Eu
estava conversando com uma amiga que é orientadora educacional. Discorríamos acerca
da dificuldade dos adolescentes de entender contextos mais amplos, que não se
refiram à cultura pop. “Antes, você
dizia algo e as pessoas assimilavam a mensagem. Agora, você ainda precisa
explicar o contexto para se fazer entender”, ponderei. “Pior: o contexto muda a
cada momento”, ela arrematou.
De
fato, a fluidez das mudanças em um mundo líquido remete a uma versão exacerbada
da conclusão camoniana “Que não se muda já como soía.” A chave de ouro do
soneto está em explicar que, além da mutabilidade das coisas, temos a idiossincrática
mudança da própria mudança. O conceito pode genuinamente ser aplicado ao ethos contemporâneo sem que se lhe faça
violência hermenêutica.
A
previsibilidade era uma marca do mundo primitivo. Profissão e casamento eram
escolhas comunitárias, que, apesar de não desprezar completamente a escolha
pessoal (como gostamos de representar caricaturalmente), ao menos lhe davam uma
direção. Mesmo o narcisismo moderno acontecia em um mundo que ambicionava a
previsibilidade, com o domínio técnico da ciência, a decodificação das regras
morais pelos filósofos e o desenvolvimento de mão de obra especificada (e
consequente certificação para exercer uma provisão por toda a vida).
Com
o desmantelamento dos referenciais providos pelas meta-narrativas, a
pós-modernidade feriu mortalmente a previsibilidade. A cibercultura promove
integração e avanços tecnológicos, com seus efeitos quase imediatos em uma
aldeia global. Já não há aprendizado que dure por toda a vida, porque novas
competências surgem em velocidade arrebatadora. Qual a profissão do futuro? Provavelmente
ser capaz de dar prognósticos sobre o futuro, já que não há consenso entre
analistas sobre os potenciais e riscos em nosso admirável mundo novo.
A
mídia brinca com a falta de contextos, reproduzindo as grandes obras ficcionais
por meio de remakes ou pastiches
mal-disfarçados. E isso atinge em cheio às pessoas que sofrem de síndrome de
nostalgia aguda. Já não há grandes filmes, romances e músicas. Tudo já foi
assistido, lido e ouvido. Assim, só nos resta recriá-los, recicla-los, quase à
exaustão. Trata-se de uma tentativa desesperada de digerir algo sólido em uma
cultura sem muita inspiração ou capacidade de comunicar mensagens relevantes. Em
um contexto líquido, a diluição é uma alternativa para assimilar o que é
realmente sólido.
E
o que dizer de relacionamentos, experiências significativas, instituições
sociais e da experiência religiosa, igualmente diluídas, re-significadas e,
portanto, insuficientes? O resultado da perda de referenciais implica na perda
daquilo que nos torna humanos: a relação com absolutos (Deus, a moralidade,
etc). Se o contexto flui, o próprio homem se encontra em risco de extinção,
sofrendo a diluição crônica de seus ideais, trabalho, patrimônio cultural,
relacionamentos, enfim, a diluição de si próprio.
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