Enfim, em companhia do segurança. Os frenquentadores, ouvindo dos limites da própria fisiologia, eram obrigados a repousar. Passava de uma da manhã. Os que teimavam em resistir a Morfeu conversavam no balcão. Bebiam em clima antecessor à ressaca. A noite arquitetava Copacabana.
Cavalcante, o gerente. Há trinta e seis anos Ourinhos, no interior de São Paulo, lhe concebera, para aos dezoito sofrer sua partida. A afeição se naturalizara carioca. E quem não conhecia o rapaz, com olhos castanhos ajeitados no cenho moreno? A barriga por pouco passava a linha da cintura, em leve posição de impedimento, daqueles que o bandeirinha tem que estar atento para marcar. Ainda assim, o talhe elegante.
Cavalcante dava duro. O lugar era bem localizado e atraía tanto moradores como quem estava de passagem. Só depois da uma ele se sentava e conversava com seu Jorge, o vigia. Esfriava o movimento.
A princesinha do mar comporta gente de toda cor e inclinação. E Cavalcante, o gerente, aprendeu a tratar bem a todos. Dona Lourdes, que não saíra de Ourinhos, morreria três vezes ao saber que as prostitutas saíam da calçada, passavam no bar e pediam para usar o banheiro. Teria uma síncope se lhe informassem que até (audácia desta gentalha!) conversam com seu filhinho. Logo, o gerente, mesmo sem dar moleza às madalenas, evita, com muita jinga, de contar à mãe sobre os frequentadores do fim do expediente.
Por sua educação, o rapaz sentia um não-estar-à-vontade. não seria grosseiro ou distante. Tentava se convencer de que certa política de boa vizinhança integrava seu trabalho.
Principiava a noite, a casa enchendo-se. Um homem com camisa polo, estatura mediana e pele indígena entrou sucintamente, numa discrição notória pela não notoriedade. Pedia um chope, enquanto puxava assunto, em algo similar ao Português:
“És o gerente?” Almodóvar possuía voz grave, útil no seu encargo de representante comercial. A empresa alimentícia que o empregara crescera graças ao Mercosul. Agora, Almodóvar conhecia o Brasil, em passagem durante um simpósio. Ele e Cavalcante falaram por alguns minutos.
“E por que você gosta do Rio?, aliás, você já conhece bem aqui?”
“Oh, sim. Eu conosco a Ilha do Governador, a Barra da Tijuca, Ipanema, Neblon… Es isto.”
“E as mulheres daqui, gosta delas?”
“Ah, son bellas as muchachas.”
No dia seguinte, Almodóvar trouxe um pedido:
“Cavalcante, você conhece las muchachas daqui?”
“Algumas passam aqui depois do expediente. A gente conversa, sabe até o nome, é, de algumas, as que são mais frequentes…”
“Entoces, me consiga o telefone de uma, mas tem que ser hermosa!”
Cavalcante disse, ofendido, que era casado (frisou este ponto mostrando a aliança, da mesma grossura da do boliviano, pela marca que estava em seu anelar esquerdo), pai de família e coisas do gênero. Mas, como o cliente tem sempre razão… Acabou por pegar o número de celular do boliviano em um guardanapo.
Fim de noite. Ele se aproxima da moça loira, recém rechegada, com decotes exagerados e perfume barato.
“Quero falar com você.”
“Comigo?”, provoca a moça, que não deve passar dos vinte e dois anos.
“Não é nada do que você está pensando! É, mas não comigo, quer dizer, com outra pessoa; era isso, se você pensou que eu…” Cavalcante suava frio. Estava no papel que jamais desejou representar. Nem olhava a moça nos olhos, o constrangido! Conseguiu, a muito custo, dizer-lhe tudo.
“Disse a ele em torno de US$ 150,00.”
“Você disse? Mandou bem…”
Foi para casa cúmplice. Estacionou cerimoniosamente. Entrou e nem quis assistir a reprise do Fla-Flu. Trocou-se e deslizou pelo colchão. Não demorou para que surgisse na grande tela de cinema a mão da Muchacha receber da sua um guardanapo com um número de celular. Faces cheias de neón riam, ao redor, enquanto ele servia um drinque duplo a homens acompanhados por meretrizes. Acordou. Que fizera?
