sábado, 24 de dezembro de 2016
sábado, 10 de dezembro de 2016
O EVANGELHO NA LÓGICA DO IMEDIATISMO CONTEMPORÂNEO
O tempo não era um problema para os hebreus. Embora o tempo
fosse real, não havia a necessidade de controla-lo, por meio de segmentação
coerciva. Ironicamente, nossa vida pautada por datas e horas rígidas
estabeleceu o controle do tempo sobre nós e não o contrário. Simultaneamente, o
tempo vai perdendo seu vínculo com a realidade, especialmente com a intrusão da
virtualização trazida pela cibercultura. A conexão com a internet nos desloca para um não-lugar, sem referência de tempo. Só
existe uma versão unidimensional do tempo – o agora.
Em um mundo instantâneo, como se vive a espiritualidade? Acostumados
com a velocidade da dromocracia – o domínio de uma sociedade em constante
movimento de aceleração –, as pessoas se tornam exigentes e impacientes. Ninguém
quer esperar. As respostas precisam ser instantâneas, prontas. E decodificadas,
porque a impaciência se estende aos domínios da concentração (ninguém quer
pensar demais para resolver qualquer questão). Vivemos em um contexto em que
tudo flui. A crença pessoal é moldada para atingir o mesmo nível de fluidez que
permita às pessoas terem, paradoxalmente, algum vínculo com um ponto sólido.
O cristianismo fluido, líquido, maleável e moldável é a resposta
que as pessoas esperam nesse momento. Por isso os movimentos
carismático-pentecostais largam na frente quando se trata de falar a linguagem
das pessoas hoje. Nessa cristianismo carismático-pentecostal, a conexão com
Deus é direta. E empoderadora: a energia da divindade corre nas veias em um
fluxo emocional inesgotável, atendendo os anseios do presente. Não há complicações
cristãs clássicas, porque o mínimo de doutrina se destaca – dose suficiente para
garantir o ponto sólido de apoio. A descomplicação e praticidade do discurso
religioso garante sua atualidade. A experiência se reveste de notoriedade e
fornece um vínculo com os anseios materiais; afinal, tudo o que reivindicar da
parte de Deus, me será concedido (confissão positiva).
A expressão bíblica do cristianismo é mais lenta. Deus Se revela
pela Palavra. Ela precisa ser estudada e decodificada, o que exige um
compromisso com o Espírito Santo. Estudar as Escrituras não é um investimento
que garanta resultados imediatos (embora os resultados sejam garantidamente
superiores). Não existe um elo emocional evidente, uma espécie de energização
via fluxo emocional. O estilo de vida se apresenta contracultural ao extremo no
cristianismo bíblico, capaz de alterar hábitos de maneira incômoda, com
provável prejuízo para as relações interpessoais. Obviamente, o cristianismo
bíblico não satisfaz as expectativas do imediatismo do mundo líquido.
E esse é o ponto: o que fazer com o cristianismo bíblico? Sua proposta
desafia homens e mulheres de todas as épocas a não se conformarem com a cultura,
experiência, relacionamentos e até com as expressões derivativas do próprio
cristianismo. Se Deus se auto-revelou, como a Bíblia afirma, não poderíamos
esperar que Ele o fizesse de maneira satisfatória aos padrões humanos, ainda
mais porque tais padrões são resultado da tendência adquirida ao egocentrismo. Essa
tendência é o resultado direto do pecado e se interpõe contra a vontade divina.
Para salvar o homem de si mesmo, Deus precisa contrariá-lo, esnobá-lo,
humilha-lo e leva-lo ao reconhecimento de sua maior necessidade: a salvação. Às
vezes, isso leva tempo, porque Deus não Se pauta pela lógica do imediatismo.
Mas tempo não é problema para Deus.
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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
A DEGRADAÇÃO DO SENSO DA PRESENÇA DE DEUS
A
missão que temos é transmitir a última mensagem de advertência. Trata-se de uma
responsabilidade solene. Solenidade é um conceito que escapa à contemporaneidade.
Sua gravidade é diluída nos filmes de Hollywood, quando nos momentos trágicos
parece haver a necessidade de um contraponto cômico. Nem as músicas religiosas atuais
conseguem mais representar a solenidade. Talvez, apenas atrás do conceito de
reverência, solenidade seja um dos artigos mais raros no mercado atual. Ambos são
raros pela mesma razão: a degradação do senso da presença de Deus.
Em
um contexto tecnológico, tudo apela aos sentidos. Mas Deus permanece invisível.
Os comunicadores instantâneos, ubíquos, fomentam a ilusão de estarmos presentes
em diversos lugares e de igualmente termos os amigos próximos. E com tantos
elementos atraindo a atenção, o Deus Altíssimo, presente no mundo material, é
ignorado. Se a presença do Criador passa despercebida, que dizer da comunhão
com Ele? Que dizer da forma de responder ao Seu chamado?
A
ironia fatal de uma época em que a adoração ganha contornos de metalinguagem –
com músicas de adoração que falam sobre adoração –, é que os cristãos, em
geral, não entendem adoração como a resposta obediente ao que Deus fez por mim.
Adoração não significa sucumbir a um êxtase emocional, na tentativa de
reproduzir a presença de Deus de forma carismática, como se a música e a emoção
fossem elementos catalizadores para fazer um download de Deus. Adoração compreende me relacionar com Deus, nos
termos que Ele estabeleceu em Sua Palavra. Isso implica em rendição, gratidão,
júbilo, disposição para servir e obedecer e tantas outras coisas.
O
verdadeiro adorador obedece voluntariamente. Ele quer testemunhar, porque não
pode conter o amor que brota nele em resposta ao amor que fluiu do coração de
Deus. Com humildade e poder, alegria e tato, sabedoria e entusiasmo, ele prega.
Com suas palavras, mas com cada gesto silencioso. Prega usando a Bíblia, mas
por meio de sua coerente busca para se mostrar fiel. Não há aquele sentimento
estreito de alguém mecanicamente condicionado a fazer algo segundo um programa.
