segunda-feira, 6 de abril de 2009

SERIA PERVERSO O DEUS DO AT?


Algo mudou na vida nacional e particular dos judeus desde que Cristo terminou sua efusiva comitiva à Cidade Santa com a melancólica constatação: “Jerusalém, Jerusalém! Que mata os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Mt. 23:37). Pelos séculos seguintes, judeus oscilariam entre a ortodoxia rígida ou um agnosticismo indiferente, todavia sempre em contato com suas tradições religiosas peculiares. O próprio humor judaico costuma fazer troça de figuras dominantes (como Deus e os pais), em contraste com o típico humor ocidental, cujo alvo está nas minorias (negros, homossexuais, etc.).

Não é incomum ver judeus voltando-se de forma crítica para a Bíblia. Recentemente, livros como do jornalista A. J. Jacobs (“The year of living biblically”)[1] ou artigos semelhantes ao do professor Benny Shanon[2] demonstram a que grau os próprios judeus manifestam seu repúdio em relação à sua herança bíblica. Mais outro judeu veio engrossar a lista de filhos de Abraão revoltados: trata-se de David Plotz, entrevistado pela revista Época desta semana[3].
Plotz: Os seus não o receberam!

Autor de “O bom livro: as coisas bizarras, hilárias, perturbadoras e maravilhosas que aprendi quando li cada palavra da Bíblia”, Plotz lançou primeiramente suas críticas à Palavra de Deus através de um blog. Para ele, “o Deus do Velho Testamento é perverso, mata muita gente sem razão, não é misericordioso, amoroso, não tem compaixão. É muito perturbador pensar que esse Deus esteja cuidando de nós. Fiquei muito bravo depois de ler [o AT] e passei a desejar que exista algo melhor.”[4]

Tudo começou, conforme relata Plotz, durante a leitura da história do estupro sofrido por Diná seguido pela vingança de seus irmãos (Gn. 34). O choque do autor é compreensível. Ainda assim, o fato da Bíblia relatar uma história não implica que sancione as ações morais dos envolvidos. O erro de David Plotz se explica pelo fato dele não entender a estrutura do texto bíblico: embora a Bíblia narre de forma sutil episódios humanos, muitas vezes sem apresentar julgamentos morais imediatos ou fazendo censuras lacônicas (repetidas ao longo do texto), temos que compreender que o narrador inspirado conduz a uma moralidade ao apresentar os resultados de escolhas erradas. A própria objetividade do autor sacro leva-o a não suprimir detalhes históricos desagradáveis – e mesmo tais detalhes conduzem a um ensino por contraste, originando esperança (Rm. 15:4).

Com respeito a juízo divino, que convocava guerras e ordenava a morte de seres humanos, é preciso que se entenda que a sociedade patriarcal no Oriente Médio não era individualista como a nossa. Ao contrário: a sociedade era um organismo muito mais integrado. Por isso, a corrupção total de uma cultura, visível em práticas degradantes (mesmo aos olhos permissivos de cidadãos pós-modernos) afetava toda a sociedade. Estupro, assassinato, pedofilia, necrofilia, prostituição ritual, sacrifício de crianças ainda vivas, entre outras práticas, acompavanhavam sociedades cananitas. Não à toa, o Senhor Deus considerou tais culturas irrecuperáveis e ordenou sua destruição. A medida foi drástica, mas o que seria hoje de nossa sociedade se aquelas práticas se perpetuassem?[5]

Embora o julgamento divino assuma facetas sombrias (do ponto de vista do século XXI), o que dizer de inúmeras passagens bíblicas no AT que ressaltam a misericórdia divina? (Ver, por exemplo, Ex. 33:19; Sl. 69:16; Jr. 31:3; Lm. 3:22). Para alguns estudiosos, se somássemos apenas os textos do AT que retratam as misericórdias divinas, teríamos um livro maior do que todo o NT!

Plotz argumenta que, caso todos seguissem estritamente o texto bíblico, “seria um pesadelo, uma catástrofe.”[6] E ele segue citando algumas das regras circunstanciais do AT, dadas para um fim determinado, e que certamente o próprio Deus não tencionava que perdurassem para além da época em que seriam úteis. Em meio a tantas confusões com respeito às regras bíblicas, David Plotz sustenta contraditoriamente que, por um lado, a Bíblia deveria ser lida por todos, pelo fato de ser “a fonte original para muitos aspectos de nossa civilização e cultura”; por outro lado, ele crê que seu livro possa substituir a Bíblia, por resumir apropriadamente o livro sagrado (de uma perspectiva inadequada, em nossa avaliação)[7].

Que um judeu faça afirmações tão ousadas e descabidas sobre o livro santo, só se pode concluir o que João apresenta no preâmbulo de seu evangelho: “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.” (Jo. 1:11).
Leia também:


[1] Veja “Como viver biblicamente de verdade”, em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/11/como-viver-biblicamente-de-verdade.html.
[2] “Moisés, o toxicômaco”, em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2008/03/moiss-o-toxicmaco.html.
[3] “Não ler a Bíblia é como ser cego”, entrevista cedida a José Antônio Lima, Época, 30 de Março de 2009, nº 567, pp. 96-98. Daqui para frente, NLBC
[4] NLBC, p. 98.
[5] Leia outras considerações sobre esse mesmo tema em “A destruição dos cananeus”, em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/06/destruio-dos-cananeus.html e Rubem Aguilar, “Genocídio: Deus estava no controle?”, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2007/07/genocdio-deus-estava-no-controle.html.
[6] NLBC, 98.
[7] Idem.

Um comentário:

eLoY PireS disse...

certamente não!
Com todo o cuidado mostrado aos patriarcas e ao povo de Irsael, não há sombra de duvida que o Deus do AT é o mesmo Deus de amor do NT