Desde a década de 70, Luteranos e Católicos promovem um diálogo mútuo, com intenções ecumênicas, o que tem rendido alguns documentos expressando pontos doutrinários comuns entre as duas tradições. Em parte, este entendimento parece divergir do princípio Sola Scriptura adotado por Lutero, que consiste em tratar a Bíblia como regra de fé e única autoridade para determinar a crença cristã. Sutilmente, as denominações envolvidas procuram se unir em pontos que as suas respectivas tradições compartilham, sem considerar, mediante estudo da Bíblia, em que aspectos seus credos precisam ser corrigidos e alinhados com a doutrina bíblica.
Isso nos faz imaginar o que o próprio Lutero diria se estivesse vivo e presenciasse as condições do diálogo entre seus confrades e os católicos. Basta nos lembrar de que, na época de Lutero, um de seus mais próximos colaboradores, Felipe de Melancton, foi duramente combatido por irmãos luteranos e até repeendido pelo próprio Lutero, por ter se mostrado, em mais de uma ocasião, "flexível" demais em diálogos (não espontâneos, mas convocados pelo imperador do Sacro Império Germânico) interdenominacionais. Talvez os luteranos contemporâneos deveriam ser chamados de "filipinos", por uma questão de justiça...
Seja como for, o papa Bento XVI parece satisfeito com o rumo do diálogo com os "filhos pródigos da Igreja Mater" (assumo o risco pela autoria da expressão). O tópico que o diálogo aborda é o da justificação pela fé, o mesmo que impulsionou o jovem doutor Lutero a pregar contra os abusos romanos em pleno século XVI, quando acender uma fogueira para um herege era uma atividade que não demandava muita burocracia. Em 31 de Outubro de 1999(mesma data em que Lutero colocou suas 95 teses no castelo de Witenberg, ato-símbolo da Reforma na Alemanha, em 1517), um documento fora assinado por católicos e luteranos, expressando sua crença comum na justificação.
Que ninguém entenda isso como uma confissão de mea-culpa da parte Católica! Ontem, diante de uma delegação filandesa representando interesses ecumênicos, Bento XVI expressou seu desejo da união do corpo de Cristo: "A Igreja é este Corpo místico de Cristo e é guiada continuamente pelo Espírito Santo; o Espírito do Pai e do Filho. Só baseando-se nesta realidade encarnacional se poderá compreender o caráter sacramental da Igreja como comunhão em Cristo." Esta declaração do pontífice, que aparece no site Zenit, revela o próximo passo: uma união, baseada na compreensão da universalidade do corpo de Cristo, um re-aproximação que apela para a unidade da igreja.
Os movimentos ecumênicos adotam João 17 como sua oração de cada dia, esquecendo-se que a unidade da igreja não passa por cima dos alicerces da igreja, os quais se constituem de facetas da Verdade revelada, em torno da qual os que aceitaram a pessoa de Jesus devem se unir; sem esta Verdade bíblica, toda tentativa de união não chega a formar o corpo de Cristo - ora, Cristo não é outro do que Aquele que se acha revelado; rejeitar a revelação, em detrimento de manter as tradições religiosas, é distorcer o Cristo!
Percebe-se igualmente nas entrelinhas do depoimento papal a doutrina católica da igreja como depositária dos sacramentos, abrindo a porta para outras ideias nocivas, como as indulgências, a intercessão dos santos, a infabilidade papal, etc. Tais dogmas têm em comum a ênfase nos méritos pessoais que tanto o Senhor Jesus, como algumas pessoas (os santos) alcançaram, e que se encontram acessíveis à comunidade dos crentes, através de sua administração feita pela igreja. Por isso, a Igreja Católica é uma denominação essencialmente sacramental, em que os sacramentos se definem não apenas por símbolos da Graça, mas rituais que igualmente servem de conduto para a Graça (ou seja, rituais que operam a salvação, paradigma teológico que nega a exclusividade da obra de Cristo!).
Só nos resta aguardar para ver os efeitos do diálogo entre católicos e fili...quer dizer, luteranos e o impacto disto sobre os cristãos em geral.
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