Existem muitos manuais, planos e estratégias. Recursos não faltam. Falta é
amor, transformação, vidas impactadas pela comunhão. Falta o Espírito de Deus
descendo sobre Seu povo a cada manhã.
Ser
um adventista é abraçar a missão. Sem os modismos que invadem a literatura
evangélica a cada época. Sem o proselitismo pelo proselitismo. Viver a missão,
ser a missão, pregar com o fogo de quem ama o Salvador e ama aquelas pessoas
que Ele ama. Uma imensa responsabilidade, maior do que qualquer ser humano
poderia imaginar.
Uma
responsabilidade solene para tempos solenes.
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quinta-feira, 24 de novembro de 2016
segunda-feira, 14 de novembro de 2016
quarta-feira, 2 de novembro de 2016
A OBRA DE OUTRO ESPÍRITO
“Nas igrejas
que puder colocar sob seu poder sedutor, [Satanás] fará parecer que a bênção
especial de Deus foi derramada; manifestar-se-á o que será considerado como
grande interesse religioso. Multidões exultarão de que Deus esteja operando
maravilhosamente por elas, quando a obra é de outro espírito. Sob o disfarce
religioso, Satanás procurará estender sua influência sobre o mundo cristão.”
Ellen G. White, O Grande Conflito
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 20120, 464.
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sexta-feira, 28 de outubro de 2016
GLORIFIQUE SEMPRE
Se eu escrevesse um diário, na folha
correspondente ao dia de ontem eu jogaria um pote de nanquim. Já viveu um dia
em que nada, absolutamente nada, desse certo? Assim o dia de ontem foi para
mim.
Minha manhã? A mais estressante possível.
Confusões. Confrontos. Nervos à flor da pele. Mal consegui almoçar, de tão
tenso que me achava. Saí para fazer compras em Maringá, a cidade grande mais
próxima de onde moro. Devido a mudanças no centro, foram removidas algumas
vagas para estacionamento localizadas nos canteiros entre as pistas, forçando a
estacionar longe das lojas. Na prática, isto significou andar bem mais!
Depois da peregrinação, precisei ir ao
supermercado duas vezes. Na primeira, não consegui a lista de compras em meu
e-mail e não havia nenhuma rede wi-fi disponível! Precisei ir até um shopping (outra caminhada) para acessar
os itens a serem comprados. Quem disse que a tecnologia ajuda quando
precisamos?
Ao voltar ao supermercado, já estava passando
minha compra no caixa quando esbarrei em um vidro de leite de coco. Adivinhe se
ele não caiu no chão e sujou minha calça? Junto ao balconista, havia uma
zeladora que acabara de perguntar se precisava limpar algo ali perto. Assim que
derrubei o vidro, o rapaz lhe respondeu: “Agora precisa!”.
Aquilo pareceu a prova final de que meu dia
fora formidavelmente horrível. “Hoje é o dia em que nem deveria ter me
levantado da cama”, disse para a zeladora, como tentando encontrar simpatia
para meus infortúnios. Ela simplesmente retrucou em tom triunfante: “Todos os
dias devemos nos levantar e glorificar a Deus!” Confesso que se ela tivesse
pulado em mim e me acertado no peito com os dois pés não teria doído tanto! Deu
até vontade de dizer: “Muito prazer, senhora, eu sou um pastor adventista.”
Bem, foi melhor nem ter dito mesmo…
Quando voltei para o carro, eu comecei a
pensar, enquanto acomodava as sacolas com as compras, nas coisas positivas que
aconteceram ao longo do dia, negligenciadas em meio à maré de infortúnios. E
havia muitas coisas boas, bênçãos do Pai celestial que não receberam minha
devida gratidão; afinal, eu estava mais preocupado em chorar como uma criança
mimada!
Somente quando nos esquecemos de quem é Deus
e de Sua sagacidade para cuidar dos detalhes de nossa vida é que passamos a
reclamar e ver tudo sob um espectro obscuro. Viver sem considerar a influência
do Senhor em todos os aspectos da vida leva a um dramático descompromisso com
Seus mandamentos. Afinal, por que obedecer a um Deus que nos abandonou?
Tragicamente, se houve abandono, foi de nossa parte, não da do Senhor.
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sexta-feira, 21 de outubro de 2016
DO CONTO DE FADAS AO PESADELO
O sonho de sua
infância não era ir à lua ou jogar no Real Madri. Nunca foi brilhante ou
ambicioso. Apenas queria o mesmo que qualquer um, sem buscar destaque entre a
multidão.
Subitamente, o
caipira com mato no canto da boca recebia os aplausos de empresários. Da
carroça para o interior de limusines e iates. Não ganhara em nenhuma loteria,
nem sorteio da televisão. Sequer fora descoberto por uma agência de modelos
(embora as mulheres sentissem o frissom que sua presença causava!). Mas sob seu
cabelo desgrenhado e lavado com sabão pousou a coroa real. O menino brejeiro
tornou-se o mandatário da nação, quem diria!
Naturalmente,
ninguém se assustara mais do que ele próprio! Para quem jamais sonhara com
coisas tão espetaculares, o sonho assumia uma forma assustadoramente maior – e
real! Quando você ganha algo sem merecer, dado por quem o ama, chega a ser
ofensivo mesmo o menor esboço de recusa. O mínimo a se fazer é aceitar,
tentando corresponder ao presente.
O menino pobre
se tornou rei, sem ter sangue azul ou ser diplomado em ciências políticas em
Havard; ele não merecia aquilo, diriam os críticos com razão. Porém, ele
poderia ter correspondido à escolha divina.
Poderia.
