terça-feira, 6 de dezembro de 2011

VIZINHO DO CAMPO MISSIONÁRIO

O coração da floresta. Convivendo com indígenas por dez anos. Entre traficantes de escravos e furiosas epidemias. No território da nascente do rio Amazonas, o casal William e Olga Schaeffler cumpria uma missão de risco.

Tudo teve início a partir de 1927, quando as missões indígenas da União Incaica foram organizadas (envolvendo Peru, Bolívia e Equador). Era um território difícil para a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Poucos obreiros se animavam a serem chamados para a região. O campo não era promissor. As dificuldades financeiras? Imensas.

Os Schaeffler corajosamente aceitaram trabalhar na floresta do norte do Peru. Como resultado, fundaram duas escolas, uma igreja, além de instalações para atender a população e abrigar obreiros. Muito mais do que isso até: cerca de 250 índios Campas se batizaram, mudaram-se para perto do casal, formando uma pequena vila adventista em plena floresta. [1]

Relatos como esse, provenientes do campo missionário, emocionam, em parte por que a maior parte daqueles que nasceram em um lar adventista (nós os chamamos de “adventistas de berço”!) já sonharam em ser missionários. Os relatos mundiais das missões (cartas missionárias) na Lição da Escola Sabatina fomentam o ideal de pregar no campo estrangeiro. E Deus serve-Se de relatos assim e de muitas outras maneiras para chamar jovens e famílias para deixar seu país e trabalhar em lugares remotos do mundo.

Ao mesmo tempo, a maioria de nós não precisará fazer seu passaporte! Se quisermos ser missionários, não teremos necessariamente de nos mudar e aprender um novo idioma, embora alguns recebam esse chamado específico. Mas, para a grande maioria, basta representar nosso Deus e Seu evangelho onde estiver. E isso é mais verdadeiro no século XXI. Por incrível que pareça, nossa sociedade vem abrindo mão de sua herança cristã e assumindo uma postura dita pós-cristã (como se a religião de Cristo já estivesse superada!).

Para reverter o quadro, precisamos nos voltar para a Bíblia. Nela encontramos sólidos modelos de homens que viveram à altura das exigências do seu tempo. Na verdade, gastaremos tempo pensando em um caso em particular.

Conhecendo o homem de perto

Se estivéssemos num contexto corporativo, diríamos que, para seus superiores, seria um jovem executivo promissor. Chegava pontualmente para as reuniões. Em seu notebook, gráficos com planos geniais. Seus sapatos de grife viviam bem lustrados. O nó de sua gravata era o mais elegante.

Mas temos outro homem, não um jovem saído da Faculdade Getúlio Vargas, com seu MBA em Administração. Não um engravatado, mas um empoeirado. Vivendo entre pagãos intelectualizados com a mensagem que borbulhava em seus dias. Talvez em seu buço os fios masculinos começassem a substituir a penugem. Seu desafio: que sua voz fosse ouvida, ecoando sua experiência – em anos de serviço apostólico? Penso que não; porém, uma experiência cristã genuína, não mensurável em termos de tempo.

Timóteo. Mentoreado por Paulo, o jovem pregador recebeu conselhos relevantes. Nas cartas que Paulo lhe mandou, saltam as linhas nas quais se ouve o convite para o combate (1 Tm 1:18).

Quem era o Pastor Timóteo? Era natural de Listra da Licaônia. Na segunda viagem missionária, Paulo teve como companheiro Silas (também chamado Silvano). Os irmãos de Listra e Icônio deram boas referências de Timóteo, um jovem filho de uma judia convertida, mas cujo pai era grego. Paulo o levou consigo após circuncidá-lo (At 16:1-3).

Que tipo de capacitação teria Timóteo para assumir o comando de uma das frentes de combate na Guerra Espiritual?

Paulo lhe diz que não deveria menosprezar – até pelo contrário, deveria levar em conta – o ato da imposição de mãos, sobre ele realizado (1 Tm 4:14). A expressão “por mensagem profética”, nos sugere que houve uma revelação sobrenatural que apontasse claramente para a consagração de Timóteo através da imposição de mãos. (cf.: At 13:2,3). A própria ordenação por meio deste processo era antiga: vemos, por exemplo, que os Levitas foram separados para o sacerdócio ao ser-lhes impostas as mãos de Moisés (Nm 8:10, 11) e o mesmo ocorreu com Josué (Nm 27:18-20, 23), quando foi separado para ocupar o lugar do mesmo Moisés, prestes a morrer. No caso de Timóteo, Paulo em pessoa impusera suas mãos sobre o iniciante condiscípulo (2 Tm 1:6,7).

