sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

OS NOVOS ADVENTISTAS: PÓS-MODERNOS, CARISMÁTICOS E ECUMÊNICOS




Como pastor, tenho percebido uma diluição dos valores adventistas entre os que fazem parte dessa denominação, sejam membros regulares ou líderes. Em parte, a assimilação de valores da pós-modernidade tem enfraquecido conceitos caros à denominação, como, por exemplo, a afirmação de que temos uma verdade a ser dada ao mundo. Já conversei pessoalmente com muitos adventistas que acreditam que deveríamos ser mais “humildes” e reconhecer que “não somos melhores do que os outros”. Segundo eles, se continuarmos nos intitulando “os donos da verdade” afastaremos as pessoas. Nossa missão seria conduzir a Cristo, não à nossa denominação, porque as doutrinas não são importantes e, sim, o relacionamento com a pessoa de Cristo.
Por trás dessas afirmações, encontramos sérios problemas. Afinal, se as doutrinas não importam, por que sustentá-las? O crer em Cristo, não é em si mesmo uma doutrina (um ensinamento)? Seria essa a única doutrina que teríamos o direito de compartilhar com as pessoas? Partindo do pressuposto de que todos têm o direito a ter suas crenças particulares, nosso respeito pela opinião e crenças alheias não deveria nos impedir de querer “forçar” as pessoas a crerem como nós? E, se isso for assim mesmo, como concluiremos a “grande comissão” (Mt 28:18-20), a ordem de Jesus para pregarmos a todas as pessoas, de todos os lugares e culturas?
Assim, me parece que alguns estão confundindo genuína humildade com relativismo, a ideia de que todas as crenças não representam a verdade última, somente opiniões equivalentes, uma vez que seriam todas culturalmente condicionadas. Será que o adventismo está fadado a ser isso – uma opinião qualquer de um determinado grupo religioso que está feliz em manter uma política de não interferência em relação a outros grupos sociais, assumidamente religiosos ou não?
Esse pensamento não se restringe a muitos adventistas que encontrei; trata-se de algo de amplitude maior. O pós-modernismo é uma forma de pensar e viver de toda a sociedade ocidental (e influencia até mesmo culturas orientais que adotam comportamentos ocidentais). Por isso, não causa surpresa que muitos cristãos tenham escrito, palestrado e feito conferências sobre o assunto, especialmente nos últimos, diríamos, vinte anos. Os adventistas, por seu turno, não estão alheios aos desafios da pós-modernidade. Teólogos e pensadores do movimento vêm dedicando atenção ao tema. Quero destacar dois escritos recentes que expressam preocupação com a influência pós-moderna sobre a igreja.
O conhecido historiador e pensador adventista George Knight escreveu recentemente o provocativo A visão apocalíptica e a neutralização do adventismo. [1] Knight discute o conceito de relevância, que permeou o protestantismo liberal na década de 1960. “O que provaram, no entanto, foi que o atalho para a irrelevância é a mera relevância”, afirma o autor. Ele conclui: “Afinal, quem precisa obter mais daquilo que pode ser encontrado na cultura dominante?”.
O ponto não é que os cristãos (e os adventistas em particular) não devam ser relevantes para a sociedade na qual estejam inseridos. O livro se prontifica a esclarecer que, na tentativa de alcançar os demais com sua mensagem, muitas denominações se preocuparam tanto em se aculturar que acabaram assimilando valores do pensamento da sociedade, sendo absorvidas pela cultura dominante. “O cristianismo saudável deve, por necessidade, estar acima da cultura dominante e se apegar às verdades que a cultura julga detestáveis.” Como exemplo de que o cristianismo seja contracultural (nesse aspecto) Knight cita o sermão do monte, cujo sistema de valores “difere radicalmente daquele adotado pelo mundo e pela maioria das igrejas.”
Aos adventistas que ignoram as lições do protestantismo liberal, Knight adverte contra a insistente busca pela relevância nos seguintes termos: “Desperdiçamos tempo demais tentando tornar Deus um cavalheiro do século XXI ao apresentá-lo como um grande intelectual adventista ou um bondoso médico do hospital adventista.” Ao invés disso, deveríamos nos lembrar que temos uma mensagem profética a transmitir. “O Apocalipse de João é o julgamento da mentalidade pós-moderna, que evita qualquer certeza a respeito da verdade religiosa e procura em seu lugar uma espiritualidade nebulosa.” [2]
Mais recentemente, o teólogo adventista Fernando Carnale escreveu o bombástico artigo The eclipse of Scriptura and the protestization of the adventist mind [O eclipse da Escritura e a protestantização da mente adventista].[3] Carnale afirma ter detectado “profundas divisões teológicas presentemente operando na igreja adventista que não desaparecerão pela inércia ou pronunciamento administrativo. Assim, sua existência secularizará a mente das gerações mais jovens transformando o adventismo em uma denominação evangélica pós-moderna.” Ele escreve que o processo se acha ligado à forma como se busca fazer evangelismo. Com o intuito de atrair os jovens, “o ministério evangélico e o louvor tem se tornado pós-moderno, ecumênico, progressivamente independente da Escritura e mais próximo da Igreja Católica Romana.” Infelizmente, os adventistas têm adotado e reproduzido as mesmas práticas evangelísticas. Quais serão as consequências?