A tragédia maior
das ascensões meteóricas é a dificuldade em lidar com o sucesso quando ele
chega sem aviso ou antes do pretendido. E quando falamos em sucesso espiritual,
ainda se corre o risco de apressar a derrocada, quando atribuímos as glórias a
coisas como esforço, talento, habilidade e merecimento. Ao nivelar as bênção
divinas com conquistas humanas, nos desabilitamos à posição em que Deus nos
pôs.
Saul, o rei que
chegou ao poder como um matuto, logo se sentiu à vontade no trono. Passou a
tomar decisões sem se importar com conselhos de sacerdotes, profetas ou mesmo
do próprio Deus. Governar se tornou algo que ele sentia depender de seu
instituto nato de líder. E quando Deus o rejeitou, escolhendo um homem melhor
para liderar Israel, o pior de Saul veio à tona: invejoso, rancoroso, capaz de
armar ciladas e matar quem quer que ficasse entre ele e o seu reino. Você já
viu essa história, certo?
O ciclo se
repete, mesmo entre o povo escolhido por Deus. Afinal, é próprio do ser humano
amar o poder e se apegar a ele com um carinho que brota do egoísmo enraizado em
nosso coração. Se você duvida, basta assistir uma típica reunião eclesiástica.
Desde a igreja local, até os níveis superiores de nossa organização, parece
sempre haver indivíduos que amam mais o poder que sentem possuir do que o Deus
que lhes oportunizou servir com seus dons a Sua causa.
É fácil nos
esquecermos de onde Deus nos buscou e reconhecer que os dons vieram de Seu
Espírito (1 Co 12:11). Em algum momento, passamos a ocupar o centro, empurrando
aos poucos Deus para a preferia da vida cotidiana (deixe Ele continuar sendo o
Senhor do sábado apenas). Tragicamente, enquanto disputamos o poder, Deus
escolhe representantes humildes com os quais consiga Se comunicar sem
barreiras. E a obra dEle será concluída por pessoas cujo nome continue
desconhecido em todos os círculos do poder.
O problema não
está na liderança em si, nem poderia estar, uma vez que Deus usou grandes
líderes em momentos-chave da história, como Abraão, José, Moisés, Josué,
Gideão, Sansão, Samuel, Daniel e Neemias, para citar alguns nomes. Liderança
nunca foi sinônimo de desonestidade, corrupção ou opressão. Entretanto, o fato
de alguém ser chamado para servir a Deus de modo especial demanda mais íntima
comunhão com Ele e uma vida à altura do serviço. Somente líderes espirituais se
acham prontos para servirem em assuntos espirituais. Se o talento, a habilidade
de planejar, a coragem para executar e força de vontade não forem devidamente consagrados
a Deus, a liderança se converterá em um jogo de poder com um verniz
eclesiástico.
Deus chama a
todos para usarem seus dons a fim de semear o evangelho, apressando o regresso
de Jesus. Na luta com o orgulho e atitudes carnais, podemos aprender com o
exemplo de Saul, o primeiro rei de Israel. Esse livro foi escrito especialmente
para a atual geração de adventistas, que muitas vezes é tentada a desanimar em
face de tantos conflitos que existem em suas igrejas locais ou tenta achar um
caminho para renovar a fé adventista. Lembre-se de que Deus conduz essa igreja.
E, se seguirmos os métodos dEle, buscando reavivamento e reforma pessoais,
veremos uma melhora nos relacionamentos entre cristãos, além de um caminho que
permita viver o evangelho em sua plenitude, incluindo o uso de nossos dons para
cumprir a missão.
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Contra a acomodação
Jesus, o Servo Salvador
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Vizinhos do campo missionário
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
domingo, 9 de outubro de 2016
RESTAURADO
Rompe-se
a paz do lar: o homem sem roupas no Éden
Sente
a rispidez do ar, que lhe raspa as entranhas.
Rapidamente,
os dois olhos de Eva lhe pedem
Para
repor a paz nestas horas estranhas.
Tudo
quanto se fora, ao fim nos será dado
–
O Éden há de voltar! Gramas grassando agora
Mais
verde vão por todo o jardim restaurado,
Onde
a beleza cobre cada grão que aflora.
Perante
o esplendor vivo em cada planta e ser,
Há
outra luz que flui do trono altaneiro:
Ali,
mesmo anjos, com estatura e poder,
Dão
glória, glória, glória ao Senhor e ao Cordeiro.
E
a glória de Deus é doar-Se à criatura,
Com
materno olhar, um olhar que, ao amar, reluz;
Para
espanto do cosmo, o amor em forma pura
Demonstrou
seu extremo ao assumir a cruz.
Por
isso, os vinte e quatro anciãos dão louvor:
Tudo
novo se fez! Adeus à nódoa rubra.
Em
estatura e graça, homens crescem no amor
E
veem no mundo mais para que se descubra.
Enfim,
a paz! Enfim, a perene certeza
Da
harmonia entre Deus e o homem. Enfim, a vida
Como
se planejou em seu princípio. À mesa,
Deus
Se assenta ao redor da família reunida.
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quarta-feira, 28 de setembro de 2016
A IMAGEM NA MÍDIA ADVENTISTA
A
mídia é construída e sustentada pelo poder da imagem. O que celebridades
midiáticas vestem ou costumam dizer se torna icônico. O icônico é o novo
clássico: digno de ser imitado, mimetizado. O termo clássico significava,
originalmente, aquilo que é próprio para ser estudado em classe. Necessita ser
reproduzido, porque está baseado em convenções (especialmente literárias e
relacionadas às artes plásticas). As convenções estabelecem o lugar-comum, ou
seja, o modelo para cada nova produção artística. A boa arte se faz dentro
dessas convenções. A qualidade não tem que ver com absoluta originalidade, mas
em respeitar com louvor o lugar-comum e fazê-lo com elegância.
