Aproximadamente
2 milhões de pessoas participavam da maratona. Nenhum atleta profissional. Nem
mesmo alguém que tivesse um personal
treiner. E toda aquela massa vinda de um lugar maldito. Recém saídos de uma
rotina de servidão e maus-tratos. Mas não pareciam satisfeitos com a liberdade
que recebiam de presente. No centro da rebeldia israelita estava o murmúrio de
gargantas secas: “por que saímos do Egito” (Nm 11:20)?
Pode
parecer que as vozes ingratas dos israelitas sejam algo despido de sentido. É
difícil pensar em como um prisioneiro de guerra poderia fazer exigências a
bordo do avião de fuzileiros que o resgatou. Uma criança, ao final do turno,
não chora nos braços da mãe, pedindo para voltar para a escola. Mas em Números
11:34 está relacionada a maior dificuldade e gerador de problemas em Israel:
havia uma mescla de gente tomada pela cobiça (ou “gula”, conforme dizem outras
traduções).
Afinal,
Deus realizara o livramento de Sua nação. Embora alguns demonstrassem sua
ingrata satisfação, os propósitos divinos tiveram suas engrenagens acionadas. O
Senhor tinha metas pré-estabelecidas ao livrar Seus filhos. Uma delas, que salta
à superfície da narrativa bíblica, é que o Êxodo aconteceria através de atos
executados pelas mãos de Deus (Êx 7:4), e, ao mesmo tempo, se constituiria
assim num juízo contra os deuses egípcios (ou uma calculada superação por parte
de Iahweh das pretensões daquelas divindades falsas), conforme Jetro, o sogro
de Moisés, constatou mais tarde (Êx 18:11).
Com
isso, ficava evidenciado o poder e supremacia do Deus Verdadeiro. Ao mesmo
tempo em que O cativeiro do Egito foi uma espécie de forja para o povo de Deus
(Dt 4:20), ensinando-lhes, sobretudo, o desenvolvimento de uma aversão à
idolatria[1], Deus salvou Seu povo para que o servissem, andando em Suas leis,
como representantes dEle perante os povos. [2]
Suficiência estendida aos insuficientes
A
liberdade não foi resultado de uma revolução armada ou greve
pacífica à la Gandhi – a
Misericórdia, poder e suficiência de Deus cumpriu com um plano infalível,
alheio à participação ou iniciativa humanista. Deus convocou Moisés como Seu
instrumento – e só. A gratuidade do passaporte para a vida livre deveria
motivar ao reconhecimento e consequente serviço ao Deus do Êxodo.
O
mesmo se aplica a nós. Ou você pensa que Deus escolheu uma meia dúzia de Clark
Kents para compor um quadro de “funcionários do Reino”? Deus escolheu você não
por você, que nem sequer merecia uma pitada de Sua saliva divina. Deus o ama e
o tirou da escravidão do pecado e das trevas para ser Dele, exclusivamente.
Mas
cuidado! Não aja como o povo, que deixou de reconhecer a grandiosidade do
livramento divino e se tornou ingrato. “Alguns
estão sempre a ver antecipadamente o mal, ou a aumentar as dificuldades que
realmente existem, de modo que seus olhos ficam cegos às bênçãos que lhes
reclama gratidão.” [3]
O que valida o compromisso
Nesse
compromisso firmado com o povo, Deus esperava que houvessem mudanças. Uma vez
que seguir nosso próprio coração e nossos olhos leva à infidelidade (Nm 15:39),
o coração deveria ser circuncidado (Dt 10:16), para se guardar a lei de Deus, a
própria essência de Sua aliança com o povo salvo (Dt 4: 13, 23).
Sem
uma ligação afetiva com Deus, esse comprometimento beira o absurdo! Supondo que
você fosse um israelita da época pós-êxodo e cumprisse exteriormente as
prescrições legais, isso não bastaria ainda; a lei envolvia também o pensamento
(Lv 19:17-18).
Mas
as leis divinas contém cláusulas não clausuras! Por causa das leis dadas no
Sinai, a liberdade seria incomensuravelmente maior do que quando estavam sob o
regime de Faraó.
O
êxodo recorda que o povo deveria viver sem medo. O Êxodo era uma constante
lembrança de que os povos inimigos seriam derrotados, como o Egito o fora (Dt
7:17-19). Ou como Paulo disse: "Se
Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho,
mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça,
todas as coisas?” Romanos 8: 31up e 32"
Se
fomos libertos do pecado em Cristo, que pagou um tão alto preço pela nossa
liberdade, não temos, apenas nesse fato, a certeza de que as nossas
necessidades diárias, nossas urgências e desafios serão supridos, sem nenhum
débito adicional?
É
claro que termos uma confiança tão garantida em Deus por aquilo que Ele nos fez
não pode nos levar à arrogância! O Êxodo provia uma das razões para se ter
compaixão: a própria situação de miséria que Israel enfrentou quando era
escravo no Egito (Dt 24:18 , 22). Como Deus nos amou e salvou, devemos ser
solidários com aqueles que estão nas trevas da ignorância e erro –
principalmente quando nos ferem.
O
gesto divino de alforriar Seus filhos e os compromissos do novo status quo não
afetam apenas o grupo, mas também o indivíduo. Afinal, fidelidade corporativa
não exclui o dever pessoal (Dt 29:18), ou, em outras palavras:
“O
terrível poder de Deus que aplica suas armas, a lepra, a serpente e a peste
(cf. Êx 4:1-7; Nm 21:6s, 11:33s) contra seus próprio povo, não deixa dúvida de
que a aliança feita por Deus não é um refúgio seguro sob o qual alguém possa,
astutamente, se servir do poder divino para seus próprios interesses. A aliança
reivindica a todo homem, chamando-o a uma entrega sem reservas.” [4] Viva o compromisso de alguém livre em Cristo, alegre e vitoriosamente!
Referências
[1] Ellen White, Patriarcas e profetas
p. 200.
[2] Idem, p.201.
[3] Idem, p. 73.
[4] Walther Eichrodt, Teologia do
Antigo Testamento, p. 32.
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