Por duas noites, seguiu a rotina reticente, tentando entrar nas rodas de conversa para se esquecer de que haviam profissões e pessoas não-ortodoxas. Tentava naqueles momentos revestir a cidade de Copacabana de uma aura purificadora, olvidando a existência dos pecados a que se acostumara. Tudo era oniricamente litúrgico, monástico como nos colégios onde as freiras lhe ensinavam Matemática e Pecados Capitais.
Ao fim do terceiro dia, uma figura andina surgiu do horizonte para lhe arrancar o coração, como num ritual ao deus Quetzacoatl.
“Amigo, que bom ver usted!”
Estático, Cavalcante recebia o abraço olhando em derredor, como quem procura agentes da PF à paisana.
“Bela muchacha! Maravilhosa! Sirva uma rodada para nuestros amigos no balcon. Sirva, é por minha conta.”
Ninguém deu muita importância, ou esperou nova chamada: bebia-se, sem questionar o que ocorrera ao gringo. Não que isso os interessasse, naturalmente. Tão só Cavalcante permanecia na perturbação de um criminoso descoberto, um parêntese de descompostura em meio à bebedeira carnavalesca.
Naquela mesma noite, a loira também se aproximou de Cavalcante, entusiasmada.
Rispidamente, ele a repeliu; que não o abraçasse, ele era o gerente e a casa merecia respeito (a última parte saiu com entonação vacilante).
“Desculpe, desculpe… Passei para agradecer. Lembra do cara, o boliviano? A gente saiu…”
“Tá, tá, não precisa me contar os detalhes, não.”
Logo, ela acenou e voltou para a rua, chamando Cavalcante de “meu gerente”. Aquilo o derrotou. Olhou-se no espelho. Notou insinuar-se no rosto um bigode. Seu aspecto decomposto, o suor vergando pelas têmporas, o calor empapando a pele… sentia-se ordinário, um cafajeste.
A esposa o encontrou pela manhã na pia, com os lábios ensanguentados, pois pela terceira vez passava a gilete pelo bulço.
Cavalcante, o gerente. Há trinta e seis anos Ourinhos, no interior de São Paulo, lhe concebera, para aos dezoito sofrer sua partida. A afeição se naturalizara carioca. E quem não conhecia o rapaz, com olhos castanhos ajeitados no cenho moreno? A barriga por pouco passava a linha da cintura, em leve posição de impedimento, daqueles que o bandeirinha tem que estar atento para marcar. Ainda assim, o talhe elegante.
Cavalcante dava duro. O lugar era bem localizado e atraía tanto moradores como quem estava de passagem. Só depois da uma ele se sentava e conversava com seu Jorge, o vigia. Esfriava o movimento.
A princesinha do mar comporta gente de toda cor e inclinação. E Cavalcante, o gerente, aprendeu a tratar bem a todos. Dona Lourdes, que não saíra de Ourinhos, morreria três vezes ao saber que as prostitutas saíam da calçada, passavam no bar e pediam para usar o banheiro. Teria uma síncope se lhe informassem que até (audácia desta gentalha!) conversam com seu filhinho. Logo, o gerente, mesmo sem dar moleza às madalenas, evita, com muita jinga, de contar à mãe sobre os frequentadores do fim do expediente.
Por sua educação, o rapaz sentia um não-estar-à-vontade. não seria grosseiro ou distante. Tentava se convencer de que certa política de boa vizinhança integrava seu trabalho.
Principiava a noite, a casa enchendo-se. Um homem com camisa polo, estatura mediana e pele indígena entrou sucintamente, numa discrição notória pela não notoriedade. Pedia um chope, enquanto puxava assunto, em algo similar ao Português:
“És o gerente?” Almodóvar possuía voz grave, útil no seu encargo de representante comercial. A empresa alimentícia que o empregara crescera graças ao Mercosul. Agora, Almodóvar conhecia o Brasil, em passagem durante um simpósio. Ele e Cavalcante falaram por alguns minutos.