No
século XX, a arte moderna se ergueu contra as convenções, recuperando o ímpeto
romântico (libertário em sua essência) e extravasando-o: havia, então, um
anarquismo quase infantil, mas politizado e autoconsciente. Ironicamente, a
mídia popular de massa (surgida ainda no período moderno) impõe o novo
clássico: o icônico, a convenção da imagem. Você sabe que um herói entra em
cena no filme pelos cortes, ângulos, fumaça, trilha sonora, postura corporal e
tipo de roupa. Há uma maneira de filmar e apresentar a imagem do herói (tão
estabelecida que já virou alvo de pastiche). Quando se quer que uma banda faça
sucesso, o produtor se preocupa não apenas com a qualidade do material sonoro,
mas com a capa do CD, o site oficial do grupo, as roupas que usarão e os
programas de televisão nos quais estarão.
A
imagem impõe uma nova racionalidade. O conteúdo está vinculado à aparência,
responsável por fomentar o interesse sobre o produto. Ninguém é bem-sucedido se
não usar certa marca de roupa. Ninguém é legal se não ouvir determinada música.
Ninguém faz sucesso se não possui milhões de seguidores. Não à toa, as redes
sociais que mais crescem (Instagram e
Snapchat) não se baseiam em texto ou
informação, mas no poder da imagem, do registro, explorado ad nauseaum. O sucesso inconteste dos youtubers não me deixa mentir.
Nesse
contexto, a mídia adventista se forma. Primeiro, em uma tentativa embrionária,
com a Chapel Records, dos anos de
1950 a 1970. Basicamente, a empreitada nasceu para ser uma gravadora que reunia
os grandes músicos adventistas (King’s
Heralds, Faith for Today Quartet,
Del Delker, Ray Turner, King’s men,
Brad Bradley e, posteriormente, Heritage
Singers). Outras inciativas ganharam formas nas décadas seguintes, em
diversos países do mundo, especialmente os programas radiofônicos e televisivos
(precedidos pelo Voice of Prophecy e Faith for Today nos EUA). Isso até a
consolidação do Hope Channel e seus
similares (Nuevo Tiempo e Novo Tempo, para citar os exemplos presentes em nossa
geografia) e da rede particular 3ABN.
Os
adventistas jamais sonharam em gerenciar um império das telecomunicações. Suas iniciativas
no campo da mídia em massa são para serem encaradas da mesma forma que seus
investimentos em editoras, agências sociais, redes educacional e hospitalar e
indústria alimentícia: são suportes missionários. Devem existir como parte de
um projeto de influência, em prol da mensagem de advertência que deve ser dada
(Ap 14:6-12). O perigo surge apenas quando uma instituição perde seu foco e se
torna um fim em si mesma.
Há
o risco da mídia adventista se tornar um gueto autorreferente. Usar linguagem
que apenas os entendidos assimilem. Seria tremendo desperdício e despropósito. O
outro extremo seria desenvolver uma mídia com mensagens genéricas, mal disfarçando
o tom ecumênico e com exacerbada ênfase na imagem, copiando os modelos
seculares, uma mídia icônica (no sentido negativo). Os efeitos de ambos os
extremos seriam danosos, algo como irrelevância ou entretenimento, o discurso religioso
sectário ou o tom de religiosidade secularizada e carismática (no sentido
religioso, pentecostalizada). O risco permanece e não podemos dizer que se
tenha chegado a um ou outro polo. Porém, todo cuidado é pouco. Resta nos
lembrar que, no mundo da imagem, nossa salvaguarda é a Palavra (Mt 4:4)!
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terça-feira, 20 de setembro de 2016
A MISÉRIA DESTE MUNDO
Nosso mundo é um vasto
hospital [em inglês, lazar house, ou
seja, um leprosário], ou seja, um cenário de miséria em que não ousamos
permitir mesmo que os nossos pensamentos se demorem. Compreendêssemos nós o que
ele é na realidade, e o peso que sobre nós sentiríamos seria terribilíssimo. No
entanto, Deus o sente todo. A fim de destruir o pecado e seus resultados, Ele
deu Seu mui dileto Filho, e pôs ao nosso alcance, mediante a cooperação com
Ele, levar esta cena de miséria a termo. “Este evangelho do reino será pregado
em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim.” Mateus 24:14.
Ellen G. White, Educação, 263.
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quarta-feira, 7 de setembro de 2016
TODOS TEMOS UM PAI
Todos temos um pai – um
modelo gerador de perspectivas. Se nosso pai, nosso referencial, aquilo que
origina nosso filtro para interpretar a realidade, não for Deus, certamente
teremos alguém ocupando a lacuna. Mais do que uma denúncia da hipocrisia dos
judeus, João 8:38 ensina que há a presença do conflito cósmico por trás daquilo
que usamos para determinar o que é a verdade. Nossos pressupostos não se
limitam a tentativas humanas, mas possuem a influência do mundo espiritual.
Isso implica que o resultado final, aquilo que escolhemos ser e a forma como
atuamos no mundo, nos identifica com Deus ou com o diabo (Jo 8:41-42).
De forma similar, o
apóstolo Paulo afirma que o “deus desta era cegou o entendimento dos
descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a
imagem de Deus.” (2 Co 4:4). Segundo o texto, descrer é o resultado da cegueira
provocada pelo diabo. A declaração é complementada com a ideia de que Deus
“mesmo brilhou em nossos corações, para a iluminação do conhecimento da glória
de Deus na face de Cristo.” (v.6). Assim, da mesma forma como no texto de João,
crer ou descrer não depende simplesmente de argumentação lógica ou exposição da
verdade de modo proposicional (ainda que Paulo aluda à “clara exposição do
evangelho”, v. 2); para além dos elementos cognitivos e racionais há o poder de
pressuposições, influenciadas pela atuação de poderes espirituais. Cremos
mediante nossa escolha espiritual em nos “filiar” a um lado do embate cósmico.
