Os
críticos da religião costumam denunciar sua hierarquia rígida, piramidal, o que
para alguns chega a cair na esfera da manipulação em benefício de quem ocupa o
poder. Todavia, na era digital a religiosidade apresenta uma difusão dessa hierarquia.
Na terra-de-ninguém online, que é o
mundo virtual, as patentes e títulos do mundo off-line nem sempre são reconhecidos. Desse modo, há a emergência
de novos líderes e referenciais para a espiritualidade. Na prática, isso
implica em (a) expressão para grupos minoritários; (b) expressões heterodoxas
de movimentos tradicionais; (c) possibilidade de sincretismo religioso, uma vez
que os participantes de uma determinada fé não são apenas apascentados por seus
líderes religiosos constituídos, mas igualmente abertos aos pastores online.
Existem
tours virtuais em lugares santos e cerimônias
online (assim como cultos). As principais comunidades religiosas dispõem de ao
menos um site para efeito de se
fazerem presente. Isso sem mencionar sites pessoais de líderes religiosos e
canais no youtube. As novas mídias se
tornaram não apenas ferramentas para divulgação, mas também formas para interação
entre adeptos religiosos das mais diversas comunidades. A virtualização
fomentou a globalização da religião. Com isso, perde poder a instituição
religiosa e ganha destaque a espiritualidade, cada vez mais entendida como a
forma do indivíduo experimentar sua fé – às vezes, reciclando o que gosta em
outras crenças e criando algo muito particular.
Sai
o triângulo da hierarquia rígida para dar lugar ao poliedro com seus espelhos
multifacetados de possibilidades infinitas. A religião deixou de ser monolítica
e rígida para ser caleidoscópica, multicolor e disposta a se reinventar. Isso significa
que as tradições são úteis apenas como repositórios que inspirem novos
movimentos e não como moldes que restrinjam a abertura dos novos tempos. Criatividade
e experimentação são elementos cruciais para um movimento religioso atrair
jovens e passar a viralizar.
Inegavelmente,
a fé bíblica segue na contramão. Não que sua preocupação esteja em manter o
tradicionalismo, porque ela propõe uma constante evolução. Contudo, não se
trata de uma perspectiva que siga de modo parelho as revoluções culturais. A cultura
humana é fruto de diversas atividades humanas, que refletem comportamentos,
ações, pensamentos e valores. A cultura é a colheita da semente chamada
cosmovisão. Não se pode esperar que ela seja neutra. Imitá-la sem reconhecer
suas bases e avalia-las pela cosmovisão cristã é como se o trigo resolvesse
imitar o joio!
Se
a fé cristã vive de revolução, isso é resultado de seu próprio plantio. Como os
ramos de uma videira, os cristãos têm de ser podados para dar fruto. Suas perspectivas
precisam ser confrontadas com a vontade divina expressa nas Escrituras. Não estamos
à sombra da cultura secular, nem ela nos serve como espelho ou modelo. Estamos à
margem, buscando outro tipo de experiência, uma interação verticalizada pelo
convívio com o Espírito, sem deixar o relacionamento horizontal com aqueles que
precisam de nossa mensagem.
Em
um contexto dinâmico e sincretista, manter a pureza da fé é mais do que mera
questão de sobrevivência: trata-se de cumprimento de uma missão profética. Se a
fé deve se atualizar, isso não se dá por questão de o mundo ter mudado, mas em
virtude da necessidade de crescer ajustada às Escrituras. Precisamos constantemente
moldar quem somos e o que cremos em função da verdade revelada por Deus. Quer
online, quer off-line, nossa pergunta não deve ser: “o que mundo quer ouvir?”,
mas: “o que Deus quer que falemos?”
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Um comentário:
Muito interessante essa questão envolvendo a espiritualidade e o mundo digitalizado! Realmente, manter a fé ou os princípios é uma questão de sobrevivência!
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