sexta-feira, 25 de novembro de 2011

COMO EM BOTES PODRES


A mãe detestará o vestido
Enlameado cruzar o muro,
Dispondo do favor das jumbebas.
“Olhe o estado desta roupa!
Vá para o banheiro e não se esqueça
De tirar os carrapichos
Das meias”, dirá com o olhar contrafeito.

A bronca espere por sua vez!
Deitada sobre a grama do parque,
A menina desmembra as saúvas
– O que é comestível leva
À garrafa de refrigerante.
Vó Gerci irá fritá-las;
Ela a ensinou a comer saúvas.
Vó Gerci é a senhora triste,
Cuja pele é de elefante.

O retrato opaco rouba-lhe o hoje…
Seria a falta de Vô João?
Coaduna a menina com a dor.
Vô João – sorveteiro e grande homem!
Nos fins de tarde, vinha da faina,
Suado, ofegante… As crianças
Cercavam-no sem olhos, só com arco-íris.

Vô João distribuía a todas
Quantos sorvetes não se vendera.
Nem sempre a quantidade bastava;
À menina não faltava!
João e Gerci tinham-na como
Parecida com a filha
Que perderam; Amavam-na assim.
O Vô morreu de infarto, assistindo
A um sério atropelamento.

Vó Gerci fez da casa vazia
A capela de lágrimas, onde
A cada dia ela morre um pouco
Com cada lágrima que expele.
Só a menina lhe traz saúvas
– O que beira a algum conforto.
Nada falam quando comem tais formigas.

Resta que se olhem, mas de soslaio,
Pequeno gesto, gratidão mútua.
Uma tem a outra e felizes fazem-se.
A menina, em meio ao rito,
Vê-se a tomar sorvete e prefere
O de goiaba aos demais.
No bairro há um novo sorveteiro:
O cabelo é liso e seu bigode
Dá voltas como a gangorra;

Nunca sobram sorvetes na caixa
– Se não fosse assim, por que ele não
Os daria às crianças que pedem?
Não que importe: ainda existem
Saúvas que a Vó Gerci prepara.
“Boa menina que aqui
Vive caqui sobre esses botes podres ”.

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