Depois disso, criamos uma rede de ideias pré-concebidas contra ou a favor da
verdade. Por essa razão, Jesus sabia da inutilidade em realizar sinais diante
de uma geração incrédula (Mt 12:29; 16:4). E novamente Paulo postula que as
coisas espirituais se entendem de modo espiritual, ou seja, por pessoas
relacionadas com elementos espirituais (1 Co 2:13-14), sem excluir a atuação do
Espírito do processo de decodificar a mensagem divina aos homens (a Verdade, na
linguagem joanina).
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quarta-feira, 31 de agosto de 2016
DO EXISTENCIALISMO PRIMITIVO AO PRINCÍPIO POPEYANO
Do existencialismo primitivo ao princípio popeyano: considerações pseudo-acadêmicas
A genética do existencialismo parece não constar nas
discussões filosóficas hodiernas, razão pela qual retomo aqui alguns conceitos
que me parecem fundamentais para uma compreensão mais bem acurada da fundação
do pensamento contemporâneo. Em um famoso discurso de matizes existencialistas,
proferido em Bredock, ainda em 1960, destaco a frase-conceito “yabba dabba doo”
(Flintstone, 1960). De etimologia
incerta, o termo deveria ser submetido não à arqueologia do saber, mas ao
método arqueológico que admite “Algumas vezes, buscar por tesouros perdidos não
é arqueologia. É corrida contra o mal.” (JONES, 1986).
Não é de todo inverossímil pensar nas elucubrações a
respeito do “yabba dabba doo”, grito de alforria contra uma sociedade
conservadora. Aliás, aliada a essa expressão, nos deparamos com outra de teor
igualmente libertário, que remonta a um período posterior: “Capitão Caveeerna”
(CAVERNA, 1977). Em ambas se depreende uma ontologia da rusticidade, e é forçoso
evocar a noção do ser em estado bruto, ou cheio de astúcia, para empregar um
termo caro a Chapolin (1970).
Todavia, o “elo”, no dizer de Cebolinha, seria confinar
tais libelos à sua própria época, esquecendo-se de que “yabba dabba doo”
carrega uma compreensão hermenêutica poderosa – e “com grandes poderes, vem
grande responsabilidade” (PARKER, 1962). Aqui me refiro à vitalidade do ethos primitivo como incentivo
libertário, fator primordial para se reaver a vitalidade em tempos nos quais
sói constatar, no dizer de Hard, “oh vida, oh azar” (1962). É preciso também
constatar, parafraseando o último Yoda, que de mais ânimo precisamos nós para
uma consciência nova ter. Talvez seja uma outra maneira para a experiência de
ativar o sétimo sentido (SEYA, 1986).
Somente a legitimação da consciência histórica evitará auto
repressões frequentes (MENUDO, 1984). Não posso olvidar nesse ponto o tema do
ciúme como forma repressiva (ULTRAJE A RIGOR, 1985). Mensurar o preço da
repressão é medida sinus qua non para
um apelo à experiência yabbadabbaduística. Aliás, outro cuidado que é mister é
mensurar a síndrome do “trauma de Marta” (BATMAN, 2016).
Resta um alento para a condição de insuficiência
instigada pelas demandas dessa selva de Pedras (TITÃS, 1989): a busca por um
elixir potencializador. Isso já é adotado por algumas culturas, como o exemplo
de comidas exóticas (NATIONAL KID, 1960). E não se pode escapar do exemplo
clássico legado pela ideologia popeyana – o famigerado espinafre (POPEYE,
1929). Creio que esses artifícios darão suporte a uma existência municiada de “ousadia
e alegria” (NEYMAR, 2010). Enquanto isso, o ser-aí fica por aí mesmo…
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
quinta-feira, 9 de junho de 2016
O USO APOCALÍPTICO DA EXPRESSÃO “NOVO CANTO” E SEU SIGNIFICADO PARA A ADORAÇÃO
Douglas Reis
Os
hinos que aparecem no Apocalipse (4:8-11; 5:9-14; 7:10-12; 11:15-18; 12:10-12;
15:3-4 e 19:1-8) se originam em um contexto de “concílio divino”. Tal expressão
descreve imagens utilizadas pelos profetas que situam Yahweh entre seres celestiais.[1] A
maioria dos hinos possui caráter antifonal (i.e. partes cantadas por um grupo e
repetida por outro).[2]
Justamente na cena introdutória do sete
selos (Ap 4-5),[3]
no que seria o segundo canto a constar no livro, encontramos a primeira
ocorrência da expressão “novo canto” (Ap 5:9). Ela é novamente utilizada por
João na descrição dos 144 mil (Ap 14:3). O propósito desse artigo é discutir o
significado do “novo canto” em seu contexto apocalíptico. Ao fim, sugere-se
quais seriam as implicações da expressão para a adoração.
