terça-feira, 31 de março de 2009

TRABALHO CAPRICHADO

Por José O. Filho

A profissão de professor de vez em quando brinda aqueles que a exercem com acontecimentos pitorescos. Num dia desses me ocorreu um episódio assim quando me deparei com um trabalho escolar no mínimo intrigante. O papel utilizado trazia uma decoração bem bonitinha, dessas que vêm nesses cadernos caros, que fazem a alegria dos comerciantes e o desespero e reclamação dos pais que, afinal de contas, são os que têm de pagar a conta. Era escrito com caneta de tinta de gel colorido. O cabeçalho de uma cor, o título de outra e ainda o texto propriamente dito, de outra. A letra era redondinha e caprichada. Uma beleza à primeira vista, porém além de estar repleto de erros ortográficos e de concordância, fugiu totalmente do tema proposto.

Ao receber o trabalho corrigido e com a nota correspondente, ou seja, muito baixa, o aluno reclamou de forma veemente e até acintosa, reivindicando uma boa nota com o argumento de ter caprichado na estética. Disse que o professor “teria que levar em conta o capricho”.

Tal fato me levou a refletir no valor da aparência para a nossa sociedade. Nossos jovens estão sendo levados a, desde cedo, priorizar a aparência. O que vale é como me apresento, o que estou vestindo, usando, consumindo, enfim, ostentando e não o que realmente sou. E esta ostentação de que falo não é somente de coisas luxuosas. Existem vários níveis de ostentação. Desde mostrar aos amiguinhos uma caneta diferente, um celular, um brinquedo... Na verdade, todos nós gostamos de ser notados e sobressair em meio aos que nos cercam. Estão aí os programas de reality show, que não me deixam mentir. Mas quando esse exibicionismo passa dos limites, torna-se um problema muito sério. Não li nenhum estudo a respeito, mas posso arriscar especular que parte considerável dos problemas relacionados à criminalidade têm, em sua raiz, indivíduos que querem “ter” e consumir sem possuírem os requisitos necessários para exercer um emprego que remunere o equivalente aos hábitos de consumo não só desejados, mas muitas vezes, praticados.

Diante disto, fica-nos o alerta: não estaria na hora de mudarmos alguns paradigmas e pensar em uma maneira de educar nossos filhos com mais responsabilidade e até simplicidade? Mostrar que a prioridade de qualquer indivíduo deve ser o ”ser”. Que o “ter” será uma conseqüência, pois a sociedade precisa de bons profissionais que não somente aparentem ser competentes, mas que realmente o sejam?

O caminho mais correto sempre é o mais árduo de trilhar, mas é também aquele que, no seu término, trará mais prazer e realização.
E o aluno?
Continua fazendo trabalhos esteticamente perfeitos, mas, após muita conversa, correções e reescrita de trabalhos escolares, está melhorando no conteúdo. O que convenhamos, em se tratando de educação nestes tempos difíceis, já é uma vitória.

Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Colégio Adventista de Itajaí – SC, além de um grande amigo pessoal, José Oleriano escreve com exclusividade para o Questão de Confiança

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