Visitei
um amigo, pastor jubilado, durante uma semana de oração que dirigi no litoral
de Santa Catarina. Cordialmente, meu amigo deu-me um livro (não conheço melhor
presente). Logo nas primeiras páginas do volume, algo despertou-me a atenção.
Debatendo a busca pela verdade no contexto da variedade de religiões
existentes, o autor oferece uma sugestão: “Ao invés de estudar cada religião
singular sobre a Terra para descobrir qual a única que ensina a verdade, vá
apenas à Bíblia e descubra lá os marcos que ela provê a fim de identificarmos a
verdadeira igreja de Deus.” [1]
O
arrazoado soa natural para quem compartilhe da mentalidade protestante.
Entrementes, uma avaliação cuidadosa acusaria a parcialidade da proposta.
Afinal, por que começar pela Bíblia e não pelo Corão? Estaria a verdade
disponível em algum destes exemplares de literatura religiosa? Por que não
começar a busca por algum tipo de experiência religiosa concreta? Ou por uma
visita aos templos das grandes tradições, cada vez mais presentes nas grandes
metrópoles?
Não
nos parece óbvio que um autor cristão endosse a Bíblia, enquanto um
hare-Krishna nos pediria para visitar o templo mais próximo? A parcialidade dos
adeptos de cada fé conspira contra a objetividade de seus conselhos ao mesmo
tempo em que municia com argumentos os advogados do relativismo. Como sair dessa
encruzilhada?
Primeiramente,
voltemos à proposta do livro mencionado. Se há um Deus Pessoal, e penso que
haja boas razões para crer em Sua existência, não seria irrazoável supor que
Ele se comunicasse. Não vejo como nós, cristãos, poderíamos compartilhar as
verdades nas quais cremos sem recorrer à revelação divina; aliás, crer em uma
revelação sobrenatural não vai contra a razão, uma vez que nada melhor do que a
revelação para auxiliar a razão em seus “pontos-cegos”.
Porém,
a dificuldade com a proposta está na falta de contextualização de sua
abordagem. Ela simplesmente ignora o ambiente cultural do século XXI. Todos os
questionamentos que levantei contra ela podem ser racionalmente respondidos.
Todavia, encontro poucos cristãos que percebem a necessidade de saber
respondê-los; isso pela simples razão de que eles também carecem, em sua
maioria, de sensibilidade para com o tempo atual.
Recentemente,
resolvi questionar outros cristãos, para saber até que ponto eles poderiam
levar adiante uma conversa com um não-cristão a respeito do exclusivismo
cristão. O termo em si parece pesado: afinal, um exclusivista é alguém visto
como arrogante o suficiente para preterir as ideias de outrem em benefício das
suas. Somente esta consideração basta para melindrar alguns.
Outra
dificuldade: por décadas, os cristãos conviveram com vizinhos e amigos que
compartilhavam de seus pressupostos básicos. Com a mudança de mentalidade que
ocorre há algumas décadas, a influência cristã vem sido extirpada do cotidiano.
Assim, muitos cristãos sentem-se desconcertados ao verem que não lhes adianta
apelar para textos bíblicos ou à noção do julgamento final, considerando que
ninguém mais se importa com essas coisas. Parece que, nestes casos, resta
reclamar da “dureza dos corações” ou “orar por aqueles que não aceitam a
Bíblia”.
Claro
que há muitos corações duros. É evidente que a oração é eficaz. Mas se
soubéssemos argumentar com aqueles que possuem crenças diferentes das nossas,
Deus nos usaria para quebrar as barreiras – e o Espírito Santo poderia ter
acesso à mente das pessoas que agora estão alienadas dEle. [2] Ainda escrevemos
e falamos, pregamos e evangelizamos como se nada tivesse ocorrido desde o
início do século XX. Nosso atraso em relação às tendências atrapalha a eficácia
de um testemunho necessário. Temos de aprender a lidar com as objeções sem
atalhos. Ou isso, ou a obsolescência.
[1] Ken McFarland, The Called… The chosen: God has always had a people (printed by Review
and Herald Graphics), xi.
[2] William Lane Craig, Fé, razão e a necessidade da apologética,
in Ensaios Apologéticos: um estudo
para uma cosmovisão cristã (São Paulo, SP: Hagnos, 2006), 22-25.
2 comentários:
texto necessário e urgente!
Também sinto esta grande necessidade!! Como resolver esta questão? Mestre Douglas, escreva mais sobre o assunto, sugira referências....
Precisamos estar preparados!
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