sexta-feira, 5 de junho de 2015

CRISTIANISMO NA TERRA DOS FANBOYS



A cultura Nerd vive de fóruns sobre pormenores. Ela disseca o objeto de admiração em muitos ângulos, em um exercício de multiplicação monotemática. A internet ampliou e estendeu essa característica nerd. Surge a figura do fanboy, uma espécie de Nerd xiita que defende com unhas e dentes seu ídolo, achando argumentos para todas as críticas contrárias. Ele vive de cultuar.
Hoje há fanboys se digladiando em todos os espaços da internet: aqueles que vivem do confronto Messi x Cristiano Ronaldo ou que se limitam a falar de super-heróis. Em praticamente todas as discussões, das mais tolas às pertinentes, há fanboys expressando opiniões tão cegas quanto apaixonadas, em um exemplo de unilateralidade que vai contra a racionalidade das discussões inteligentes, baseadas em argumentos factuais ou, ao menos, factíveis.
O cristianismo pop do século XXI, com seus artistas gospel, pastores-celebridades e escritores evangélicos de autoajuda é o melhor cenário para o surgimento de fanboys. Chega a ser tedioso ver discussões intermináveis sobre quem é o melhor tenor de quartetos de todos os tempos – a própria questão, além de inócua, é impossível de se analisar, ainda mais porque metade do povo que discute isso não conhece mais do que 10 grupos do gênero. A superficialidade parece outra característica do comportamento dos fanboys, mesmo dos cristãos.
Se a admiração extrema beira à idolatria, exaltar artistas cristãos se torna ainda mais perigoso, porque desvirtua o sentimento religioso. Cria-se um vínculo com o cantor ou pregador, como se a experiência religiosa devesse se concentrar em acompanhar seu ministério (ou carreira) e defendê-lo absolutamente.  
Escrevendo aos coríntios, Paulo combate essa mesma classe de sentimentos. “Meus irmãos, fui informado por alguns da casa de Cloe de que há divisões entre vocês. Com isso quero dizer que cada um de vocês afirma: ‘Eu sou de Paulo’; ‘eu de Apolo’; ‘eu de Pedro’; e ‘eu de Cristo’”. (1 Co 1:11-12, NVI). Ao invés de se beneficiar da ministração dos apóstolos, os coríntios compartimentalizaram sua atuação. Eles criaram preferências em torno das personalidades dos pregadores. E, uma vez feito isso, logo surgiram partidos em torno das preferências.
O escritor bíblico combate o sentimento, afirmando que a fé cristã não se baseava no talento de seus expositores, nem tampouco em seu carisma e habilidades pessoais. Usando uma diatribe cheia de ironia e severidade, Paulo indaga: “Acaso Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vocês? Foram vocês batizados em nome de Paulo?" (1 Co 1:13, NVI) Tanto na época de Paulo como em nossa cultura digital o problema é o mesmo: concentrar-se desequilibradamente no ministério de pessoas leva a perder de vista o fundamento da fé: a pessoa e ministério do Senhor Jesus.

Paulo, em outro contexto, elogiou aqueles que não aceitavam sua palavra sem uma mentalidade crítica (At 17:11) – o apóstolo era contra os fanboys, mesmo quando era alvo da admiração deles! Vale notar que a palavra grega traduzida por “nobres” pode ser entendida como “mente nobre” ou “mente aberta”. Os bereanos foram elogiados por possuírem uma atitude mental altamente seletiva, do tipo que sabe ouvir e ponderar, sem aceitar um discurso pelo número de recomendações ou pela fama de quem o profere. Seria interessante encontrar mais exemplos dessa mentalidade na contemporaneidade… 

3 comentários:

Marco disse...

Nos anos 40, Hollywood explorou e até insuflou fanboys a partir de rivalidades artificiais, como entre os principais atores de filmes de terror, Boris Karloff vs. Bela Lugosi, o que, aliás, contribuiu para destruir a carreira e a vida desse último. Já no Brasil, esse tipo de maniqueísmo idolátrico vicejou nas disputas entre cantores e cantoras de rádio, como, por exemplo, Marlene vs. Emilinha. Quanto a essa questão, um fato curioso: fanboys que se estapeavam para defender (e atacar) os cantores Dick Farney e Lúcio Alves, ali pelos anos 50, tiveram uma grande surpresa e, consequentemente, uma ducha de água fria quando os dois artistas concederam entrevista conjunta afirmando estima, admiração e respeito mútuos. Chegaram mesmo a gravar juntos. A consequência, entretanto, de arrefecer as rivalidades entre as duas facções foi justamente diminuir a vendagem de seus discos - para consternação de seus empresários.

Mas por que existe esse fenômeno? Como ele se dá?

Certa feita, biólogos conduziram uma experiência curiosa: mediram os níveis de hormônio sexual de peixes em dois aquários isolados. Em ambos, os níveis do hormônio eram maiores nos machos-alfas de cada grupo. Então eles ladearam os dois aquários entre um terceiro, que ficava no meio, e neste último colocaram os dois líderes para que brigassem - tudo sob as vistas dos dois grupos de machos-beta, cada qual "torcendo" pelo seu campeão. Ao final da luta, mediram os níveis hormonais dos dois brigões e de seus subordinados. O macho vencedor aumentara significativamente sua taxa de hormônio sexual, a do derrotado diminuíra significativamente e a dos peixes expectadores se elevara e se reduzira de acordo com a torcida em que estavam, embora a variação fosse menos significativa em relação aos contedores. Anos mais tarde, a mesma experiência foi repetida, só que agora entre humanos: jogadores e torcedores de duas seleções que disputaram a final de uma copa do mundo. Os resultados foram os mesmos.

Isso indica que fanboys (embora não tenham consciência disso) estão mais obcecados com seus próprios níveis de testosterona do que com as supostas qualidades de seus ídolos ou com a racionalidade da disputa.

douglas reis disse...

Marco,

obrigado pela sua interação. De fato, muito interessante sua consideração cultural e biológica sobre o fenômeno que, tristemente, vem afetando cada vez com maior intensidade os cristãos.

Marco disse...

Valeu, Douglas. Só um adendo: na pressa de mal digitar meu comentário, enfiei um "x" alienígena na palavra "espectadores". Os peixinhos eram, de fato, "expectadores" - mas antes do pau quebrar; espectadores durante a briga. E brochados - ou "red bull que te dá asas" - ao final dela. Agora, sim, fiz jus à temporalidade do experimento. :D

Um abraço.