quinta-feira, 24 de março de 2011

SONHANDO COMO DEXTER

Por trás desse cara normal...

Bem humorado e um tanto misantropo, o perito Dexter Morgan leva uma vida aparentemente normal. Ele trabalha para a polícia de Miami como especialista em trajetória de sangue na cena do crime. Sua irmã adotiva é policial, assim como Harry, o homem que o achou aos três anos em uma cena de crime. Dexter namora Rita, uma divorciada que tenta reconstruir a vida com dois filhos, após sofrer com o ex-marido, drogado e abusivo. Tudo em Dexter parece normal.

Mas Dexter é um serial killer!

Na verdade, ele mata outros serial killers que escaparam da malha fina do sistema judicial. A história do assassino carismático e empenhado em simular o comportamento de pessoas normais é veiculada na charmosa série Dexter, do canal Showtime. Mas Dexter surgiu mesmo como personagem dos romances de Jeff Lindsay (cinco livros foram escritos pelo autor, que, curiosamente, é esposo da sobrinha de outro grande nome da ficção americana, Ernest Hemingway).

Apenas a primeira temporada de Dexter tem relação direta com a obra de Lindsay, especialmente com o primeiro livro, Darkly Dreaming Dexter (em português Dexter, a mão esquerda de Deus, Planeta, 2010). Comento sobre a primeira temporada, a única que assisti (e não pretendo seguir acompanhando).

Os dilemas morais em Dexter são intensos e a trama, envolvente. Dexter se vê atraído por um assassino que retira todo o sangue de suas vítimas. À medida que o caso avança, Dexter percebe que ambos estão estranhamente ligados e que Harry, o policial que o adotou, escondeu detalhes importantes de seu passado.

Dexter foi treinado por Harry. Por isso, seus crimes demonstram íntimo conhecimento das técnicas policiais. Ele costuma recolher uma amostra de sangue de suas vítimas e guardá-las em lâminas, arquivadas como lembrança de cada caso. Como um psicopata que é, ele não tem sentimentos, o que o força a manter elos forçados com as pessoas ao seu redor (o que também faz, de certa forma, parte das instruções transmitidas pelo pai adotivo; Dexter vive aludindo ao “Código de Harry”).

Há uma ênfase imoral no seriado. Michael C. Hall, que vive Dexter na série, declarou em entrevista que nem leva a sério quando as pessoas dizem que o enredo incentiva o comportamento de psicopatas. Pode ser verdade que admitir o contrário seja um exagero – ninguém se torna assassino de facto por assistir Dexter. Entretanto, ao nos fazer simpatizar pela personagem e torcer por ele, o programa transmite a controversa idéia de que talvez o assassinato não seja tão maléfico, desde que se mate a pessoa certa! Mas se é necessário alguém mau para combater mal, quem combaterá ao próprio mau?

Outra maneira de enxergar a série, pelo lado positivo, está na constante busca de Dexter de, alguma forma, ser alguém normal. Em um dos episódios, ele responde à Rita que seu maior sonho é viver a vida comum, como todas as outras pessoas. Claro que ela não percebe as reais implicações do seu discurso e compartilha (ao modo dela) dos anseios do namorado. Em todo caso, pode se notar o dilema de uma pessoa forçada a simular em cada interação social, a fim de garantir sua sobrevivência. Esse lado filosófico da personagem remete à situação de vazio existencial das pessoas em nossa época, forçadas a representar papeis sociais, sem encontrar um fundamento filosófico sólido para a existência. Analogicamente, o homem pós-moderno é um Dexter que sonha com a normalidade, enquanto vive em um mundo de aparências ante turbilhões de loucura
.

Nenhum comentário: