sábado, 28 de janeiro de 2017

O ITINERÁRIO FLUIDO DOS CONTEXTOS


Eu estava conversando com uma amiga que é orientadora educacional. Discorríamos acerca da dificuldade dos adolescentes de entender contextos mais amplos, que não se refiram à cultura pop. “Antes, você dizia algo e as pessoas assimilavam a mensagem. Agora, você ainda precisa explicar o contexto para se fazer entender”, ponderei. “Pior: o contexto muda a cada momento”, ela arrematou.
De fato, a fluidez das mudanças em um mundo líquido remete a uma versão exacerbada da conclusão camoniana “Que não se muda já como soía.” A chave de ouro do soneto está em explicar que, além da mutabilidade das coisas, temos a idiossincrática mudança da própria mudança. O conceito pode genuinamente ser aplicado ao ethos contemporâneo sem que se lhe faça violência hermenêutica.  
A previsibilidade era uma marca do mundo primitivo. Profissão e casamento eram escolhas comunitárias, que, apesar de não desprezar completamente a escolha pessoal (como gostamos de representar caricaturalmente), ao menos lhe davam uma direção. Mesmo o narcisismo moderno acontecia em um mundo que ambicionava a previsibilidade, com o domínio técnico da ciência, a decodificação das regras morais pelos filósofos e o desenvolvimento de mão de obra especificada (e consequente certificação para exercer uma provisão por toda a vida).
Com o desmantelamento dos referenciais providos pelas meta-narrativas, a pós-modernidade feriu mortalmente a previsibilidade. A cibercultura promove integração e avanços tecnológicos, com seus efeitos quase imediatos em uma aldeia global. Já não há aprendizado que dure por toda a vida, porque novas competências surgem em velocidade arrebatadora. Qual a profissão do futuro? Provavelmente ser capaz de dar prognósticos sobre o futuro, já que não há consenso entre analistas sobre os potenciais e riscos em nosso admirável mundo novo.
A mídia brinca com a falta de contextos, reproduzindo as grandes obras ficcionais por meio de remakes ou pastiches mal-disfarçados. E isso atinge em cheio às pessoas que sofrem de síndrome de nostalgia aguda. Já não há grandes filmes, romances e músicas. Tudo já foi assistido, lido e ouvido. Assim, só nos resta recriá-los, recicla-los, quase à exaustão. Trata-se de uma tentativa desesperada de digerir algo sólido em uma cultura sem muita inspiração ou capacidade de comunicar mensagens relevantes. Em um contexto líquido, a diluição é uma alternativa para assimilar o que é realmente sólido.
E o que dizer de relacionamentos, experiências significativas, instituições sociais e da experiência religiosa, igualmente diluídas, re-significadas e, portanto, insuficientes? O resultado da perda de referenciais implica na perda daquilo que nos torna humanos: a relação com absolutos (Deus, a moralidade, etc). Se o contexto flui, o próprio homem se encontra em risco de extinção, sofrendo a diluição crônica de seus ideais, trabalho, patrimônio cultural, relacionamentos, enfim, a diluição de si próprio.

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