“E por que você gosta do Rio?, aliás, você já conhece bem aqui?”
“Oh, sim. Eu conosco a Ilha do Governador, a Barra da Tijuca, Ipanema, Neblon… Es isto.”
“E as mulheres daqui, gosta delas?”
“Ah, son bellas as muchachas.”
No dia seguinte, Almodóvar trouxe um pedido:
“Cavalcante, você conhece las muchachas daqui?”
“Algumas passam aqui depois do expediente. A gente conversa, sabe até o nome, é, de algumas, as que são mais frequentes…”
“Entoces, me consiga o telefone de uma, mas tem que ser hermosa!”
Cavalcante disse, ofendido, que era casado (frisou este ponto mostrando a aliança, da mesma grossura da do boliviano, pela marca que estava em seu anelar esquerdo), pai de família e coisas do gênero. Mas, como o cliente tem sempre razão… Acabou por pegar o número de celular do boliviano em um guardanapo.
Fim de noite. Ele se aproxima da moça loira, recém rechegada, com decotes exagerados e perfume barato.
“Quero falar com você.”
“Comigo?”, provoca a moça, que não deve passar dos vinte e dois anos.
“Não é nada do que você está pensando! É, mas não comigo, quer dizer, com outra pessoa; era isso, se você pensou que eu…” Cavalcante suava frio. Estava no papel que jamais desejou representar. Nem olhava a moça nos olhos, o constrangido! Conseguiu, a muito custo, dizer-lhe tudo.
“Disse a ele em torno de US$ 150,00.”
“Você disse? Mandou bem…”
Foi para casa cúmplice. Estacionou cerimoniosamente. Entrou e nem quis assistir a reprise do Fla-Flu. Trocou-se e deslizou pelo colchão. Não demorou para que surgisse na grande tela de cinema a mão da Muchacha receber da sua um guardanapo com um número de celular. Faces cheias de neón riam, ao redor, enquanto ele servia um drinque duplo a homens acompanhados por meretrizes. Acordou. Que fizera?
Por duas noites, seguiu a rotina reticente, tentando entrar nas rodas de conversa para se esquecer de que haviam profissões e pessoas não-ortodoxas. Tentava naqueles momentos revestir a cidade de Copacabana de uma aura purificadora, olvidando a existência dos pecados a que se acostumara. Tudo era oniricamente litúrgico, monástico como nos colégios onde as freiras lhe ensinavam Matemática e Pecados Capitais.
Ao fim do terceiro dia, uma figura andina surgiu do horizonte para lhe arrancar o coração, como num ritual ao deus Quetzacoatl.
“Amigo, que bom ver usted!”
Estático, Cavalcante recebia o abraço olhando em derredor, como quem procura agentes da PF à paisana.
“Bela muchacha! Maravilhosa! Sirva uma rodada para nuestros amigos no balcon. Sirva, é por minha conta.”
Ninguém deu muita importância, ou esperou nova chamada: bebia-se, sem questionar o que ocorrera ao gringo. Não que isso os interessasse, naturalmente. Tão só Cavalcante permanecia na perturbação de um criminoso descoberto, um parêntese de descompostura em meio à bebedeira carnavalesca.
Naquela mesma noite, a loira também se aproximou de Cavalcante, entusiasmada.
Rispidamente, ele a repeliu; que não o abraçasse, ele era o gerente e a casa merecia respeito (a última parte saiu com entonação vacilante).
“Desculpe, desculpe… Passei para agradecer. Lembra do cara, o boliviano? A gente saiu…”
“Tá, tá, não precisa me contar os detalhes, não.”
Logo, ela acenou e voltou para a rua, chamando Cavalcante de “meu gerente”. Aquilo o derrotou. Olhou-se no espelho. Notou insinuar-se no rosto um bigode. Seu aspecto decomposto, o suor vergando pelas têmporas, o calor empapando a pele… sentia-se ordinário, um cafajeste.
A esposa o encontrou pela manhã na pia, com os lábios ensanguentados, pois pela terceira vez passava a gilete pelo bulço.
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