domingo, 21 de novembro de 2010

QUANDO O AMOR ACONTECE...


Estacionou, desceu e aguardou o advogado pegar a pasta. Ambos correram para a delegacia. Antes, tiveram de acotovelar repórteres. “Urubus!” Identificou-se e foi para a uma sala, no fundo do corredor. O advogado ficou na entrada, sem fazer perguntas constrangedoras. Em dois minutos ela apareceu à porta.

Os cabelos morenos escorriam pelos ombros desnudos, o corpo magro, o rosto sereno e sinistro. Uma sombra se projetava sobre o rosto baixo, aprofundando as olheiras que a envelheciam. Sentou-se relaxadamente. Ele a estudou antes de cumprimentá-la. Demorou até que ouvisse um “Oi, papai”.

Era difícil, mais para ele, que mal sabia como perguntar. Torcia as mãos, nervoso. Há muito custo, soltou um “por quê?”, tão desencontrado quanto intimidado. “Eu o amo, pai! Você não entende, não é? No fundo, é como os outros. Quer saber? Eu não dou a mínima para o que vocês pensam. Eu estou pensando em mim. Eu o amo, pode escrever.”

Ele se recusava a acreditar. O desconforto ficava nítido em suas sobrancelhas. “Jade, isso é completamente… imoral!” “Imoral? Imoral? Pai, os tempos mudaram! Nós somos animais cujo propósito é alcançar a felicidade. Palavras como “verdadeiro” ou “justo” só querem dizer alguma coisa: nossa busca pela felicidade. E ninguém pode julgar a felicidade do outro.”

O senhor de meia idade procurava aquele cinismo que leva os jovens a debocharem de seus pais – não encontrou. Jade era sincera. Falava sem desviar o olhar. Tinha convicção e conservava o tom de voz brando.

“Um dia, papai, os homossexuais foram considerados pessoas doentes, pecadores sórdidos. Demorou para que as pessoas reconhecessem seus direitos. Depois, os pedófilos passaram pelo mesmo dilema. No fundo, qual a diferença entre pederastas e homossexuais? Lembra-se da sua amiga de faculdade que foi presa por estupro? E daí que o namorado dela possuía 13 anos e ela já era uma trintona? Você mesmo me ensinou que aquilo era um absurdo e ela queria apenas ser feliz. É o que eu mais quero”, terminou Jade e começou a chorar de forma incontida.

Seu pai ficou impassível, sentado na cadeira. Mordia descontroladamente os lábios. Mil coisas lhe passavam pela mente. Sacou um maço do bolso e ascendeu o cigarro. Ficou por dois minutos fumando, diante da jovem em prantos. Não queria parecer frio, mas simplesmente não tinha palavras.

Foi quando um uivo dolorido percorreu o corredor. “Fred?!”, Jade sobressaltou-se e correu à porta. Queria seguir o uivo, mas um policial a deteve à saída, segurando-a enquanto ela se debatia e gritava. O pai a seguiu com cautela, envergonhado por aquela cena e ainda abatido. O advogado da família se acercou dele. “Irão sacrificá-lo”, falou ao pé do ouvido. Ele saiu dali, cabisbaixo, envergonhado de ter de encarar os comentários maldosos de policiais e seus olhares ao mesmo tempo sisudos e acusadores.

Ainda tomou ar antes de deixar a delegacia e enfrentar a imprensa lá fora. Suas palavras “nada a declarar” ecoavam em sua mente como um xingamento para a mãe de cada um dos bisbilhoteiros. Saiu a tempo de não ver os cartazes de manifestantes “bestialidade é crime horrendo”. Seria o amor algo acima da moralidade e capaz de criar sua própria moralidade? Foi para casa consolar-se nos braços de Tony, para não ter que pensar no assunto…

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