Timóteo, como ministro ordenado, não deveria se preocupar com a salvação meramente do prisma evangelístico, como algo a ser levado ao povo – ele deveria se envolver com o processo experencialmente. Combater o combate incluía tomar posse da vida eterna (1 Tm 6:12). “Salvar-se a si mesmo” era imperativo, tanto quanto salvar a outros (1 Tm 4:16).

É claro que esta experiência de estar salvo traz inúmeros benefícios; inegavelmente, contudo, a salvação atrai sobre os crentes a vergonha e o desprezo por parte dos que rejeitam sua mensagem. Timóteo deveria suportar os sofrimentos que a pregação do Evangelho lhe acarretasse, tendo a certeza da salvação passada e da vocação presente (2 Tm 1:8,9), além da garantia da recompensa a ser dada “naquele Dia” (2 Tm 1:12; 4:7,8).

Hora do combate

O mesmo combate reclama em nossos dias por pessoas que aceitem seu desafio e o alcance da missão dada por Deus. Paulo, Timóteo, Jonh Huss, Zwínglio e milhares de campeões do passado descansam no Senhor, tendo cumprido o seu combate. Agora é a nossa vez de nos erguermos e lutar pela nossa salvação e de nossos semelhantes.
Para atendermos nosso chamado, nada como considerar as orientações de Paulo a Timóteo. Nós as dividiremos em tópicos para facilitar seu estudo:

I – Fortifique-se na graça de Jesus para cumprir a missão (v. 1): Ao escrever “seja forte”, Paulo literalmente está dizendo “vá para o campo de batalha como um soldado”. [2] A forma enfática como o apóstolo incentiva Timóteo pode também ser vertida do seguinte modo: “Você, entretanto, meu filho, seja continuamente fortalecido pela graça que há em Cristo Jesus.” [3]

É notório que os desafios da pós-modernidade são imensuráveis. A diferença é que, talvez mais do que nunca, essa igreja esteja madura para encará-los. Em um documento oficial, a denominação que o “desafio de alcançar os mais de seis bilhões de pessoas no planeta Terra” é algo que “parece impossível”, sendo uma tarefa esmagadora. “De uma perspectiva humana, o rápido cumprimento da Grande Comissão de Cristo, em algum momento próximo, parece improvável”, completa o documento. Por meio dele, a liderança mundial da igreja faz um apelo por reavivamento e reforma, [4] como a única forma para nos conectarmos ao Espírito Santo, o único que pode disponibilizar poder aos crentes. Não tenho dúvidas de que esse é o espírito!

Em todos os momentos que o povo de Deus se uniu, buscando poder dos altos céus com humildade, sua oração não foi descartada. O Pai quer nos encher de sabedoria e discernimento. Creio que muito do que dissemos nas páginas antecedentes darão base intelectual para compreendemos a situação das pessoas do século XXI em termos de visão de mundo. Porém, devo confessar que conhecimento não basta para agir! Precisamos do conhecimento, mas além dele temos necessidade do Espírito de Deus mudando a vida por completo. É tempo de sermos fortes na graça do Senhor!

II – Transmita o legado da verdade para envolver outros na missão (v. 2): Da forma como o verso se acha traduzido em algumas versões, pode-se pensar em uma espécie de transmissão indireta, como se Paulo ensinasse a outros que, por sua vez, ensinassem Timóteo: “O que da minha parte ouviste através de muitas testemunhas” (ARA).

Entretanto, a maioria das versões corretamente assinala que a transmissão do ensino foi direta – Paulo em pessoa ensinara o jovem pregador: “O que aprendeste de mim na presença de muitas testemunhas” (TEB); “e guardando o que ouviste da minha boca” (Figueiredo); “As coisas que você ouviu de mim” (NASB). [5]

Ainda se pode traçar um paralelo do texto com o tom das instruções apresentadas em 1 Timóteo 1:18-20. Ali há contraste entre Timóteo e alguns que apostataram, entre os quais são citados Himeneu e Alexandre. Do jovem discípulo se diz que possuía a confirmação profética para continuar no bom combate com boa consciência. Sobre seus opositores Paulo escreveu que haviam rejeitado os apelos de Deus à consciência e naufragaram na fé, sendo entregues a Satanás. Outros contrastes aparecem, como pregar a doutrina/ desviar-se da doutrina, fé (confiança no plano divino)/não realização do desígnio divino e servir a Deus em boa consciência/fracasso espiritual.

