Raios nos pés, fogo nos rins, embalados por uma ânsia acumulada que se transmudara em alegria, prester a ter vazão por meio do grito, e eles, que há poucas horas viviam de luto.
Antes viam e não sentiam. Agora, não O veem, embora experimentem Sua proximidade. A nova tem que atravessar a cidade. Onze criaturas derrotadas serão adocicadas com a seiva da notícia do que a dupla viveu. Por isso, eles correm num fôlego sem pausa.
A cidade encrustada com resquícios de feriado. Poucas portas abertas. Mulheres caminham com olhares distantes e baixos. Os sorrisos secam-se nas bocas das crianças. Os párias perambulam sem afeto alheio. Apenas os sacerdotes mantêm seus rituais com alguma imponência cínica, ensaiando comemorar a vitória, mas cientes do mal-estar predominante.
Os dois homens não têm tempo para os detalhes. Ainda são velozes e entusiastas. Lembram-se de usar de cautela quando estão às portas. Batem, e sussurros interiores antecedem ao destravar das trancas. A luz do dia chega pela primeira vez a um ambiente inerme. Entram.
Seu relato desperta desconfiança. Não pelo ineditismo – outros, ou melhor, outras já disseram de uma pedra rolada e um túmulo vazio. Dois pescadores haviam pesquisado o ambiente. Hoje, o recinto no qual se reúnem congela de ansiedade.
Mas dois corações esbraseados se dilataram subitamente, num frêmito de reverência. Não estavam enovelados por dilemas humanos insolúveis. O divino invadia Sua esfera.
Olharam-se. Notaram, então. A figura majestosa, surgida de que lugar?, não de um sonho, o que não ocorre a céticos acordados. Era a mesma figura de antes, de quando suas mãos grossas lançavam redes ao mar ou quando, poluídos pelo contato mundano da coletoria, ouviram o chamado. Num só instante, seus olhos recuperaram a imagem de paralíticos saltando, mudos cantarolando e leprosos recebendo abraços e afagos. Viam em retrospecto as praias invadidas por gente humilde, de artesãos a curtidores, de mulheres a crianças.
Era o resgate de uma alegria testemunhada com lágrimas. E, no calor da aparição, o silêncio da lembrança, a evocação dos três últimos anos, emudeceu para captar a frase poderosa, dita com entonação passional. Eram poucas as sílabas, ainda que o significado não pudesse ficar restrito à sentença que o punha em relevo. Atônitos e perplexos, maravilhados e incontidos, aqueles homens pararam para ouvir Aquele que vive para sempre dizer: “Paz seja convosco!”
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