Entre
os modelos de interpretação do Apocalipse, os mais conhecidos seriam:
historicismo, preterismo, futurismo e idealismo. Tradicionalmente, a Igreja
Adventista emprega o modelo historicismo, método já utilizado desde a Reforma
Protestante e também seguido pelos mileritas.[4]
Devido
à delimitação de espaço, aqui não se tratará exaustivamente de estrutura do
Apocalipse. Entre os intérpretes adventistas, há décadas[5] se
defende a estrutura quiástica do livro, às vezes de modo tão intrincado que soa
pouco plausível;[6]
apesar da existência de quiasmos no Novo Testamento, o intérprete pode
selecionar temas de sua escolha, o que favorece a criação de quiasmos como
parte da estrutura de um livro inteiro.[7]
Por isso, esse trabalho assumirá somente as cenas do Apocalipse propostas por
Stefanovic[8] e
a divisão entre parte histórica (Ap 1:10-12:17) e escatológica (Ap 15:1-22:9),[9] ou
“a presença sustentadora de Cristo e Seu glorioso advento”.[10]
“Novo canto” em Apocalipse 5:9
Em
Apocalipse 4-5 o acúmulo de diversos elementos relacionados ao santuário sugere
um processo no qual todo o santuário esteja envolvido; no Antigo Testamento, em
apenas duas ocasiões isso ocorria: no dia da expiação (Lv 16) ou na inauguração
do santuário (Ex 40; 1 Rs 6-8).[11]
As duas possibilidades suscitaram acalorado debate entre intérpretes
adventistas.[12]
Entretanto,
parece que o peso da evidência favorece a ideia da inauguração: (1) a conexão
da cruz com a entronização (Ap 3:21), conceito também presente no livro de
Hebreus (8:1-10:22); (2) a presença do cordeiro, o sacrifício usual da
inauguração (Ex 40:29; Lv 1:10); (3) a ausência de termos ligados a julgamento
e o fato do sacrifício resultar em intercessão (5:8); (4) a ligação do dia da
expiação com a seção final do livro;[13]
(5) O paralelo entre Apocalipse 4-5 e 19:1-10,[14]
de onde se nota que o início do ministério celestial de Jesus precede os selos
históricos (Ap 6:16-17; 8:1), enquanto os “selos escatológicos” (Ap
19:11-21:1-8) são precedidos pela última cena do santuário celestial no
Apocalipse (19:1-10), com hinos que celebram o julgamento da meretriz/Babilônia
(Ap 17-18);[15]
(6) a linguagem usada por João deliberada e intencionalmente remetendo ao tipo
de entronização do rei messiânico predito no Antigo Testamento (cf.: 2 Rs
11:12-19; 2 Cr 23:11-20; 1 Rs 1:32-40); (7) o cumprimento da promessa da
perpetuidade do reinado messiânico (Jr 23:5; 33:14-22; Ez 37:24:28; Am 9:11-12;
cf.: Dn 7:13-14) como fator central para
a igreja primitiva, que viu seu cumprimento em Cristo (Fl 2:6-11);[16]
(8) O contraste entre Daniel 7:9-14, claramente uma cena de juízo, com
Apocalipse 4-5.[17]
Por essas razões, o presente artigo assume que o contexto de Apocalipse 4-5
reporta à entronização de Jesus e à inauguração do serviço do santuário
celestial.
Alguns
sugerem que todos representados ao redor do trono – inclusive João – se
encontram ali como seres espirituais, ou seja, suas almas estão ali, não seus
corpos.[18]
Entretanto, essa conclusão parte de pressuposições especialmente vinculadas ao
conceito da atemporalidade do ser divino.[19] A
cena possui diversos personagens reais: “Aquele que está assentado no trono”
(Ap 4:3, 9; 5:7,13), adorado pelos demais personagens, é identificado como o
Deus criador (Ap 4:10-11). Os “vinte e quatro anciãos” (Ap 4:4, 10; 5:6,8,14),
que aparecem em outras partes do livro (7:11, 13; 11:16; 14:3; 19:4), são provavelmente
santos glorificados, em possível alusão aqueles que ressuscitaram por ocasião
da morte de Jesus (Mt 27:51-53).[20] O
Espírito Santo é representado pela expressão “os sete espíritos de Deus” (Ap
4:5; 5:6). Os “quatro seres viventes” (Ap 4:6-8; 5:6,8,14) são anjos, talvez serafins
(Is 6:2-3);[21]
pode-se ver no livro de Ezequiel (1 e 10) a interação constante entre Deus, Seu
trono e os quatro seres.[22] O
Cordeiro/Leão (Ap 5:5-6,8, 12-13) é uma representação do Senhor Jesus, o rei
messiânico da linhagem de Davi e o Servo Sofredor que Se entregou pela
humanidade (cf.: Is 53). Por fim, se menciona a presença de “muitos anjos,
milhares de milhares e milhões de milhões” (Ap 5:11).
O
capítulo 5 se inicia com a questão do livro contendo sete selos (Ap 5:1), ou
seja, um livro perfeitamente selado, sendo que a construção verbal indica um
“passivo divino”, revelando a intenção divina de selar o livro.[23] Enquanto
Apocalipse 4 dá destaque a Deus, o Pai, vemos no capítulo seguinte a atenção
ser voltada para Jesus, estando ambos intricadamente conectados.[24] A
dignidade do Cordeiro, predicado que lhe permite abrir o livro, está associada
com três elementos: (1) a morte violenta: ao dizer que o Cordeiro foi morto (gr.:
sphazō), João fala de um violento
assassinato, aludindo à morte do cordeiro pascal; (2) a compra dos homens:
comprar (gr.: agorazō) implica em
transação comercial, como no caso da compra de escravos; (3) o estabelecimento
do reino.[25] Ademais, Apocalipse 5 trata da transferência
do julgamento divino para Cristo, que assume a responsabilidade como Senhor da
História humana.[26]
Assim
como no final do capítulo 4 (v.11) existe um hino ao Criador, no capitulo 5 o
foco da adoração é o Cordeiro (v.9-10, 12-13). Ambos os hinos permitem aos
adoradores participarem tanto do passado (criação), quanto do futuro (vitória
gloriosa do Deus redentor).[27] O
hino entoado no capítulo 5 é denominado um “novo canto” (gr.: ödën kainën). A expressão nos remete
especialmente ao livro de Salmos (33:3, 40:3, 98:1; 144:9, 149:1), mas também a
Isaías (42:10). No texto hebraico, a expressão (shiyr chädäsh) é a mesma em todas as passagens. Todavia, na
Septuaginta, ödën kainën aparece
somente em Salmo 144:9, sendo usados termos equivalentes nos demais textos. E
geral o “novo canto” se relaciona à (1) exaltação da providência de Deus,
desdobrada em Seu poder criador e na proteção ao povo da aliança (Sl 33); (2) libertação
em momentos de crise (Sl 40; 144); (3) a vitória e juízo divinos (Sl 98, 149;
Is 42). Esses três aspectos estão presentes no canto dos anciãos (Ap 5:9-11).