Como alguém divinamente comissionado, Timóteo tinha a missão de legar o que aprendera de Paulo. Legar significa transmitir um legado, dividir uma herança, ceder um patrimônio. O patrimônio do cristão é a verdade (Jd 3). “O ministério não é algo que nós podemos fazer por nós mesmos e manter por nós mesmos. Nós somos guardiães de um tesouro que Deus nos deu. É nossa responsabilidade guardar o depósito e então investir na vida de outros. Eles, por sua vez, têm de compartilhar a Palavra com a próxima geração de crentes.” [6]

III – Disponha-se às condições da missão (v. 3-7): Paulo convida seu jovem condiscípulo a partilhar sua vida de sofrimentos em favor do evangelho. Para tornar a questão mais vívida na mente de Timóteo, ele colore seus argumentos com exemplos tangíveis. Devemos nos ajustar à missão como:

1 – O soldado: Aqui Paulo enfatiza dois aspectos. O Soldado (1) serve apenas a quem o alistou (v. 4) e (2) se sujeita ao sofrimento (v. 3). É sabido que a disciplina de um soldado na época do império romano era árdua. Cada soldado carregava pesados armamentos, além de utensílios tais como a serra, o cesto, a picareta, o machado, o anzol e comida para três dias. [7]

O primeiro aspecto envolve o compromisso. Durante o período de serviço militar, um soldado não se preocupa com seu sustento ou suas atividades sociais. Ele não tem tempo sequer para se dedicar à família. Seu foco está no serviço prestado ao seu país. Em nome desse compromisso, o soldado se sujeita a privações. Filmes e documentários comentam a situação de famílias americanas que sofrem ao ver maridos e filhos servindo no Afeganistão ou Iraque. A vida militar pode ser árdua mesmo em nossos dias.

De certa maneira, a vida cristã envolve um compromisso que passa longe de quadro romântico e bem sucedido que muitos pregadores compõem diante de congregações desavisadas. Há luta renhida e desafios constantes. O cristão deve ter em vista que seu maior compromisso é com o Senhor Jesus Cristo quem o alistou. Em nome dEle, toda privação e sofrimento compensam!

2 – Como o atleta: Em 1988, durante as olimpíadas de Seul, o canadense Ben Johnson venceu a prova dos cem metros rasos estabelecendo a marca de 9s79. O mundo ficou fascinado com aquele voo em solo. Infelizmente, algumas horas mais tarde descobriu-se que o homem à fato usava um combustível proibido: Bem Johnson caiu no exame anti-doping. O atleta usara estanozolol, um esteroide anabolizante. Sua medalha foi recolhida e seu recorde, apagado.

Em 2001, Bem Johnson, que já se encontrara banido do esporte por reincidência no uso de substâncias ilícitas, voltou a ser notícia. Johnson se achava na Via Veneto, em Roma, quando uma mendiga lhe bateu a carteira. Mais do que depressa, o corredor saiu em perseguição da ladra. Por ironia, ele não conseguiu alcançá-la! [8] A história de Bem Johnson ajuda a reforçar o aspecto que Paulo pretende enfatizar: o atleta valida sua participação seguindo as regras da competição. Na vida cristã, nossa missão deve ser levada adiante, mas de qualquer forma. Não somente os resultados apenas, como os próprios métodos para atingi-los, importam. Devemos seguir as regras do jogo, aquelas que o próprio Deus estabeleceu em Sua palavra.

3 – como o agricultor: Aqueles que, à semelhança deste autor, cresceram em um ambiente urbano, teriam dificuldades para se adaptar à dura rotina de uma fazenda. Pessoas que vivem no campo dormem e acordam muito cedo e trabalham duro durante muitas horas do dia. Sobretudo, Paulo enfatiza que o agricultor participa da própria colheita (v. 6), o que constitui sua recompensa em meio a tantos desafios.
As três metáforas têm algo em comum, embora apresentem nuanças diferentes:

Um soldado sofre por ser forçado a ignorar afetos civis. Um atleta devido ao treinamento propriamente. Um agricultor sofre por causa do trabalho duro. O que perpassa todas essas metáforas em comum é o tema da perseverança em face do sofrimento descrito. [9]

