluída por pessoas cujo nome continue desconhecido em todos os círculos do poder.
O problema não está na liderança em si, nem poderia estar, uma vez que Deus usou grandes líderes em momentos-chave da história, como Abraão, José, Moisés, Josué, Gideão, Sansão, Samuel, Daniel e Neemias, para citar alguns nomes. Liderança nunca foi sinônimo de desonestidade, corrupção ou opressão. Entretanto, o fato de alguém ser chamado para servir a Deus de modo especial demanda mais íntima comunhão com Ele e uma vida à altura do serviço. Somente líderes espirituais se acham prontos para servirem em assuntos espirituais. Se o talento, a habilidade de planejar, a coragem para executar e força de vontade não forem devidamente consagrados a Deus, a liderança se converterá em um jogo de poder com um verniz eclesiástico.

Deus chama a todos para usarem seus dons a fim de semear o evangelho, apressando o regresso de Jesus. Na luta com o orgulho e atitudes carnais, podemos aprender com o exemplo de Saul, o primeiro rei de Israel. Esse livro foi escrito especialmente para a atual geração de adventistas, que muitas vezes é tentada a desanimar em face de tantos conflitos que existem em suas igrejas locais ou tenta achar um caminho para renovar a fé adventista. Lembre-se de que Deus conduz essa igreja. E, se seguirmos os métodos dEle, buscando reavivamento e reforma pessoais, veremos uma melhora nos relacionamentos entre cristãos, além de um caminho que permita viver o evangelho em sua plenitude, incluindo o uso de nossos dons para cumprir a missão.

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