“Não pode passar por baixo de escada, cruzar com um gato preto e derramar o saleiro”. Eu caminhava apressado pelo corredor da escola quando ouvi a frase. Na minha correria, tudo pareceu desconexo e despropositado. Voltei-me ao garoto, assentado na mesa do monitor, para tentar compreender aquela enunciação sibilina.
O leitor mais conectado aos acontecimentos já entendeu do que se tratava. Antes de me acusarem de alienado, tenho a apresentar em minha defesa que superstições não me interessam. Mesmo em um dia como hoje. Simpatias e mandingas são coisas de políticos e técnicos de futebol. É o prefeito tal que anda com fitas da cabala e cruzes no pescoço. É o treinador do time tal que, em jogo de decisão, usa três meias no pé esquerdo.
E quando uma coincidência endossa a superstição, qualquer que seja, ela ganha foros de prática comprovada. Claro que isso nada tem que ver com a verdadeira fé, uma atitude de compromisso com as razões que Deus nos dá para confiarmos nEle. Entretanto, quantos cristãos não sucateiam a fé e se fazem os mais supersticiosos dos homens! (leia mais sobre isso aqui)
Aliás, existe uma relação fundadora entre cristianismo e a sexta-feira treze; o leitor conectado ao mundo sabe. Mas como nem todos que me leem pertencem a esta categoria, vamos lá: Jesus foi morto em uma sexta-feira, após ter ceiado com doze apóstolos (e, portanto, estavam os treze à mesa). Claro que há um lapso nesta estranha simbologia: a ceia aconteceu na quinta, véspera da crucifixão. Erros no cômputo à parte, prevaleceu a crendice em torno da sexta-feira treze (que só poderá ser rivalizada pela pós-moderna mística em torno do número onze e as teorias conspiratórias sobre ele, as quais rondam sites e fóruns bem crédulos).
Mas pensando na ceia do Senhor, será que não podemos ver ali um caso de azar ou um tipo de predestinação de mau agouro derramada sobre o infeliz Judas? Estaria o mais odiado dos doze escolhidos irremediavelmente marcado para o papel de delator do Messias, até contra a sua vontade? Em benefício do leitor desatento é preciso que se diga: não! Judas escolheu seu papel.
Trair Jesus foi fruto de uma decisão livre. Após ser diretamente confrontado por Jesus (Jo 12:4-5, 7-8), Judas teve a iniciativa de procurar os sacerdotes com a proposta de entregar-lhes seu Mestre (Mt 26:14-16). A repercussão amarga da deslealdade arruinou a paz de espírito do apóstolo traidor e o levou ao suicídio (Mt 27:1-10; At 1:15-19). Como se vê, tanto na vida de Judas, como em nossa própria, não há azar ou sorte: as escolhas é que contam!
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