IV – Mantenha em vista o objetivo da missão (v. 8-13): Paulo estava preso e consciente de que se encaminhava para os quarenta e cinco minutos da partida (2 Tm 4:6,7). Em situações como a dele, as pessoas costumam se encher de auto-piedade. Não Paulo! Se ele tinha algo em mente, isso não dizia respeito a eventuais fracassos ou ressentimentos. Paulo estava focado na sua recompensa, porque ele sabia que não correra em vão. O que devemos fazer para não deixar de lado o objetivo de Deus para nós? Apenas três coisas:

1 - Anunciar o Cristo ressurreto (v. 8): Jesus permanece como centro da mensagem de Paulo. Em especial, o apóstolo considera a dupla natureza do Filho de Deus: “Sua descendência humana estabelece Sua humanidade. Sua ressurreição proclama Sua divindade.” [10]

2 - anunciar a palavra invencível (v. 9): Conquanto Paulo se encontrasse acorrentado, a Palavra gozava de liberdade, percorrendo os rincões mais distantes do império de César. Seus arautos poderiam tombar e mofar em calabouços subterrâneos, mas a mensagem pela qual viviam era indestrutível!

3 - Anunciar que a fidelidade divina dará a recompensa (v. 10): Acima de tudo, em um mundo de injustiça, Paulo não esperava reconhecimento ou tapinhas nas costas. Ele sabia que o discipulado é um risco para qualquer pessoa. O discípulo de Cristo recebe a injúria em vez de aplausos. Quer ser lembrado? Faça algo fútil, escandaloso e sem serventia. Você alcançará cinco minutos de fama. Quer ser rejeitado, injustiçado, sofrer perseguição e constante desdém? Decida-se por seguir a Jesus.

Quando nos fortalecemos na graça de Jesus, transmitimos o legado da verdade, dispomo-nos às condições da missão e mantemos a atenção em nossa recompensa, nada mais importará. Vivermos impregnados com o sangue do Calvário. O impacto que causaremos no mundo dependerá menos de gastos com marketing. Especialmente pensando no exemplo de Paulo, é mister que haja pastores que modelem a si mesmos e seus ministérios de acordo com o padrão do Pastor Chefe; afinal, o clamor da igreja é por pastores legítimos. [11]

[1] Floyd Greenleaf, Terra de esperança: o crescimento da Igreja Adventista na América do Sul (trad.: Cecília Eller Nascimento; Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011), p. 338-340.
[2] Warren W.: Wiersbe, Wiersbe's Expository Outlines on the New Testament (Wheaton, Ill.: Victor Books, 1997), p. 645.
[3] William D. Mounce, Word Biblical Commentary: Pastoral Epistles (Dallas : Word, Incorporated, 2002), vol. 46, p. 503.
[4] O documento foi votado no concílio anual da associação geral dos adventistas do sétimo dia, em 11 de Outubro de 2010.
[5] “A despeito da palavra traduzida por ‘em presença de’ (διά, dia) normalmente significar ‘através’, é improvável que Paulo intente representar sua mensagem a Timóteo como mediada através de outros porque Timóteo tinha ouvido Paulo diretamente.” C. Michael Moss, 1, 2 Timothy & Titus; The College Press NIV Commentary (Joplin, Mo.: College Press, 1994), edição eletrônica, comentário sobre 2 Tm 2:2. Moss esclarece que a sugestão para traduzir a palavra como “em presença de” remonta a Crisóstomo (407 d.C.).
[6] Warren W. Wiersbe, The Bible Exposition Commentary (Wheaton, Ill.: Victor Books, 1996), edição eletrônica, comentário sobre 2 Tm 2:1.
[7] James M. Freeman; Chadwick, Harold J., Manners & Customs of the Bible. Rev. ed. ( North Brunswick, NJ : Bridge-Logos Publishers, 1998), p. 543
[8] A notícia pode ser encontrada em vários meios de comunicação, mas consultei especialmente O fim de uma farsa, disponível em http://epoca.globo.com/especiais/olimpiadas/0807_ouroperdido.htm .
[9] William D. Mounce, idem, p. 507.
[10] Thomas C. Oden, First and Second Timothy and Titus; Interpretation, a Bible Commentary for Teaching and Preaching (Louisville: J. Knox Press, 1989), p. 49.
[11] E. Glenn Wagner, Scape from church, inc: the return the pastor-shepherd (Zondervan, 1999), p. 32, 111.

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