quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

EVANGELISMO REAL NO MUNDO VIRTUAL


A antítese real/virtual, embora frequente, ainda é mal compreendida. Para Pierre Lévy, não haveria propriamente uma antítese; virtual é a potência, ou seja, a possibilidade, a antecipação daquilo que é real. A virtualidade não seria uma realidade alternativa, mas uma camada, uma nova dimensão da própria realidade. Essa “camada extra” está presente na vida de milhões de pessoas. Isso faz com que se pense na questão do testemunho no mundo virtual, o que abriria o potencial para uma evangelização mais eficiente. Porém, nada é tão simples.
Em primeiro lugar, a dimensão virtual da realidade possui sua própria racionalidade, mais aberta, intuitiva e experimental do que a “realidade tradicional”, dominada por convenções sociais e instituições marcadas pelo signo do Iluminismo.
Outro fator: o lugar da autoridade tradicional fica um tanto deslocado na dimensão virtual, porque novas autoridades são investidas e a tolerância pós-moderna (assim como a intolerância das redes sociais) não reconhece alguém por seu título ou conhecimento. As pessoas são reconhecidas pela sua empatia, capacidade de atrair seguidores e uso apropriado da iconografia de cada nicho. A estrutura eclesiástica não faz sentido na rede (para bem e para mal).
A mensagem cristã é sólida e (para o paladar da mídia iconográfica) bastante indigesta. Em um mundo que prega a liberdade total de escolha em questões como estilo de música, de vestimenta e de sexualidade, o cristianismo bíblico soa como um intruso (diríamos ser um intruso promissor, mas, ainda assim, um intruso). Não à toa a mensagem cristã atrai haters como a luz seduz moscas. O que sobrevive é o cristianismo inofensivo que passeia pelo Facebook no domingo pela manhã (com conceitos que lembrariam um Zen-Budismo light, no limite entre a filosofia da Nova Era e um Kardecismo mais brando).
É possível evangelizar intencionalmente no Web 2.0?
Sim, mas essa não é a ferramenta mais importante. Antes do que fazer, o cristianismo nos faz ver quem devemos ser. Todo o sucesso da religião de Cristo está em uma vida transformada pelo poder da Verdade (Jo 8:32). E isso nos leva a não nos limitar a um uso evangelístico da internet e ao reconhecimento de suas possibilidades, como a uma crítica consciente dessa nova dimensão da realidade. Simplesmente aceitar que relacionamentos se desmanchem por causa do phubbing (quando alguém pretere o parceiro pelo celular) ou ver adolescentes e jovens adultos que nem nos sábados conseguem sair do WhatsApp é indevido. O cristianismo precisa dar as boas novas para um mundo que não conseguem mais desconectar ou desacelerar.
Da perspectiva espiritual do Grande Conflito, se o tempo é curto, Satanás faz de tudo para anular seus efeitos. Se todo shopping center é arquitetado para anular a sensação de passagem das horas, as redes sociais existem para proporcionar o mesmo efeito, sem a necessidade de uma ambientação externa, real, apenas instilando a permanência em um ambiente virtual. Por isso, o apóstolo Paulo nos aconselha a não andar descuidados, mas a examinar nossa conduta e remir (recuperar) o tempo, porque temos, de fato, pouco tempo (Ef 5:15-16)! Ser tragado pelas redes sociais e suas consequências nocivas, ainda que por pretexto de pregar o evangelho, é desperdiçar o escasso dom do tempo.
Nossa mensagem tem muito a dizer para os filhos órfãos de pais presos aos seus celulares. Nossa experiência em uma comunidade real, vibrante e que experimenta a presença do Cristo vivo, atuante desde o santuário celestial, precisa ser compartilhada com aqueles que só conhecem os modelos de comunidades virtuais. Se a dimensão virtual sufoca outras aspirações, a mensagem de temperança revela de que necessitamos para uma vida equilibrada. A despeito dos excessos, a dimensão virtual tem sua relevância e precisamos compartilhar o evangelho com outros por meio desse canal. Mas isso só fará sentido quando o evangelho for o centro de nossa própria realidade, o leitmotiv de nossa vida.



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