quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A FÉ NAS PARADAS

Pode até não parecer, mas são todos cantores cristãos!
Em uma de minhas primeiras experiências com a colportagem, saí com um amigo, Fernando Panontim (hoje, capelão em Porto Alegre). Paramos em uma borracharia. Estava um dia quente. Fernando pediu um copo com água para o dono do estabelecimento. O senhor, muito atenciosos, perguntou-me se também queria água. Talvez o leitor fique com uma má impressão a meu respeito, mas tenho de confessar que, se não percebo que o ambiente é limpo, fico com pé atrás para tomar água e até em usar o banheiro (que ninguém conclua, mediante o que disse, que todas as borracharias são sujas!).

Veio o copo com água, o Fernando deu a oferta de um livro, e saímos sem vender nada. Porém, eu me lembro de que, ao tomarmos certa distância da borracharia, meu companheiro fez a seguinte observação: “Ainda bem que você não aceitou beber água! O copo não estava limpo, e senti mais o gosto de cerveja do que de água”.

Na edição de semana passada, a Veja trouxe uma matéria[1] retratando cantores religiosos, tanto católicos quanto evangélicos, que vem se consagrando junto ao grande público. O padre-galã Fábio de Melo (o artista que mais vendeu no ano de 2008 no mercado nacional, atingindo a marca de 600 mil cópias vendidas de seu CD “Vida”), Soraya (grande vencedora do Grammy Latino), Regis Danese, as bandas Eterna (católica) e Oficina G3 (evangélica), além das pop-stars Aline Barros e Fernanda Brum, entre outras.

O sucesso de cantores religiosos tem desbancado muitos de seus equivalentes seculares. Músicas evangélicas se incorporaram às trilhas sonoras de novelas (!) e a aparição destes artistas em programas de televisão tem causado algum auê. Se este sucesso fonográfico leva os religiosos à conclusão de que estão divulgando suas convicções de forma eficaz, até estudiosos se perguntam sobre a coerência em misturar fé e música popular. “Um padre com a imagem sexualizada é algo espantoso. O que virá seguir?”, alarma-se Samuel Araújo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro[2].

A bem da verdade, enquanto cristãos não desenvolverem uma estética musical adequada ao que creem, estarão colocando água limpa em um copo sujo – metáfora que uso para transmitir o conceito da contaminação da mensagem cristã através de um meio inapropriado. Apesar da formação de muitos músicos cristãos passar pelo estudo da música popular e mesmo a despeito das influências de evangélicos estrangeiros (sobretudo norteamericanos), uma filosofia bíblica do louvor tem de ser formulada. Ou então, os não-cristão comprarão nossos CDs cada vez mais, não por estarem aceitando nossa mensagem, mas porque nós a teremos rejeitado há muito tempo. A fé que está ganhando as paradas está migrando, deixando de ser fé em Deus, para ser fé nas paradas, crença no sucesso como um fim em si mesmo, forte o suficiente para justificar toda a incoerência cometida em nome de Deus.

Leia também:


A música sacra dentro da cosmovisão adventista: interpretando e aplicando conceitos de Ellen White (parte 1 parte 2 parte 3 parte 4)

[1] Marcelo Marthe e Sérgio Martins, “Cantar com fé”, Veja, ed. 2098, ano 42, nº 5, 4 de Fevereiro de 2009, seção “Artes & Espetáculos”, pp. 120-125.
[2] Idem, p. 124.

5 comentários:

joana disse...

Olá a minha pergunta é simples:John Dominic Crossan acredita na segunda vinda de Jesus e no juizo final?Obrigada e beijinhos

douglas reis disse...

Oi, Joana.

Acredito que Crossan não aceite a literalidade de nenhuma das duas coisas. Em geral, estudiosos da perspectiva crítica não aceitam o sobrenatural (embora, qualquer pessoa veja o quão contraditório é crer na Bíblia sem admitir o sobrenatural).

joana disse...

Desculpe incomodar novamente mas tem a certeza que Dominic Crossan não acredita na segunda vinda nem no juizo final?Obrigada

douglas reis disse...

Pelo menos, não da forma como os cristãos tradicionais creem.

joana disse...

Quando vocé disse "pelo menos na forma como os cristão tradicionais creem" quer dizer então que ele(Dominic Crossan)não acredita Jesus vindo dos céus para julgar os ímpios e a humanidade em geral?Obrigada