sexta-feira, 24 de setembro de 2010

FALANDO COM AS PAREDES (ESQUECEMOS DE QUE O MUNDO MUDOU)



Visitei um amigo, pastor jubilado, durante uma semana de oração que dirigi no litoral de Santa Catarina. Cordialmente, meu amigo deu-me um livro (não conheço melhor presente). Logo nas primeiras páginas do volume, algo despertou-me a atenção. Debatendo a busca pela verdade no contexto da variedade de religiões existentes, o autor oferece uma sugestão: “Ao invés de estudar cada religião singular sobre a Terra para descobrir qual a única que ensina a verdade, vá apenas à Bíblia e descubra lá os marcos que ela provê a fim de identificarmos a verdadeira igreja de Deus.” [1]
O arrazoado soa natural para quem compartilhe da mentalidade protestante. Entrementes, uma avaliação cuidadosa acusaria a parcialidade da proposta. Afinal, por que começar pela Bíblia e não pelo Corão? Estaria a verdade disponível em algum destes exemplares de literatura religiosa? Por que não começar a busca por algum tipo de experiência religiosa concreta? Ou por uma visita aos templos das grandes tradições, cada vez mais presentes nas grandes metrópoles?
Não nos parece óbvio que um autor cristão endosse a Bíblia, enquanto um hare-Krishna nos pediria para visitar o templo mais próximo? A parcialidade dos adeptos de cada fé conspira contra a objetividade de seus conselhos ao mesmo tempo em que municia com argumentos os advogados do relativismo. Como sair dessa encruzilhada?
Primeiramente, voltemos à proposta do livro mencionado. Se há um Deus Pessoal, e penso que haja boas razões para crer em Sua existência, não seria irrazoável supor que Ele se comunicasse. Não vejo como nós, cristãos, poderíamos compartilhar as verdades nas quais cremos sem recorrer à revelação divina; aliás, crer em uma revelação sobrenatural não vai contra a razão, uma vez que nada melhor do que a revelação para auxiliar a razão em seus “pontos-cegos”.
Porém, a dificuldade com a proposta está na falta de contextualização de sua abordagem. Ela simplesmente ignora o ambiente cultural do século XXI. Todos os questionamentos que levantei contra ela podem ser racionalmente respondidos. Todavia, encontro poucos cristãos que percebem a necessidade de saber respondê-los; isso pela simples razão de que eles também carecem, em sua maioria, de sensibilidade para com o tempo atual.
Recentemente, resolvi questionar outros cristãos, para saber até que ponto eles poderiam levar adiante uma conversa com um não-cristão a respeito do exclusivismo cristão. O termo em si parece pesado: afinal, um exclusivista é alguém visto como arrogante o suficiente para preterir as ideias de outrem em benefício das suas. Somente esta consideração basta para melindrar alguns.
Outra dificuldade: por décadas, os cristãos conviveram com vizinhos e amigos que compartilhavam de seus pressupostos básicos. Com a mudança de mentalidade que ocorre há algumas décadas, a influência cristã vem sido extirpada do cotidiano. Assim, muitos cristãos sentem-se desconcertados ao verem que não lhes adianta apelar para textos bíblicos ou à noção do julgamento final, considerando que ninguém mais se importa com essas coisas. Parece que, nestes casos, resta reclamar da “dureza dos corações” ou “orar por aqueles que não aceitam a Bíblia”.

Claro que há muitos corações duros. É evidente que a oração é eficaz. Mas se soubéssemos argumentar com aqueles que possuem crenças diferentes das nossas, Deus nos usaria para quebrar as barreiras – e o Espírito Santo poderia ter acesso à mente das pessoas que agora estão alienadas dEle. [2] Ainda escrevemos e falamos, pregamos e evangelizamos como se nada tivesse ocorrido desde o início do século XX. Nosso atraso em relação às tendências atrapalha a eficácia de um testemunho necessário. Temos de aprender a lidar com as objeções sem atalhos. Ou isso, ou a obsolescência.


[1] Ken McFarland, The Called… The chosen: God has always had a people (printed by Review and Herald Graphics), xi.

[2] William Lane Craig, Fé, razão e a necessidade da apologética, in Ensaios Apologéticos: um estudo para uma cosmovisão cristã (São Paulo, SP: Hagnos, 2006), 22-25.


2 comentários:

joêzer disse...

texto necessário e urgente!

Unknown disse...

Também sinto esta grande necessidade!! Como resolver esta questão? Mestre Douglas, escreva mais sobre o assunto, sugira referências....
Precisamos estar preparados!