Como
pastor, tenho percebido uma diluição dos valores adventistas entre os que fazem
parte dessa denominação, sejam membros regulares ou líderes. Em parte, a
assimilação de valores da pós-modernidade tem enfraquecido conceitos caros à
denominação, como, por exemplo, a afirmação de que temos uma verdade a ser dada
ao mundo. Já conversei pessoalmente com muitos adventistas que acreditam que
deveríamos ser mais “humildes” e reconhecer que “não somos melhores do que os
outros”. Segundo eles, se continuarmos nos intitulando “os donos da verdade”
afastaremos as pessoas. Nossa missão seria conduzir a Cristo, não à nossa
denominação, porque as doutrinas não são importantes e, sim, o relacionamento
com a pessoa de Cristo.
Por
trás dessas afirmações, encontramos sérios problemas. Afinal, se as doutrinas
não importam, por que sustentá-las? O crer em Cristo, não é em si mesmo uma
doutrina (um ensinamento)? Seria essa a única doutrina que teríamos o direito
de compartilhar com as pessoas? Partindo do pressuposto de que todos têm o
direito a ter suas crenças particulares, nosso respeito pela opinião e crenças
alheias não deveria nos impedir de querer “forçar” as pessoas a crerem como
nós? E, se isso for assim mesmo, como concluiremos a “grande comissão” (Mt
28:18-20), a ordem de Jesus para pregarmos a todas as pessoas, de todos os
lugares e culturas?
Assim,
me parece que alguns estão confundindo genuína humildade com relativismo, a
ideia de que todas as crenças não representam a verdade última, somente
opiniões equivalentes, uma vez que seriam todas culturalmente condicionadas.
Será que o adventismo está fadado a ser isso – uma opinião qualquer de um
determinado grupo religioso que está feliz em manter uma política de não
interferência em relação a outros grupos sociais, assumidamente religiosos ou
não?
Esse
pensamento não se restringe a muitos adventistas que encontrei; trata-se de
algo de amplitude maior. O pós-modernismo é uma forma de pensar e viver de toda
a sociedade ocidental (e influencia até mesmo culturas orientais que adotam
comportamentos ocidentais). Por isso, não causa surpresa que muitos cristãos
tenham escrito, palestrado e feito conferências sobre o assunto, especialmente
nos últimos, diríamos, vinte anos. Os adventistas, por seu turno, não estão
alheios aos desafios da pós-modernidade. Teólogos e pensadores do movimento vêm
dedicando atenção ao tema. Quero destacar dois escritos recentes que expressam
preocupação com a influência pós-moderna sobre a igreja.
O
conhecido historiador e pensador adventista George Knight escreveu recentemente
o provocativo A visão apocalíptica e a
neutralização do adventismo. [1] Knight discute o conceito de relevância,
que permeou o protestantismo liberal na década de 1960. “O que provaram, no
entanto, foi que o atalho para a irrelevância é a mera relevância”, afirma o
autor. Ele conclui: “Afinal, quem precisa obter mais daquilo que pode ser
encontrado na cultura dominante?”.
O
ponto não é que os cristãos (e os adventistas em particular) não devam ser
relevantes para a sociedade na qual estejam inseridos. O livro se prontifica a
esclarecer que, na tentativa de alcançar os demais com sua mensagem, muitas
denominações se preocuparam tanto em se aculturar que acabaram assimilando
valores do pensamento da sociedade, sendo absorvidas pela cultura dominante. “O
cristianismo saudável deve, por necessidade, estar acima da cultura dominante e
se apegar às verdades que a cultura julga detestáveis.” Como exemplo de que o
cristianismo seja contracultural (nesse aspecto) Knight cita o sermão do monte,
cujo sistema de valores “difere radicalmente daquele adotado pelo mundo e pela
maioria das igrejas.”
Aos
adventistas que ignoram as lições do protestantismo liberal, Knight adverte
contra a insistente busca pela relevância nos seguintes termos: “Desperdiçamos
tempo demais tentando tornar Deus um cavalheiro do século XXI ao apresentá-lo
como um grande intelectual adventista ou um bondoso médico do hospital
adventista.” Ao invés disso, deveríamos nos lembrar que temos uma mensagem
profética a transmitir. “O Apocalipse de João é o julgamento da mentalidade
pós-moderna, que evita qualquer certeza a respeito da verdade religiosa e
procura em seu lugar uma espiritualidade nebulosa.” [2]
Mais
recentemente, o teólogo adventista Fernando Carnale escreveu o bombástico
artigo The eclipse of Scriptura and the
protestization of the adventist mind [O eclipse da Escritura e a
protestantização da mente adventista].[3] Carnale afirma ter detectado
“profundas divisões teológicas presentemente operando na igreja adventista que
não desaparecerão pela inércia ou pronunciamento administrativo. Assim, sua
existência secularizará a mente das gerações mais jovens transformando o
adventismo em uma denominação evangélica pós-moderna.” Ele escreve que o
processo se acha ligado à forma como se busca fazer evangelismo. Com o intuito
de atrair os jovens, “o ministério evangélico e o louvor tem se tornado
pós-moderno, ecumênico, progressivamente independente da Escritura e mais
próximo da Igreja Católica Romana.” Infelizmente, os adventistas têm adotado e
reproduzido as mesmas práticas evangelísticas. Quais serão as consequências?
As “consequências não intencionais” desse curso de
ação estão transformando o adventismo em uma genérica denominação secular e não
bíblica. A emergência de uma nova geração de adventismo carismático ecumênico
está em curso. Embora use as Escrituras funcionalmente, como um meio para
receber o Espírito, esta geração não pensará ou agirá biblicamente. [4]
Diante
desse quadro, é válido que se amplie a discussão sobre pós-modernidade. É bem
verdade que o termo se ache divulgado, mas isso acaba contribuindo mais para
confusões sobre seu real sentido. Com frequência, pós-moderno é um termo
aplicado às artes (plásticas, em geral), justamente o contexto de onde se
originou a expressão. Alguns aplicam pós-moderno a um estilo de se vestir ou se
comportar. Enquanto tais entendimentos superficiais da pós-modernidade
vigorarem, ficará difícil compreender com clareza os desafios que se interpõem
entre o adventismo e sua missão.
[1]George Knight, A visão apocalíptica e a neutralização do adventismo: estamos
apagando nossa relevância? (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010).
[2]Idem, p. 20, 27.
[3]Fernando Carnale, The eclipse of Scriptura and the
protestization of the adventist mind: Parte 1: The assumed compatibility with
evangelical theology and ministerial practices, JATS, 21/1-2 (2010):
133-165.
[4]Idem, p. 133-135.