Tomar
a Bíblia como base para justificar qualquer premissa concebida a priori é agir
deslealmente com a Palavra de Deus. E exemplos dessa prática desonesta são
abundantes. O mais recente partiu do etnógrafo Eric Eliason, da Universidade
Brigham Young (EUA). Ele conseguiu enxergar na história de Davi uma narrativa
de darwinismo literário [1].
Para
começar, o estudioso aponta que, pelo fato de Bate-seba estar em período fértil
(nós a vemos se purificando com um banho, como mandava a lei; cf: 2 Sm. 11:2),
ela agiu como as mulheres nesta fase, ou seja, “de forma mais provocante”.
Eliason justifica que por uma luxúria biologicamente justificável, a mulher
apareceu nua aos olhos de Davi. Nesse caso, Bete-Seba seria a sedutora
irresistível. Seria correto pensar assim?
Davidson,
estudioso do texto bíblico, argumenta que o terraço do palácio real garantia
uma vista panorâmica das “moradias no Vale do Cedron imediatamente abaixo”.
Para ele, isso é enfatizado pelo texto quando é dito que Urias, marido de
Bete-Seba, em visita ao palácio, teria de “descer” para ir a sua casa (vv.
8-13). Além disso, as residências da época consistiam de quatro quartos em
torno de um pátio central aberto, no qual as pessoas tomavam banho.
Provavelmente, do terraço de Davi podia se ver quem quer que estivesse se
banhando nos pátios descobertos. Por isso, transitar pelo terraço se tornou “o
primeiro passo deliberado [dado por Davi] em sua queda moral.” Logo, não seria
“irrazoável assumir que o código de decência geralmente aceito nos dias de Davi
incluía o entendimento de que era inapropriado olhar” a partir do terraço para
as casas abaixo. Essa exposição destrói a pressuposição de que Bete-Seba se
ofereceu a Davi. O único culpado no relato é o próprio rei, não a mulher de
quem ele se aproveitou [2].
Aparentemente,
as demais premissas que Eliason explora são baseadas em fatos mais concretos.
Ainda assim, temos que procurar sondar suas motivações. O darwinismo conclui
que as características humanas foram preservadas (inclusive, através de
registro literário) como as encontramos porque, de certa forma, contribuíram
para a evolução da espécie. Acontece que esse pressuposto afeta diretamente à
moral, porque se todas as características humanas que existem são naturais e
justificadas pela Biologia, segue que estupro, assassinato, adultério e roubo
não são crimes, mas fruto da seleção natural!
Em
contrapartida, o relato de Davi está na Bíblia para ressaltar a humanidade dos
homens do passado, como forma de nos instruir a confiar em Deus, a fim de não
cometermos os mesmos erros que aqueles santos (Rm. 15:4). A perspectiva com que
a história de Davi é contada faz, portanto, toda a diferença.
[1] “A Bíblia dá razão a Darwin?”, Galileu, Março de 2009, nº 212, p. 28.
[2] Richard M. Davidson, “Did King
David Rape Bathsheba? A case study in narrative theology”, disponível em http://www.atsjats.org/publication_file.php?pub_id=318&journal=1&type=pdf&PHPSESSID=55486d38cbe86269aaf4c8d2ff5,
3-5. Davindson enumera 18 razões para entendermos que Davi é responsabilizado
pelas circunstâncias deste caso. Seu trabalho merece ser conferido.
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