A
antítese real/virtual, embora frequente, ainda é mal compreendida. Para Pierre
Lévy, não haveria propriamente uma antítese; virtual é a potência, ou seja, a
possibilidade, a antecipação daquilo que é real. A virtualidade não seria uma
realidade alternativa, mas uma camada, uma nova dimensão da própria realidade. Essa
“camada extra” está presente na vida de milhões de pessoas. Isso faz com que se
pense na questão do testemunho no mundo virtual, o que abriria o potencial para
uma evangelização mais eficiente. Porém, nada é tão simples.
Em
primeiro lugar, a dimensão virtual da realidade possui sua própria
racionalidade, mais aberta, intuitiva e experimental do que a “realidade
tradicional”, dominada por convenções sociais e instituições marcadas pelo
signo do Iluminismo.
Outro
fator: o lugar da autoridade tradicional fica um tanto deslocado na dimensão
virtual, porque novas autoridades são investidas e a tolerância pós-moderna (assim
como a intolerância das redes sociais) não reconhece alguém por seu título ou
conhecimento. As pessoas são reconhecidas pela sua empatia, capacidade de atrair
seguidores e uso apropriado da iconografia de cada nicho. A estrutura
eclesiástica não faz sentido na rede (para bem e para mal).
A
mensagem cristã é sólida e (para o paladar da mídia iconográfica) bastante
indigesta. Em um mundo que prega a liberdade total de escolha em questões como
estilo de música, de vestimenta e de sexualidade, o cristianismo bíblico soa
como um intruso (diríamos ser um intruso promissor, mas, ainda assim, um
intruso). Não à toa a mensagem cristã atrai haters
como a luz seduz moscas. O que sobrevive é o cristianismo inofensivo que
passeia pelo Facebook no domingo pela
manhã (com conceitos que lembrariam um Zen-Budismo light, no limite entre a filosofia da Nova Era e um Kardecismo mais
brando).
É
possível evangelizar intencionalmente no Web 2.0?
Sim,
mas essa não é a ferramenta mais importante. Antes do que fazer, o cristianismo nos faz ver quem devemos ser.
Todo o sucesso da religião de Cristo está em uma vida transformada pelo poder
da Verdade (Jo 8:32). E isso nos leva a não nos limitar a um uso evangelístico
da internet e ao reconhecimento de
suas possibilidades, como a uma crítica consciente dessa nova dimensão da
realidade. Simplesmente aceitar que relacionamentos se desmanchem por causa do phubbing (quando alguém pretere o
parceiro pelo celular) ou ver adolescentes e jovens adultos que nem nos sábados
conseguem sair do WhatsApp é
indevido. O cristianismo precisa dar as boas novas para um mundo que não
conseguem mais desconectar ou desacelerar.
Da
perspectiva espiritual do Grande Conflito, se o tempo é curto, Satanás faz de
tudo para anular seus efeitos. Se todo shopping
center é arquitetado para anular a sensação de passagem das horas, as redes
sociais existem para proporcionar o mesmo efeito, sem a necessidade de uma
ambientação externa, real, apenas instilando a permanência em um ambiente
virtual. Por isso, o apóstolo Paulo nos aconselha a não andar descuidados, mas
a examinar nossa conduta e remir (recuperar) o tempo, porque temos, de fato,
pouco tempo (Ef 5:15-16)! Ser tragado pelas redes sociais e suas consequências
nocivas, ainda que por pretexto de pregar o evangelho, é desperdiçar o escasso
dom do tempo.
Nossa
mensagem tem muito a dizer para os filhos órfãos de pais presos aos seus
celulares. Nossa experiência em uma comunidade real, vibrante e que experimenta
a presença do Cristo vivo, atuante desde o santuário celestial, precisa ser
compartilhada com aqueles que só conhecem os modelos de comunidades virtuais. Se
a dimensão virtual sufoca outras aspirações, a mensagem de temperança revela de
que necessitamos para uma vida equilibrada. A despeito dos excessos, a dimensão
virtual tem sua relevância e precisamos compartilhar o evangelho com outros por
meio desse canal. Mas isso só fará sentido quando o evangelho for o centro de
nossa própria realidade, o leitmotiv
de nossa vida.
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