“Novo canto” em Apocalipse 14:3
Os
eventos iniciados em Apocalipse 12 e desdobrados no capítulo seguinte são
interrompidos por uma nova sequência de eventos iniciados no capítulo 14.[28] O
povo selado de Deus aparece no monte Sião, como cumprimento de Joel (2:32), o
que implica na vitória final de Deus libertando Seu povo no tempo do fim.[29]
Há
paralelos entre Apocalipse 14:1-5 e 7:1-8: (1) a menção aos 144 mil; (2) a
marca da besta e o selo divino (que em 14:1 é explicitamente relacionado com o
nome do Cordeiro e de Seu Pai).[30]
Outro interessante paralelo entre Êxodo 19 e Apocalipse 14:1-5 é mostrado por
Shea: (1) localização: monte Sinai (Êx 19:23) / monte Sião (Ap 14:1); (2) localização:
ao pé do monte (Êx 19:23) / no monte (Ap 14:1); (3) pessoas presentes: 12
tribos de Israel (Êx 19:1, 3, 6) / 144 mil, vindos das 12 tribos de Israel; (4)
uma voz do céu: trovões e instrumentos musicais – de trombeta (Êx 19:16) /
trovões e instrumentos musicais – harpas (Ap 14:2); (5) origem do povo: remidos
do Egito (Êx 19;4) / remidos da Terra (Ap 14:3); (6) pureza do povo: “não se
acheguem a mulher” (Êx 19:15) / “não se contaminaram com mulheres” (Ap 14:4);
(7) pureza do povo: Moisés consagrou o povo “e eles lavaram as suas vestes” (Êx
19:14) / são “imaculados” (Ap 14:5); (8) palavras do povo: “Faremos tudo o que
o Senhor ordenou” (Êx 19:8) / “Mentira nenhuma foi encontrada em sua boca.” (Ap
14:5).[31]
A
expressão “novo canto” aparece de novo nesse capítulo (14:3), seguida pela
observação peculiar: “Ninguém podia aprender o cântico, a não ser os cento e
quarenta e quatro mil que haviam sido comprados [gr.: agorazō] da terra.” Digno de nota é o uso do verbo comprar (agorazō) e sua reiteração (Ap 14:4), aparecendo
como traço identificador dos 144 mil. O termo ocorre outras duas vezes no
Apocalipse, com referência às atividades da besta (Ap 13:17; 18:11); porém,
tanto no capítulo 5 quanto no 14, a ação redentora do Cordeiro é o tema do novo
canto, o que acaba potencializado pelo fato de uma multidão de salvos cantar
dessa experiência diante da coorte celestial. Sem dúvida, um canto que “é a
expressão da experiência vitoriosa vivida com Cristo, em meio às tribulações que
lhes causou a guerra do dragão.”[32]
Considerações finais
Ao
considerar as duas ocorrências da expressão “novo canto” em Apocalipse (5:9;
14:3), fica claro que ela se aplica a seres redimidos, que experimentaram a
transformação integral (1 Co 15:54-55), na condição daqueles que ressuscitaram
por ocasião da morte de Jesus ou como parte da multidão de remidos reunida
durante o retorno de Jesus (1 Jo 3:1-2). O que podemos aprender ao receber
informação inspirada sobre a adoração perfeita daqueles que foram resgatados da
servidão do pecado? Sugiro quatro importantes preceitos:
1.
A adoração é centrada em uma experiência espiritual a partir de algo que Deus
realiza na vida do adorador: ninguém pode participar da adoração a não ser que
compreenda e reconheça as ações divinas em seu favor. Adorar é resposta do
homem, não sua iniciativa. Qualquer estímulo para a adoração que não esteja
focado na ação redentora de Deus será insuficiente, gerando uma atmosfera de
formalismo ou de entretenimento religioso alheio à teologia bíblica;
2.
A adoração é manifesta em uma experiência comunitária a partir do que Deus
realiza por Seu povo: embora possua aspectos pessoais, a adoração apresenta
viés coletivo. O culto não é mero ambiente para a socialização, mas uma reunião
daqueles que experimentam coletivamente as misericórdias de Deus. A ideia de
que se pode adorar a Deus à parte da comunidade da fé não é bíblica e tampouco
contribui para um desenvolvimento espiritual do adorador;
3.
A adoração é traduzida na experiência de exaltar a Jesus acima de qualquer
outro componente humano: para além de reconhecer os atos de Deus, é necessário
enaltecer Sua pessoa. Em ambos os textos, Pai e Filho são adorados por méritos
(Suas ações) e atributos (quem são). Quando Jesus é exaltado, é impossível
deixar de cultivar a submissão, a entrega, a obediência e o serviço a Ele. Não
há espaço para ruídos na adoração, porque as atenções se voltam para Aquele que
as merece acima de qualquer outro ser no universo. Evidentemente, para que isso
ocorra, a adoração não pode ser antropocêntrica, preocupada em produzir satisfação
ou êxtase emocional, procurando elementos da cultura secular que atraiam o
adorador. A adoração necessita ser compatível com a santidade, dignidade e
pureza dAquele que é o Cordeiro de Deus;
4.
A adoração é declarada na experiência de testemunhar para todo o universo a singularidade
da redenção: os atos de Deus no conflito cósmico revelam Seu caráter e, ao
reconhecer Sua bondade em nos redimir, testemunhamos para o Universo Seu amor
incomparável. Ainda que os seres não caídos entendam apenas conceitualmente
aquilo que experimentamos, poderão comprovar a retidão dos juízos de Deus em
nossa vida.
Certamente,
mesmo na realidade da vida cristã em santificação, já nos inserimos no contexto
de adorar a Deus com um “novo canto”. À medida que avançamos em relacionamento
com Deus mediante Jesus, o Espírito Santo nos preparará para a adoração na
eternidade. Portanto, se faz preciso renovar diariamente nossa experiência como
verdadeiros adoradores, fortalecendo-nos para a batalha final em torno de quem
merece ser adorado.
[1] Steven Charles Grabiner, “Revelation’s Hymns:
Commentary on the Cosmic Conflict” (tese doutoral, University of South Africa,
2013), 318–319,
65.
