A revista Veja desta semana (edição 2202, ano 44, no 5) comenta a chegada do livro Em defesa de Deus, da ex-freira Karen Armstrong. A matéria intitula-se O paraíso perdido da fé (p. 106-107) e é assinada por Jerônimo Teixeira. Há mais de um ano, nosso blog comentou a tentativa frustrada (e frustrante) de Armstrong em defender a fé cristã, de uma perspectiva diversa daquela presente no texto da Veja. A chegada da tradução em Português do livro apenas oportuniza que o leitor confira por si próprio a tese da autora.
De minha parte, reitero: a apologia de Armstrong à religiosidade, independente de quanta erudição ela possua (o que chega a ser impressionante), se dá sob falsas premissas. Para ela, a religião não tem de ser verdadeira, autêntica, ao contrário: trata-se somente da expressão inexata de um sentimento relacionado à espiritualidade latente no homem. Parafraseando a autora, Jerônimo Teixeira escreve que a “religião constitui um patrimônio simbólico”, o que não quer dizer que fosse entendido pelos autores bíblicos como algo objetivamente factual. Se for realmente assim, quais seriam as consequências?
Se a fé judaico-cristã se resume à história espiritual de um povo, os neoateus estariam cobertos de razão em descartá-la como fonte de conhecimento real, orientação moral e essencialmente significativa para a experiência humana atemporal. Não nos esqueçamos de que mesmo Dawkins atribui às Escrituras valor estético e literário – embora não duvide de que tudo, no final, se reduza a um mito. Mas, para além das resultantes lógicas do pensamento de Armstrong, como poderíamos analisar seu arrazoado per si? Sustento que a principal falha de Armstrong transpareça na metodologia empregada.
Armstrong adota a base crítico-racionalista, que impõe limitações ao texto bíblico, negando a existência do sobrenatural e envolvendo o processo de composição da Bíblia (que, para os cristãos, é fruto da Revelação) num desenvolvimento histórico totalmente dependente da cultura da época, a ponto de ter seu conteúdo determinado pelos fatores sócio-culturais. Mas, ao contrário do que afirma a estudiosa, descobertas arqueológicas reiteram o que a Bíblia afirmou, em termos de localização de cidades, costumes da época e situações específicas.
Tome-se como exemplo do Êxodo. Os eruditos que estudam o texto bíblico têm-se curvado diante das evidências (e mesmo muitos dos estudiosos liberais). Assim, a data para a composição do livro de Êxodo fica, a contragosto dos teólogos racionalistas, recuada, uma vez que, ao que tudo indica, não poderia ser um relato pseudo-histórico composto no período babilônico (como advogavam aqueles teólogos). Sabe-se que narrador do Êxodo tinha familiaridade com a língua, costumes e geografia do Egito do período posterior à expulsão dos hicsos. Isso quer dizer que o autor bem poderia ser o próprio Moisés, a quem a Ortodoxia atribuíra a escrita do Pentateuco, posição questionada apenas com o advento da Alta-crítica racionalista. E aqui consideramos um de muitos outros exemplos que poderiam ser mencionados.
A fé cristã depende da confiabilidade das assertivas bíblicas. Os melhores estudos vêm confirmando um alto grau de credibilidade histórica destes textos. Em anos recentes, partidários do liberalismo teológico se viram obrigados a rever seus pareceres dogmáticos. Quando Karen Armstrong faz afirmações altamente liberais sobre o texto, passa por cima os estudos mais recentes de crítica textual. Teixeira percebe isso. Ele comenta, ironicamente, sobre as afirmações taxativas da autora sobre datação (recente, segundo os liberais) e mentalidade dos textos bíblicos: “Não fica claro como Karen obteve acesso privilegiado à mente dos redatores do Antigo Testamento” (p. 107). A tentativa de justificar o Cristianismo protagonizada pela autora de Em defesa de Deus acaba tendo uso contrário do pretenso na mão daqueles que querem atacar à fé.
Felizmente, os argumentos dela são tão irrazoáveis que, se não servem para defender a fé, dada sua inconsistência, se usados para o fim inverso, acabam sendo facilmente rebatidos por quem se encontra bem informado. Acima de tudo, não há indícios de que Deus precise de defensores, ou mesmo de nossa submissão a Seus propósitos – afinal, mesmo “o que de Deus se pode conhecer, […] Deus [nos] manifestou” (Rm 1:19). E a revelação de Deus, embora esteja além de nossa razão, é substancialmente cognoscível e racional. Basta que o homem a investigue com isenção de ânimos.
6 comentários:
Olá, Douglas.
Relativamente à posição de Karen Armstrong e similares, venho chamando-os há tempos de "O Concílio de Vichy". Neste post, explico por quê:
http://www.criacionismo.com.br/2009/11/o-concilio-de-vichy.html
Um abraço e agradeço pelo livro "Fé Cega" - li-o com o meu filho, que gostou muito.
Marco,
li e achei muito bem pensado o conceito do Concílio de Vichy. Pretendo me referir a ele, atribuindo-lhe os devidos créditos.
Sobre o livro, fico feliz que ele tenha, de alguma forma, ajudado vocês.
Um abraço,
d.
Sabemos que ninguém tropeçará numa montanha. A montanha pelo seu tamanho é vista a olho nu de longe, quanto mais de perto. A montanha indica grau de dificuldade, e todos que dela se aproximam procuram estudá-la para não incorrerem em riscos tentando vencê-la. Já a pedra pequena do caminho..., esta parece inofensiva. Esta qualquer lida. Esta não oferece perigo e, portanto, não se faz necessário temê-la. Pois bem, são exatamente nas pedras pequenas que normalmente tropeçamos. Elas se nos apresenta ingênuas, mas se não tomarmos cuidado, esfóla-nos os dedos, e por vezes, nos fazem até cair.
A ilustração acima indica que precisamos temer as “montanhas” que nos aparecem à frente, mas que também precisamos ser cautelosos com as pequenas pedras que surgem ou que são colocadas no caminho
Que Deus te abençoe cada vez mais, tornando-o o apologista da fé cirstã.
Pr. Gumercindo Castro
PIB em Pavuna - RJ.
Em referencia a ultima parte do texto. Encontrar Deus o homem encontrara. Agora resta saber qual tipo de Deus. Porque ezpinosa entendia Deus de uma forma diferente!
Parei de ler na parte que fala que evidências foram encontradas que sustentam o que está escrito na biblia. A comunidade CIENTÍFICA até hoje não encontrou qualquer evidência CIENTÍFICA dos escritos Bíblicos que tenha considerado fiel aos relatos. Alguns teólogos têm tentado, sem sucesso até o momento, encaixar as peças do quebra cabeças história/ bíblia. A fé deveria ficar apenas no campo da fé, se passar para o campo da razão será uma batalha perdida.
Pois não deveria ter deixado sua falta de informação (ou preconceito) impedi-lo de continuar lendo, uma vez que a Arqueologia, que é uma ciência, já confirmou lugares, pessoas e eventos bíblicos - e isso há mais de um século e meio! Apesar do atraso de sua parte, imagino que sua definição de ciência se restrinja às ciências naturais, o que, além de confusão conceitual, me parece duplamente equivocado, uma vez que entre astrônomos e matemáticos há muitos que escrevem sobre Design Inteligente, corroborando, parcialmente, com a apresentação do relato de Gêneses, base da cosmovisão bíblica. Em suma, quero incentivá-lo a continuar lendo, o que talvez mude suas definições engessadas - espero.
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