As “consequências não intencionais” desse curso de ação estão transformando o adventismo em uma genérica denominação secular e não bíblica. A emergência de uma nova geração de adventismo carismático ecumênico está em curso. Embora use as Escrituras funcionalmente, como um meio para receber o Espírito, esta geração não pensará ou agirá biblicamente. [4]

Diante desse quadro, é válido que se amplie a discussão sobre pós-modernidade. É bem verdade que o termo se ache divulgado, mas isso acaba contribuindo mais para confusões sobre seu real sentido. Com frequência, pós-moderno é um termo aplicado às artes (plásticas, em geral), justamente o contexto de onde se originou a expressão. Alguns aplicam pós-moderno a um estilo de se vestir ou se comportar. Enquanto tais entendimentos superficiais da pós-modernidade vigorarem, ficará difícil compreender com clareza os desafios que se interpõem entre o adventismo e sua missão.



[1]George Knight, A visão apocalíptica e a neutralização do adventismo: estamos apagando nossa relevância? (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010).
[2]Idem, p. 20, 27.
[3]Fernando Carnale, The eclipse of Scriptura and the protestization of the adventist mind: Parte 1: The assumed compatibility with evangelical theology and ministerial practices, JATS, 21/1-2 (2010): 133-165.

[4]Idem, p. 133-135.


11 comentários:

Mateus disse...

Douglas, muito bom, relevante para o momento e elucidativo seu post. Mas me atentei a uma frase: "Alguns aplicam pós-moderno a um estilo de se vestir ou se comportar. " O que vejo na minha igreja é a formação de guetos, costumes, "adventismos", temos sérias dificuldades de lidar com o diferente, com a contrariedade. Isso está inserido, na minha igreja e na idéia de muitos adventistas, e acaba que é uma verdade essa de que as vezes nos "achamos" demais. É preciso estar atento para não relativizar doutrinas, verdades absolutos, mas ao que me parece criamos o nosso "Mishna", nossas leis, costumes, baseados em tradições, sem estender nossa visão para os que nos rodeiam e precisam da salvação.Acredito que a primeira coisa a ser apresentado a um ateu, um gay, um gótico, um nazista, um pagodeiro é Cristo, o centro de tudo e de toda mensagem.
Só uma coisa, as vezes acho um excesso uso do termo "pós modernidade", em determinados textos ele acaba soando como algo abstrato demais, acho que vc explicou bem o sentido do termo, o que facilitou a leitura do texto.

Gilson disse...

É de atual relevancia mastrar para todas as pessoas o quanto é importante estarmos firmemente e seguros num fundamento espiritual e não apenas ser mais uma religião no mundo, a igreja adventista tem principios divinos e prófetico e não se perdera facilmente nas questões levantadas constantemente dentro de seu própio leito, por pessoas que acham que a igreja deve agradar a todos, como na política, a igreja tem q agradar a Deus somente.

Iranise disse...

É com lágrimas nos olhos que leio este artigo, estou grávida e nesta manhã, estava meditando justamente que estamos perdendo nossa identidade, e não desejo que meu filho não seja um adventista de verdade... Tudo que desejo é fazer o que Deus mandou, pregar a mensagem da verdade para o tempo do fim!Que muitos de nossos irmãos leiam seu texto e acordem!

Aguinaldo Carvalho da Silva disse...

Cristo deve ser o tema em foco em nossos púlpitos. Pois só estaremos verdadeiramente reavivados e impressionaremos o mundo quando formos reais discipulos, estampando-O em nossa face, sentimentos e atitudes.

Aguinaldo C. da Silva
www.cristaoatual.blogspot.com

Diogo disse...

Caro Douglas, realmente precisamos acender a luz amarela, senão a vermelha. É tempo de reflexão e de ação de nossa parte, como liderança da igreja. Abraço!

joão f. disse...

Qual o problema com o que vc escreveu abaixo?:

“não somos melhores do que os outros”. Segundo eles, se continuarmos nos intitulando “os donos da verdade” afastaremos as pessoas. Nossa missão seria conduzir a Cristo, não à nossa denominação.

Concordo com isso, nossa missão é conduzir a Cristo não a nossa instituição.

douglas reis disse...

João, seja bem-vindo ao blog.

A questão é que a IASD não é meramente uma instituição; somos um movimento que recebeu uma incumbência profética.

Nossa mensagem é única. Por isso, não pregamos apenas a pessoa de Jesus, como aquilo que se relaciona a Ele - doutrinas bíblicas necessárias para os últimos dias. Por isso, temos que atrair pessoas para Jesus e para esse movimento!

