A escatologia bíblica, a despeito de sua clareza, não fornece
pormenores satisfatórios à curiosidade humana. Mas o Senhor pretendia resolver
todas as questões? O intérprete sólido sabe que não. A profecia nos faz volver
o olhar dos acontecimentos revelados para o próprio Revelador, com um gesto de
confiança. Ainda que a cadeia de eventos contenha caminhos tortuosos, o que
Deus revelou se passará. E, certos de ser justificável confiar nEle,
acompanharemos o desdobramento da História em segurança.
Conquanto a escatologia bíblica trace linhas gerais, muitos de
seus pretensos seguidores, não satisfeitos, enveredam pelo campo das
especulações. E, na falta de subsídios bíblicos, os escatologistas de plantão
começam a colher material sucateado para tentar completar a matéria bíblica.
Onde buscar um número sem par de teorias furadas e conspirações, além de na internet, que não os deixa mentir – pelo
menos, mentir sozinhos?
Assim, teorias conspiratórias e paranoias bobas se amontoam com os
dados bíblicos, num verdadeiro pandemônio do demônio! Há os que dizem que Paul
MacCartney morreu e um sósia o substitui durante décadas; outros afirmam que o
cartão Visa é a marca da Besta; alguns acreditam que o atentado de 11 de
Setembro foi uma criação do próprio Governo Americano; Satanás, asseveram os
profundos doutores da profecia, tem no triângulo das Bermudas seu “lar, doce
lar”; e outras informações absolutamente “seguras”, envolvendo o papa, a
Maçonaria, as mensagens subliminares e etc.
Pelos lugares deste imenso Brasil onde passei, a baboseira é quase
sempre a mesma. Líderes cristãos, acima de qualquer suspeita, começam a
divulgar as “últimas novidades”. Logo, surgem aqueles membros de igreja que se
sobressaltam com o que ouvem, sem qualquer consciência crítica. Outros
simplesmente, embora suspeitam de algo estar errado, são incapazes de
argumentar e até pensam que as novas teorias até fazem algum sentido…
Por que tantas interpretações sofríveis, fanáticas, inadequadas e
forçadas são disseminadas e encontram ouvidos despertos? Por que nossa igreja
dá acolhida para palestrantes, pregadores e experts
que não passam de uns pobres enganados, que confundem profecia com especulação,
teologia com teoria da conspiração? Deve haver alguma causa. Na falta de um
estudo mais empírico do fenômeno, sugiro os seguintes fatores:
1) A falta de instrução
dos adventistas em geral: nosso povo não faz mais a
lição de casa há tempo. Os adventistas leem pouco a Bíblia e, na maioria das
vezes, apenas de forma devocional. Falta um aprofundamento do estudo da Bíblia,
porque quando entendo o que Deus realmente disse, recebo orientação e poder. A
superficialidade com que encaramos a Bíblia, decorando uns poucos versos para
defender (às vezes até de maneira equivocada) a doutrina verdadeira, impede uma
comunhão mais estruturada, uma visão mais ampla do que está na Bíblia; logo,
quando chega alguém que decorou mais versos bíblicos (ainda que os apresente
fora de contexto), já basta para impressionar a massa! E quando essa pessoa
nova utiliza chavões adventistas, ainda que sem conexão com a autêntica
mensagem adventista, todos se convencem de que um novo profeta se levantou.
Quase não há diferenciação entre adventistas e pentecostais na questão do
emocionalismo que permeia o tom da espiritualidade de cada grupo. E, enquanto a
ênfase emocionalista persistir, a Bíblia não poderá ocupar seu lugar como fonte
de verdadeira espiritualidade;
2) Falta de preparo para o
tempo do fim: envolvidos como nos vemos em empreendimentos
seculares, parece que se vai deixando o foco do preparo para a segunda vinda. O
povo adventista carece de reavivamento, de uma mudança de sua perspectiva, a
fim de que se encontre com o Salvador. Na falta disso, palestras com temas
pretensamente escatológicos chamam a atenção e parecem acordar a igreja.
Entretanto, a apresentação de determinados temas atua mais como um falso
estimulante, que agita as pessoas quando entra em suas veias; uma vez no sangue,
a substância se revela como é: um autêntico narcótico! A atenção é focalizada
para assuntos que se mostram irrelevantes para a consagração, porque não
possuem o selo da aprovação de Deus. Tais assuntos trazem medo, incompreensão,
desenvolvem práticas fanáticas e não propõem medidas práticas para a mudança de
vida. O sono espiritual passa a ficar mais agitado, sem deixar de ser um sono;
3) Falta de compreensão do
que é o Adventismo: muitos entram hoje na igreja
com o preparo mais rápido e menos específico o possível (daí o eunuco etíope
servir de paradigma para muitos evangelistas!). Quem sofre com isso é a igreja,
que perde sua memória histórica. Muitos de seus membros são
adventistas-católicos, adventistas-assembleianos, adventistas-pós-modernos…
Tarefa improvável será encontrar um adventista legítimo em meio à confusão que
se instalou com respeito à identidade do povo do advento. Se um homem não se vê
no espelho antes de sair de casa, ficará lisonjeado ao primeiro elogio, embora
tenha creme dental no canto da boca! Temos que nos conhecer para depois aceitar
aquilo que dizem sobre nós – quer positiva, ou negativamente.
Não
tenho razões que me impeçam de dizer que outros motivos existam para explicar a
onda de distorções escatológicas no Adventismo. Por outro lado, creio que uma
análise das causas citadas e a busca pela correção evitariam ou, ao menos,
conteriam os discursos fora de lugar. Pelo bem de nossa missão, algo tem de ser
feito. E logo.