[3] Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ:
Commentary on the Book of Revelation, 2a ed. (Berrien Springs,
Mich: Andrews University Press, 2009), 30.
[4] Zoltán Szarlos-Farkas, The Rise and Development of
Seventh Day Adventist Spirituality: The Impact of the Charismatic Guidance of
Ellen G. White (Cernica, Romania: Institutului Teologic Adventist, 2005),
97–98; Douglas Morgan, Adventism and the American Republic: The Public
Involvement of a Major Apocalyptic Movement (Knoxville: University of
Tennessee Press, 2001), 6. “Durante a
última geração tem havido vários desafios à compreensão adventista de Daniel e
Apocalipse. Alguns que desejam ampliar nossa compreensão ou focalizar de modo
especial essas profecias, ofereciam aplicações especulativas da profecia na
história.” Jon
Paulien, “A Hermenêutica Da Apocalíptica Bíblica,” in Compreender as
Escrituras: Uma Abordagem Adventista, ed. George Reid (Engenheiro Coelho,
São Paulo: Unaspress, 2007), 245.
[5] “Durante este terceiro e último
período [a partir de 1970], muitos eruditos bíblicos adventistas começaram a
apreciar a arte interna do Apocalipse de João e focar seu estudo na composição
literária do livro e sua unidade estrutural”. Glúder
Quispe, The Apocalypse in Seventh-day adventist interpretation (Lima,
Peru: Universidad Adventista Unión, 2013), 199. Strand foi pioneiro nessa nova
tendência. Ver Kenneth A. Strand, Interpreting the Book of
Revelation: Hermeneutical Guidelines, with Brief Introduction to Literary
Analysis, 2da ed. (Naples,
FL: Ann Arbor Publishers, 1979).
[6] Shea compara os quiasmos de
Apocalipse às rodas da visão de Ezequiel, defendendo estruturas quiásticas
dentro de outros quiasmos, relacionandos à macro-estrutura de um livro. William H. Shea, “The Controversy over the
Commandments in the Central Chiasm of Revelation,” Journal of Adventist
Theological Society (Berrien Springs, MI, 2000), vol 11, no 1-2,
216.
[7] David A. deSilva, “X Marks the Spot? A Critique of Use
of Chiasmus in Macro-Structural Analyses of Revelation,” Journal for the
Study of the New Testament (London, UK, 2008), vol. 30, no 3,
368–369.
[9] C.
Mervin Maxwell, Uma Nova Era Segundo as Profecias Do Apocalipse, 3a
ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), 62–63. Naden sugere que a parte
histórica se estenda de Apocalipse 1-12:12 e a parte escatológica cubra
12:11-22. Roy C. Naden, The Lamb among the the Beasts: A
Christological Commentary on the Revelation of John Unlocks the Meaning of Its
Many Numbers (Hagerstown, MD: Review & Herald Publishing, 1996), 20.
[10] Hans LaRondelle, How to understand the end-time prophecies
of the Bible (Sarasota, FL: First Impressions, 1997), 99.
[11] Jon Paulien, “The Role of the Hebrew Cultus,
Sanctuary, and Temple in the Plot and Structure of the Book of Revelation,” Andrews
University Seminary Studies (Berrien Springs, MI, 1995), vol. 33, no.
2, 251.
[12] Sumários das duas posições se
encontram em: Norman
R Gulley, “Revelation 4 and 5: Judgment or Inauguration?,” Journal of
Adventist Theological Society (Berrien Springs, MI, 1997), vol. 8, no
1-2; Milton
L. Torres, “Apocalipse 4 e 5 na teologia Adventista,” Revista Teológica Do
Salt-Iaene (Cachoeira, Bahia, 1997), vol 1, no2.
[14] LaRondelle sugere que o terceiro
paralelismo do livro seria as seções de 4-6 e 19-2. LaRondelle, How to Understand the End-Time
Prophecies of the Bible, 101.
[15] Maria Emilia Schaller de Ponce, “Reciprocidad
Teológica de Apocalipsis 4-5 Y 19:1-10 Y Su Beneficio En La Interpretación de
Apocalipsis 4-5” (Tese de graduação, Universidad Adventista del Plata, 2004),
161, 118.
[16] Ranko Stefanovic, “The Background and Meaning of the
Sealed Book of Revelation 5” (tese doutoral, Andrews University, 1995), 208–218.
[19]
Para uma discussão sobre os efeitos danosas de pressuposições gregas para o
entendimento sobre Deus e o impacto disso na teologia, ver Raúl Kerbs, El problema de la identidad bíblica del
cristianismo: las presuposiciones filosóficas de la teología cristiana: desde
los presocráticos al protestantismo (Libertador San Martín: Editoral
Adventista del Plata; Adventus, 2014), 69-80.
[22] Silvia Scholtus, “Los Seres Viventes de Apocalipsis:
Posibles Relaciones de Tiempo Entre Las Escenas Segundo Y Cuarta,” DavarLogos
(Entre Ríos, Argentina, 2013), vol. XII, no
1-2, 163.
[27] M. Eugene Boring, Revelation: Interpretation: A
Bible Commentary for Teaching and Preaching (Louisville: Westminster John
Knox Press, 2011), 112.
[28] John N. Andrews, Three Messages of Revelation 14
(Nashiville, TN: Southern Publishing Association, 1970; fac-símile da edição
original, Battle Creek, MI, 1892), 10–11.
[31] William H. Shea, “Literary and Theological Parallels
between Revelation 14-15 and Exodus 19-24,” Journal of Adventist Theological
Society (Berrien Springs, MI, 2001), vol. 12, no 2, 166.
[32] Mario Veloso, Apocalipsis Y El Fin Del Mundo: Fe
Para Enfrentar La Crisis Final (Buenos Aires, Argentina: Asociación Casa
Editora Sudamericana, 1999), 172.
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