Desde o pontificado pop de João Paulo II, a igreja Católica explica a origem da vida através do Evolucionismo Teísta – uma aceitação seletiva da teoria de Darwin, mas cujo início do processo repousa na ação divina, não no acaso. De seres simiescos surgiram humanos dotados de alma.
Recentemente,
Lorenzio Facchini, professor de biologia evolutiva da Universidade de Bologna,
publicou um artigo partindo da mesma perspectiva católica sobre o assunto. Para
ele, o evolucionismo é factual, e ignorá-lo significa ignorar “o progresso da
busca científica”, além de comprometer “o aprofundamento da Teologia”. [1]
Neste tipo de arrazoado, costuma haver uma diferenciação entre ciência e moral,
argumentando que é possível que se aceitem os preceitos do Materialismo
Filosófico, sem comprometer a moralidade bíblica. No entanto, a própria
Escritura admite esta conciliação entre seus ensinos e a estrutura de
pensamento moderno, pautada pelo predomínio de uma mentalidade crítica e
racionalista?
Uma
resposta adequada a esta inquietação surge ao examinarmos a filosofia
proveniente do material sagrado. Ocorre que, na Literatura bíblica, a moral
está relacionada aos atos de Deus na História. Se admitirmos que Deus não agiu,
e que os eventos relatados não passam de história da carochinha, a moral perde
seu embasamento.
Um,
entre outros tantos exemplos disto que acabamos de dizer, está na forma como
Jesus lidou com uma discussão antiga, de espectro moral. Perguntado sobre o
divórcio, Jesus afirmou haver o que os estudiosos hoje chamam de “cláusula de
exceção”: quem se casou deve manter-se casado, exceto em caso de adultério (Mt
19:9). Antes de dialogar sobre a exceção, o Mestre expôs a regra, afirmando que
“desde o princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’” (v. 4-6). Para Jesus,
portanto, a conduta moral que deve reger a união de duas pessoas em casamento
está baseada em um evento – a união conjugal dos primeiros seres humanos (Adão
e Eva), realizada pelo próprio Deus.
Levando-se
em conta o que dissemos, é de se perguntar a um evolucionista teísta: 1) Se o
relato da Criação (Gn 1) é algo alegórico, com que bases um cristão poderia
definir o que é moral em um casamento? 2) Se Jesus considerava a Criação um
evento historicamente confiável, por que Seus modernos seguidores deveriam
sustentar uma posição contrária?
A
tendência dos críticos modernos do Cristianismo é considerar a religião com
crença descomprometida de aspectos factuais (ou mesmo de aspectos factíveis),
ou seja, como que se a religião bíblica dependesse de fé cega, sem jamais se
apoiar sobre qualquer tipo de prova que fosse averiguável pela razão; [2] esta,
porém, não é a mentalidade dos escritores bíblicos.
Infelizmente,
alguns autores modernos menosprezam a compreensão que os povos antigos tinham
da realidade, julgando que eles eram por demais místicos ou fantasiosos. Não
devemos ir a tanto. É claro que as pessoas sabiam que colocando a mão sobre o
fogo se queimariam e que, caso um vizinho chegasse contando que sua vaca saiu
voando, provavelmente ele não poderia estar falando sério. A diferença é que,
para a cultura das épocas e terras bíblicas a realidade não era concebida como
um sistema fechado, mas se admitia a atuação do sobrenatural, tanto como causa
da ordem material cotidiana (a lei da gravidade, o nascimento, o curso dos
rios), quanto da explicação para eventos que fugiam desta ordem (a cura de
cegos, estéreis dando a luz, mortos ressuscitarem).
Esta
perspectiva bíblica se contrapõem ao Evolucionismo, que provê uma base
racionalista (estabelecendo que a verdade é o que pode ser provado
empiricamente) para o ateísmo (se Deus não passa na categoria de coisas que
podem ser provadas, então Ele não existe). A visão de mundo que este sistema
nos oferece se opõe de tal maneira à visão bíblica, que ambas se tornam
mutuamente excludentes – é impossível aceitar o que uma afirma sem descrer da
outra.
O
biólogo Richard Dawkins, ateu e ardoroso defensor do Evolucionismo, afirma que,
na Natureza “não podemos admitir que as coisas possam ser boas nem más, nem
cruéis nem carinhosas, mas simplesmente cruas – indiferentes a todos os
sofrimentos e sem nenhum propósito.” [3] Conciliar uma concepção de natureza,
em que falte propósito, com um sistema moral baseado nos atos de um Deus
Soberano é a mais heterogênea das misturas.
Não
à toa, o mesmo Dawkins, muito mais coerente do que os evolucionistas teístas,
transporta a falta de propósitos para o mundo moral: “há algo de infantil na ideia
de que outra pessoa (pais no caso de crianças, Deus no caso de adultos) tem
responsabilidade de dar sentido e objetivo à sua vida”; para Dawkins, “a visão
verdadeiramente adulta, pelo contrário, é a de que nós é que decidimos se nossa
vida será significativa, plena e maravilhosa. E podermos fazer com ela seja
plena e maravilhosa”. O dogmatismo das afirmativas do biólogo best-seller chega a ser comparada ao
fervor dos religiosos que ele vem criticando há décadas. [4] Quem sabe, este
seja o único ponto de contato entre Evolução e Teísmo bíblico: a fé com a qual
(a seu modo) seus partidários defendem o que creem.
