quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

BELLOTTO, SUA DEUSA E AS IMPLICAÇÕES

Uma deusa: assim, no feminino, sem maiúsculas. Adepta do atletismo, desatenta e negra. Essa é a concepção de divindade do ateu Tony Bellotto, publicada no blog do cantor. Salta à vista a semelhança com o retrato de Deus-Pai feito por William P. Young no Best-seller A Cabana.

Não creio ser coincidência. Com a identificação tradicional da divindade estritamente associada com anglo-saxões adeptos do patriarcado, nada mais chocante do que apresentar Deus como sendo mulher e negra! No entanto, os estereótipos sobre Deus são aceitos a rigor apenas pelos desinformados. Um exemplo: o poeta católico Neimar de Barros compôs o poema Deus Negro, justamente para desafiar as idéias pré-concebidas acerca do Ser divino.

O texto de Belloto tem a virtude da jocosidade, embora sem convidar a uma segunda leitura (talvez o autor o escrevera para proporcionar passatempo leve a seus leitores, sem maiores ambições). Ainda assim, teço dois breves comentários sobre ele:

1) O texto expõe a variedade de concepções sobre Deus como um forte argumento para relativizar a existência objetiva de Deus: o autor começa afirmando que recebeu a “graça de NÃO crer”. A seguir, sumariza algumas visões religiosas, desde o Deus pessoal, ao deus energia. Também afirma respeitar “quem acredita e, sinceramente, não meço ou julgo as pessoas pelo fato de elas acreditarem ou não em Deus. Isso não tem a menor importância pra mim. Não mesmo. Até porque, na minha experiência e observação, concluí que o que se chama de ‘deus’ varia muito de pessoa para pessoa.”

A falácia fica evidente. A existência de várias interpretações sobre um determinado objeto não implica na negação do conhecimento objetivo daquele objeto, muito menos em sua não-existência. Um exemplo: ao longo do ano, a revista Veja trouxe informações comprometedoras ao governo Lula. Mesmo que o próprio governo, seus aliados e simpatizantes viessem a negar, explicar ou desconversar sobre as acusações, muitas delas obtiveram respaldo em acareações feitas pela Justiça. Em meio ao falatório, ainda podemos nos agarrar aos fatos. E que fatos há com respeito a Deus?

Em primeira instância, há o que os teólogos chamam de divinatus sensus, ou seja, o senso da presença de Deus, que faria parte do “pacote básico” de pressupostos de cada ser humano. E os ateus, que dizer deles? Ora, os ateus não são a prova de que a intuição sobre a existência de Deus não seja natural ao ser humano, pelo contrário: sendo o ateísmo a negação à existência do Ser supremo, isso não deixa de constituir uma resposta ao conceito intrínseco à nossa consciência, a saber, que Deus existe. Embora a resposta seja negativa, ela, em verdade, é uma manifestação contrária a uma intuição básica, que testemunha sobre o Deus que existe. De outra maneira: (A) O ateísmo é a negação do conceito de Deus; )B) O conceito de Deus, portanto, é anterior ao ateísmo; (C) O ateísmo é dependente do conceito de Deus; (D) Logo, o estado natural do homem é possuir um conceito prévio sobre Deus.

Em segundo lugar, temos uma série de perguntas filosóficas que só podem ser respondidas satisfatoriamente com a aceitação do conceito de que Deus realmente existe. Entre muitas indagações (algumas delas até mesmo expressas de forma modificada por Bellotto), reproduzo as seguintes: (1) Sendo o ser humano pessoal, sua existência é mais bem explicada por causas impessoais ou pessoais? (2) Sendo patente para os estudiosos o equilíbrio das leis físicas, apenas casualidade poderia explicar esse equilíbrio? (3) Há um propósito para a existência humana? (4) Qual o referencial para a moralidade? Evidentemente, cosmovisões distintas responderão a tais perguntas de forma diferenciada. Entretanto, quais respostas seriam mais lógicas e compatíveis com a realidade? Qual sistema representativo pode orientar as escolhas do homem, ao mesmo tempo em que o coloca na sua posição real – a de ser humano – , sem rebaixá-lo a uma máquina ou a meramente a uma espécie do reino animal? Ao invés de relativizarmos a questão, deveríamos pensar nas perguntas e sondar as implicações. Dar de ombros parece mera covardia;

2) O texto apresenta como objeção ao conceito cristão da divindade a suposta opressão dos dogmas: Belloto faz coro com o jornalista ateu Christopher Hitchens quando escreve: “Adoro ser ateu e viver sem o peso de um deus a me assombrar, vigiar e julgar. Sem entidades metafísicas a quem dever satisfações, e sem nenhuma expectativa a respeito do vasto infinito, portanto. […] Há os que creem no Deus bíblico (com D maiúsculo), cheio de dogmas, senões e restrições (o bom e velho ‘senhor de barbas’, magnânimo, mas inegavelmente autoritário, paternal e meio ranzinza).”

Sem dúvida, a declaração exibe uma indisfarçável confiança na razão humana, como capaz de escrever o script, atuar e dirigir o filme de sua própria vida. Mas se cada um é capaz de viver livremente, sem ter necessidade de prestas contas a Deus, perante quem somos responsáveis? Se respondermos “a nós mesmos”, significa que também delimitamos nossa responsabilidade e criamos a nossa moral peculiar. Claro que se cada um pensasse assim, o mundo seria um caos ainda maior! Pedófilos, genocidas e políticos corruptos poderiam justificar cada uma de suas ações – porque a única moral vigente seria a individual!

Por outro lado, se afirmamos que nossa prestação de contas se deve à “sociedade”, como quer o filósofo Richard Rorty, por exemplo, estabeleceríamos que a moral social está sempre certa, o que traria implicações ainda mais catastróficas! Os nazistas não poderiam ser julgados por nenhum fórum internacional pelos crimes contra a Humanidade – afinal, sua sociedade é livre para praticar o que bem entendesse, inclusive extermínio e barbárie. O exemplo parece extremo, mas poderíamos levantar outras situações, como pena de morte, infanticídio e o apedrejamento de opositores do governo no Irã. Em todos esses casos, o que a sociedade delibera estará além da competência de outra sociedade (e até do indivíduo; daí, a consciência coletiva suplanta a individual!).

No aspecto positivo, temos de encarar os fatos: se Deus é quem afirma ser, Onisciente, Onipotente, Eterno, Justo, Santo e com natureza amorosa, Suas orientações não estariam acima dos critérios simplesmente terrenos? Além disso, a religião bíblica se preocupou sempre em prover preceitos (e não dogmas!) que pudessem ser aplicados pelo indivíduo em seu contexto, quer histórico, quer pessoal. Isso não significa que esses critérios foram fielmente seguidos na história da Humanidade. Aliás, a falha dos cristãos apenas indica o que eles mais ardorosamente defendem: a falibilidade humana em contraste com total suficiência divina. Mesmo as melhores intenções não são livres de culpa quando nos afastamos das orientações de Deus.


Ao contrário de se insurgir contra Deus (ou uma visão estereotipada e distorcida dEle), por que não se abrir à possibilidade de aceitar que Ele não apenas existe, como também fez mais do que nos deixar imaginando sozinhos quem é Ele: Deus Se revelou! 

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindíssima! Um rosto perfeito! Que beleza impressionante!