Aguinaldo Carvalho da Silva disse...

Segundo saiu na Revista adventista de novembro de 2008, a IASD criou uma igreja para os pós-modernos chamada de "Nova Semente". Segundo o artigo lá não se fala em regras mas só em compartilhar Jesus. E agora como criticar este posicionamento quando parte da própria administração da obra?

Jaqueline disse...

O problema da igreja adventista se divide em dois conflitos extremo, salvação pelas obras, e salvação pela graça. Hoje são 15/12/2012, fui a igreja e sai com o coração apertado, pois depois de anos, ainda ouço pregarem, explicitamente, que o sábado salva! Mas também o extremo de dizer que a graça nos livra das ordenanças de Deus também é muito perigoso. Afinal: somos salvos pelas obras, pela fé e pelas obras ou somente pela fé. O que confunde o povo nesse século é que se vc disser que é salvo somente pela fé, o que é a verdade (Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Efésios 2:8-9), muitos ficam desconfiados, querem achar que vc já está diminuindo as doutrinas de Deus. Isso não é verdade, pq a consequência dos salvos pela graça é essa: "Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos."Efésios 2:10. Somos salvos, única e exclusivamente, por meio de Cristo (Creia no Senhor Jesus, e serão salvos, você e os de sua casa". Atos 16:31). A doutrina não me salva! Mas aquele que crê em Jesus, aprende a amar Jesus, aceitou seu sacrifício, vai perguntar o que Jesus quer dela. E vem a palavra que Jesus disse, quem o ama, guarda seus mandamentos, guarda a Sua santa doutrina, pq o ama demais. Jo 14:15. Eu fico assustada, quando uma pessoa prega lá na frente e diz que o sábado vai nos salvar, que é ponto de salvação, e que muitos têm se esquecido disso. Gente, que falemos de Cristo pregado no madeiro pelo sacrifício vivo pelos nossos pecados, não vamos empurrar doutrinas de guéla abaixo nas pessoas e dizendo que se ela não guardarem não serão salvas. Não vamos causar um muro de separação entre a fé e as pessoas! Não é omitir a verdade, é falar de Jesus Cristo. É só olhar como Cristo fazia e façamos como ele fez.Não é apontar o dedo quem usa maquiagem, quem usa certa roupa, que a igreja tá afrouxando naquilo ou outro. Certas coisas são restaurações individuais que acontecem na vida de intimidade com Deus e Ele mesmo vai reparando as arestas! Sinceramente, Deus me perdoe se tiver errada, mas eu não aceito esse tipo de pregação ainda exista na IASD! "Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado. Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo.Se alguém se considera alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. Cada um examine os próprios atos, e então poderá orgulhar-se de si mesmo, sem se comparar com ninguém,
pois cada um deverá levar a própria carga." Gálatas 6:1-5

Anônimo disse...

Seriamente o adventismo caminha para esse caminho, acredito que se Ele não retornar em breve, o adventismo seguirá o mesmo ideal do catolicismo. Não eram eles de origem apostólica, bem bastou apenas 300 anos pro negocio engrossar. Nós só temos por volta de 150 anos, imagina mais um século? Bye, bye.

Unknown disse...

Concordo que não somos os donos da verdade. Mas creio que o Dono a confiou a nós. A missão que Deus nos confiou inclui ensinar as pessoas a guardarem todas as coisas que Cristo ordenou (Mat. 28:20). Por isso me preocupa muito a ideia de que não deve haver exortação, advertência, despertamento, regras, orientações a respeito da conduta cristã, do estilo de vida, que temos que pregar o amor de Deus e não perdermos tempo falando de TV, música, vestuário, alimentação, palavreado, enfim.

O que não percebemos (e vejo isso como a grande “sacada” de Satanás) é que nossa conduta, nosso estilo de vida, aquilo que assistimos, que ouvimos, que vestimos, que comemos, nossos hábitos de entretenimento, nosso palavreado, nossas companhias ... podem minar nossa capacidade de absorver os benefícios da comunhão com Cristo. Por isso muitos de nós, ainda que muito ativos na igreja, ainda que práticos na oração e estudo da Bíblia, não avançamos na experiência cristã, porque algumas coisas do nosso cotidiano, relacionadas à nossa conduta e estilo de vida, estão impedindo ou dificultando a atuação do Espírito Santo. E se não falarmos às pessoas que coisas são estas para que elas tenham a oportunidade de abandonar, visto que alguns erram por ignorância, como podemos esperar que elas cresçam e se fortaleçam na vida espiritual? Pior ainda ... num futuro não muito distante, tais pessoas nos cobrarão por aquilo que sabíamos e não dissemos, por termos escolhido a conveniência da omissão. O problema maior ... será tarde demais.

Pr. Douglas ... como de costume ... parabéns e muito obrigado por mais um artigo de suma importância para o tempo presente.