[1] Citado por Carmen Elena Villa
Betancourt, “Pistas para superar o debate
entre católicos e teoria da evolução”, disponível em .
[2] “‘sem dúvida, a imensa maioria das
pessoas sem treinamento científico só pode aceitar os resultados da ciência
fiando-se nas declarações de autoridades no assunto. Mas há, obviamente, uma
diferença importante entre um sistema aberto que convida todo mundo a se
aproximar, estudar os seus métodos e sugerir aperfeiçoamentos, e outro que
considera o questionamento de suas credenciais um sinal de maldade no coração,
como a que o [cardeal] Newman atribuiu àqueles que questionaram a infabilidade
da Bíblia […]. A ciência racional trata as suas notas de crédito como se fossem
sempre resgatáveis quando solicitado, enquanto o autoritarismo não racional
considera o pedido de resgate de suas notas uma desleal falta de fé.'” Morris
Cohen, Reason and nature (1931),
citado em Carl Sagan, O mundo assombrado
pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro (São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 1999), 8ª reimpressão, 249.
[3] Richard Dawkins, O Rio que saía do Éden: uma visão
darwiniana da vida (Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 1996), 89.
[4] José Maria e Silva, de quem
extraímos as afirmações de Dawkins do último parágrafo (que fazem parte do
badalado “Deus: um delírio”), comenta que a suposta “visão verdadeiramente
adulta de Dawkins”, tratar-se de “Uma frase digna dos televangelistas que ele,
com razão, critica. A se crer em Dawkins, essa vida “plena, maravilhosa” só é
possível através da ciência, matando Deus, o obstáculo.” O texto de José Maria
termina com o seguinte comentário: “[…] Em tese, a ciência pode até ser capaz
de desvendar todos os mistérios do universo, inclusive Deus, mas jamais será
capaz de construí-lo. A não ser que apele para as paixões — como faz o
evolucionismo de Dawkins — e deixe de ser ciência.” José Maria e Silva, Richard Dalkins: o talibã ateu,
disponível em .
3 comentários:
Olá, professor Douglas!
Somos agora seus novos alunos. Pertencemos ao 4º Ano “A” e “B”.
Nesta segunda-feira a professora nos questionou sobre o que aprendemos na 1º aula que tivemos de Ensino Religioso com você. Seu objetivo foi permitir que compartilhássemos verbalmente o que havíamos aprendido.
Recordamos o nosso 1º tema: “Um Show de Beleza”. Em seguida, a professora registrou na lousa o depoimento de alguns que queriam compartilhar o que haviam aprendido verbalmente. Também possibilitou que todos pudessem registrar através do desenho seu aprendizado.
Nós aprendemos que....
...não foi de uma explosão que surgiu o mundo. Foi Deus quem criou o mundo. Daila, 9 anos.
...eu aprendi que Deus fez o mundo em 6 dias. No 1º dia Deus fez a luz; no 2º dia Ele fez o firmamento; 3º dia fez a terra e as plantas; no 4º Ele fez o sol, a lua e as estrelas; no 5º dia fez as aves e os peixes; 6º dia fez os demais animais e o homem. E no 7º dia Deus descansou. Patrick, 9 anos.
...quem acredita que Deus criou o mundo é criacionista. Já quem acredita que o mundo surgiu de uma explosão é evolucionista. Eu acredito que tudo foi criado por Deus. Alison, 9 anos.
... acredito que Deus nos criou e que nós não evoluímos do macaco. Gabriel, 9 anos.
...os evolucionistas acreditam que a natureza surgiu do acaso e que o homem é um descendente do macaco. Os criacionistas acreditam que Deus criou o mundo. Eu também acredito que Deus criou o mundo. Peterson, 9 anos.
...que Deus criou a Terra. Henrique, 9 anos.
... Deus criou o homem e a mulher. Vinícius, 9 anos.
... Deus criou o mundo todo. Fez o Adão usando barro e a Eva da costela de Adão. Lucas, 9 anos.
...aprendi que Jesus morreu para nos salvar. Guilherme, 9 anos.
...sempre devemos obedecer a Deus. Marina, 8 anos.
Só gostaria de ratificar que os cristãos que crêem no teísmo bíblico não creem sem fatos, mas sim conciliam os fatos com os acontecimentos bíblicos. Muitos axiomas creacionistas nao tem base, nós temos e por isso é podemos comprovar a existência de Deus
Cara Simone,
a quais fatos você se refere? Assim como Dawkins, você alude aos fatos da evolução? Ora, se você considerar dessa forma, a Bíblia, que apresenta outra origem para a vida, não pode ser tomada como narrativa factual, mas, no máximo, como uma história cheia de simbolismos e, portanto, fantasiosa...
Mas, se a Bíblia fantasia com respeito à Criação, por que acreditar na Queda do homem? De uma perspectiva evolucionista teísta, por exemplo, a morte é parte da ordem biológica, e não uma consequência do pecado. E se Criação e Queda não são literais, por que a Redenção seria?
Aliás, muitos já nem consideram fatos os acontecimentos narrados pelos evangelhos, como o nascimento virginal de Jesus, Seus milagres e Sua ressurreição. Se nenhum dessas coisas aconteceram de verdade, então por que acreditar na Bíblia?
Agora, até onde eu sei, a existência de Deus não pode ser provada, mas, no máximo, existem evidências, "pegadas" que o Criador deixou ao longo da História...
Mas me responda: quais axiomas criacionistas não têm base e por quê?
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